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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Tarantino surpreende ao expor o que nunca terá em seus filmes

Tarantino surpreende ao expor o que nunca terá em seus filmes - Marilla Sicilia/Mondadori Portfolio via Getty Images
Tarantino surpreende ao expor o que nunca terá em seus filmes Imagem: Marilla Sicilia/Mondadori Portfolio via Getty Images

Colunista do UOL

26/05/2023 04h00

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Quando se trata de Quentin Tarantino, nada é discreto. Nem mesmo a "Sessão Secreta" de um misterioso filme que ele prometeu mostrar a uma seleta plateia durante um Rendez-Vous, ou seja, encontro com o público, na Quinzena dos Cineastas (Antiga Quinzena dos Realizadores), na tarde desta quinta no Festival de Cannes.

O encontro que funcionou como uma masterclass do diretor foi mais badalado e concorrido que muitas sessões de gala de Cannes 2023, com fãs na fila por nove horas à espera de conseguir entrar no evento mesmo sem convites. Muitos apostavam que durante a masterclass ele apresentaria, em primeira mão, algo do seu novo e décimo, e supostamente, último filme, até o momento batizado de "The Movie Critic" (O Crítico de Cinema).

Para frustração da maioria, o tal "filme surpresa" era, na verdade, um clássico dos anos 1970 "Rolling Thunder" (de 1977, lançado no Brasil como "A Outra Face da Violência"), de John Flynn, escrito por Paul Schrader e Heywood Gould, que conta a história de um veterano da guerra do Vietnã que, ao voltar para casa, inicia uma caçada para se vingar dos assassinos de sua família.

Ele também falou de seu mais novo livro, "Cinema Speculation", ainda inédito no Brasil, em que ele traz uma série de ensaios sobre o cinema da década de 1970 e os filmes que considera que formaram seu caráter como cineasta e cinéfilo, além da própria história da Quinzena, e sua relação com a mostra, que nasceu em 1969 como um movimento da contracultura francesa que revolucionou o país no histórico ano.

Com uma nova proposta de trazer um cinema jovem, com frescor, mais ousado em relação à programação oficial (a que disputa a Palma de Ouro), cineastas como François Truffaut e Jean-Luc Godard, entre outros, criaram a Quinzena para dar espaço aos novos talentos de todo o mundo. A mostra permanece com este espírito até hoje e traz Tarantino para também contar esta história.

Sangue e humor

O cineasta é figura querida em Cannes e foi um dos nomes que renovaram o cinema na década de 1990, quando causou um alvoroço no festival com "Pulp Fiction". Estrelado por Uma Thurman e John Travolta, o longa levou a Palma de Ouro em 1994 e a história do cinema contemporâneo nunca mais foi a mesma. Tarantino voltou a competir em Cannes em 2019 "Era Uma Vez em Hollywood", em 2019, que não levou nenhum prêmio, mas lhe rendeu uma indicação a vários Oscar em 2020.

As altas doses de violência e sangue, combinados com muito humor, sendo a marca do cineasta, inspiraram centenas de jovens cineastas em todo o mundo. Sobre isso, durante a masterclass, Tarantino falou e defendeu a violência no cinema como ingrediente dramático crucial. Para ele, praticamente não há violência não justificada no cinema e, até quando parece ser gratuita, tem razão de ser. A única exceção é violência com animais. "Eu gosto de filmes violentos. Algumas pessoas gostam de musicais, outras gostam de comédia pastelão. Eu gosto de filmes violentos. Acho que é algo muito cinematográfico", declarou o cineasta.

Para Tarantino, há somente uma exceção: "Tenho esta grande questão sobre matar animais em filmes. Isso vale para insetos também! A menos que eu pague para ver um documentário bizarro e estranho, não vou pagar para ver morte real. Boa parte de que (a violência) funciona no cinema é porque é de faz-de-conta. É por isso que eu posso defender cenas violentas", declarou ele, que foi muito aplaudido.

Sobre "The Film Critic", quando questionado sobre o porquê do nome e, obviamente, do tema, o cineasta escondeu o jogo. No maior evento de cinema do mundo, que tem cerca de cinco mil jornalistas e/ou críticos credenciados, revelar muito sobre um filme que anuncia justamente no título que vai tratar destes profissionais pode não ser muito estratégico. "Eu morro de vontade de contar alguns monólogos dos personagens para vocês. Ia ser divertido. Talvez se tivesse menos câmeras aqui."

Talvez também se houvesse menos críticos presentes à sala. Como bem comentou Tarantino, ao estrategicamente fugir da pergunta de "por que o novo filme se chamar "crítico de cinema", esta é "uma longa história". Provavelmente são os críticos que vão estar sob as lentes violentas do cineasta.