Flavia Guerra

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Opinião

Cannes: 'Anora' vence Palma de Ouro e dá banho de água fria em Rasoulof

"Anora", do Sean Baker, levou a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024. A decisão do júri presidido por Greta Gerwig dividiu público e imprensa que acompanha o evento neste ano.

O filme do cineasta norte-americano é uma celebração do cinema que tem um subtexto calcado na realidade, mas investe na comédia para tratar de temas como a realidade das mulheres e "profissionais do sexo do passado, de hoje e do futuro", a quem Baker dedicou a Palma.

Em um ano pautado por histórias de personagens femininas que rompem com a opressão e o machismo estrutural nos mais diferentes contextos, países e épocas, Baker conseguiu o feito de conquistar público (que riu sem parar na sessão de gala do longa) e o júri.

"Outros filmes meus foram sobre profissionais do sexo. É a profissão mais antiga do mundo, não?", comentou o cineasta, sinalizando que "é preciso contar suas histórias para que o público também possa viver as histórias dessas pessoas e empatizar com elas."

Baker tem apreço por personagens excluídos, que vivem à margem do grande sonho americano e os filma com muita humanidade e afeto, mesmo quando faz uma "dramédia" no caso de "Anora".

A defesa do cinema que o diretor fez ao receber a Palma surge como um tema que encerra em grande estilo um festival que luta todos os anos para manter a força e o prestígio do cinema em tempos em que o streaming ganha cada vez mais espaço nos corações e mentes do público em todo o mundo, mas especialmente em seu país natal.

Eu cresci indo ao cinema, sou apaixonado por cinema, e ver salas de cinema fecharem todos os dias é triste. Ao mesmo tempo, eu vejo cineclubes e jovens apaixonados pelo cinema
Sean Baker em coletiva após a Palma de Ouro

Questionado se um prêmio como a Palma vai aumentar as chances de "Anora" ser distribuído nas salas dos Estados Unidos, Baker afirmou que espera que sim.

A defesa do cineasta em prol do cinema de fato está conectada com a grande discussão do audiovisual contemporâneo. Afinal, passa por políticas públicas e de mercado de todos os países a regulação dos streamings, a saúde das salas de cinema e os novos hábitos de consumo cultural.

"Anora" é um ótimo filme dirigido por um cineasta incrível. Por outro lado, perder o zeitgeist de premiar um filme poderoso e corajoso como "The Seed of the Sacred Fig" é um balde de água fria em quem viu no filme do iraniano Mohammad Rasoulof um cinema forte, inventivo e profundamente calcado na realidade que vem sendo, a custo de muita luta e de vidas, transformada pelas novas gerações, sobretudo as mulheres.

Mohamad Rasoulof é um cineasta condenado no Irã
Mohamad Rasoulof é um cineasta condenado no Irã Imagem: Stephane Cardinale - Corbis / Getty Images


Questionada sobre o porquê de dar um Prêmio Especial do Júri, que não está previsto nos prêmios tradicionais, mas foi "criado" para a premiação, Greta Gerwig, presidente do júri, justificou:

É um filme corajoso. A gente não queria honrar não só o filme, mas também seu contexto, uma vez que o diretor Mohammad Rasoulof fugiu do Irã este ano depois que as autoridades o sentenciaram a oito anos na prisão por seu cinema
Greta Gerwig sobre "The Seed of the Sacred Fig"

Pode-se argumentar que, se o júri considerou de fato especial o filme e extraordinário o trabalho da equipe toda de "The Seed of the Sacred Fig", existe um prêmio perfeito para reconhecer tudo isso: A Palma de Ouro.

Ao dar o prêmio principal a "Anora" por ser "um filme que parecia ser algo novo, mas que conversava com formas mais antigas de cinema. Tinha algo no filme que nos faz lembrar de estruturas clássicas de cineastas como Luibitsch ou Howard Hawks. A nossa escolha foi muito de coração", como justificou Greta sobre a escolha, o júri traz cinema norte-americano como grande referência de linguagem e de história do cinema

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'Emília Perez' e Payal Kapadia fazem história em Cannes

A tradição do cinema hollywoodiano também pautou a escolha do júri ao escolher seu Prêmio do Júri, considerado a medalha de bronze do festival. "Emília Pérez", do francês Jacques Audiard, é um musical que bebe na fonte dos grandes clássicos do gênero, mas que o subverte ao contar a história de um grande chefe do tráfico de drogas mexicano que sempre se sentiu uma mulher e contrata uma advogada para o auxiliar no processo de redesignação de gênero.

A premissa era arriscada, pois o longa unia musical, violência, melodrama e até ação. E tudo isso filmado por um francês em espanhol no México. Mas a mistura funcionou e rendeu não só o prêmio para Audiard (que já levou a Palma de Ouro por "Deepan" em 2015) como também o Prêmio de Elenco Feminino para o trio formado por Karla Sofia Gáscon, Zoe Saldaña e Selena Gomez.

Em um aceno para uma direção diferente foi o Grande Prêmio do Júri, dado para "All we imagine as Light", primeiro filme indiano a concorrer à Palma em 30 anos, de Payal Kapadia.

Ao contar com um tempo muito particular a história de resistência e amizade de duas enfermeiras e uma funcionária de um grande hospital na caótica, mas cheia de vida, Mumbai, Payal traz um cinema com delicadeza e força.

"Espero que Cannes não demore tanto mais para convidar um filme indiano à competição oficial. Este filme celebra a amizade e a colaboração e companheirismo entre mulheres que resistem todos os dias", declarou a cineasta.

Os vencedores do Festival de Cannes em 2024

- Palma de Ouro: Anora (Sean Baker)

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- Grand Prix: All We Imagine As Light (Payal Kapadia)

- Prix du Jury (prêmio do júri): Emilia Pérez (Jacques Audiard)

- Prix de la Mise en scène (melhor diretor): Grand Tour (Miguel Gomes)

- Prix Spécial: The Seed Of The Sacred Fig (Mohammad Rasoulof)

- Prêmio de interpretação masculina: Jesse Plemons (Kinds of Kindness)

- Prêmio de interpretação feminina: Adriana Paz, Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez (Emilia Pérez)

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- Prix du Scénario (Roteiro): The Substance (Coralie Fargeat)

- Caméra d'or (melhor diretor estreante): Armand (Halfdan Ullmann Tøndel)

- Caméra d'or - menção especial: Mongrel (Wei Liang Chiang e You Qiao Yin)

- Palma de ouro de curta-metragem: The Man Who Could Not Remain Silent (Neboj?a Slijepcevic)

- Menção Especial de curta-metragem: Bad For a Moment (Daniel Soares)

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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