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Chico Barney

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que o estrogonofe de leite ninho do TikTok nos ensina sobre a vida

Estrogonofe de leite ninho é sucesso no perfil Sampadicas do TikTok - Reprodução/TikTok/Sampadicas
Estrogonofe de leite ninho é sucesso no perfil Sampadicas do TikTok Imagem: Reprodução/TikTok/Sampadicas

Colunista do UOL

25/07/2023 10h54

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São cada vez mais populares os controversos perfis de dicas culinárias em aplicativos como o TikTok e o Instagram. Cidadãos comuns são alçados à fama enquanto buscam almoço grátis. Como não existe almoço grátis, vivemos uma espécie de era de ouro da permuta.

Todo empreendedor hoje precisa ser também produtor de conteúdo. Uma ideia de negócio precisa vir acompanhada, inevitavelmente, de uma disponibilidade de se tornar Uber de si mesmo.

Os perfis que visitam restaurantes ajudam a levar fluxo não só para o espaço presencial, furando a bolha da vizinhança e do algoritmo, mas também da presença online dos estabelecimentos. É um ecossistema que funciona.

Mas isso incentiva uma disputa pelo coração e pela mente do amigo internauta. Em meio a tantas opções de conteúdo, o que faria alguém parar para prestar atenção em comida? É aí que nasce a culinária da infâmia, cujo macronutriente principal é a capacidade de causar reações nos telespectadores.

Só na última semana, pelo menos dois restaurantes viralizaram graças a propostas que não permitem a abstenção de comentários: você precisa ser contra ou a favor, é quase uma gastronomia ideológica.

Em um deles, os sashimis vêm num varalzinho, como se estivéssemos nos fundos da casa do Bob Esponja. Também causou especial furor um sushi que entre os ingredientes continha, veja só, algodão-doce.

No outro estabelecimento, a oferta é de um rodízio de estrogonofe. Uma variedade poderosa de carnes. Mas a polêmica veio na sobremesa, uma impensável panela de estrogonofe de leite ninho para se servir como quiser.

Não faço absolutamente nenhum juízo de valor a respeito das iniciativas. Tenho um paladar infantil de fazer o Projota sentir pena. Até uma recente guinada fitness em minha vida, sintoma devastador de uma grave crise de meia-idade, não era incomum curtir uma bisnaguinha recheada com cream cheese e Fandangos. Saudades.

E assim como eu, uma nação está desesperada por alimentos hiperpalatáveis que nos façam esquecer das vicissitudes da vida. É saudável? Bom, acessar a internet já é um risco que se assume e pode atingir ainda mais regiões que o miocárdio. Mas não sou um especialista.

A radicalização lúdica da culinária é mais um efeito do capitalismo tardio. E também uma consequência da selvagem disputa por atenção que os algoritmos das redes sociais nos impõem. O excesso de opções é cruel, então as opções vão ficando cada vez mais extremas.

Isso aconteceu nos anos 1990 nos quadrinhos norte-americanos. Para conquistar o público e fazê-lo comprar muitas vezes a mesma coisa, as editoras encheram as capas dos gibis de adesivos metálicos e cores que brilhavam no escuro. Além disso, a arte foi ficando cada vez mais urgente e visceral.

A dinâmica levou a indústria à bancarrota. Resumindo um pouco a história, não tinha quem consumisse tanta tranqueira na frequência necessária. A Marvel pediu falência e quase deixou de existir. Depois se reinventou como o leite ninho hollywdiano de hoje em dia.

Uma bizarrice parecida aconteceu na política mundial ao longo dos últimos 10 anos. As bravatas dos personagens públicos foram ficando cada vez mais estapafúrdias para ocupar a cabeça da audiência de maneira recorrente.

Era um beco sem saída: lembra que até ano passado tudo era política na sua timeline? Isso mudou, pois não era sustentável. As pessoas se cansaram do abismo, fizeram outras escolhas e voltaram a ter espaço para rechear a mente com bobagens menos importantes. Graças a Deus.

Quer dizer então que em breve a tendência da indústria de dicas de restaurante será o arroz com feijão mais básico que houver? Tenho cá minhas dúvidas.

Acredito que alguns fãs de catupiry vão ficar cada vez mais fissurados por catupiry, enquanto a maior parte do público vai se empanturrar e dar um tempinho até voltar a mergulhar nessas bordas.

Enquanto isso, sigo curioso para experimentar um salmão pendurado no varal.

Voltamos a qualquer momento com novas informações.