'Lovecraft Country': continuamos a matar Emmett Till todos os dias
Domingo rolou o oitavo episódio da série "Lovecraft Country", da HBO, que aborda as obras do H.P. Lovecraft, no contexto nos Estados Unidos dos anos 1950. A abertura de "Jig-a-Bobo" vem com uma singela homenagem a Emmett Louis Till.
Apesar de ter me inspirado na série, este texto não tem spoilers do oitavo episódio de 'Lovecraft Country', mas vale sempre lembrar que o conteúdo é sensível
Na série, Emmett era apelidado de Boo e, assim como na vida real, morreu com requintes de crueldade. Sua mãe optou pelo caixão aberto num funeral que mobilizou centenas de pessoas negras.
Emmett Louis Till foi assassinado em 1955 aos 14 anos na pequena cidade de Money, no estado do Mississipi, enquanto passava férias na casa de parentes. Ele foi acusado de ofender uma mulher branca com um assovio.
A partir daí, Carolyn Bryant, a suposta vítima do garoto Emmett, passou a espalhar a história pela cidade, assinando, assim, asentença de morte do garoto. Ele foi encontrado extremamente desfigurado boiando no rio Tallahatchie. Ele estava irreconhecível
Vale lembrar que a prática de linchamento vitimou milhares de afro-americanos pelo país. Calcula-se que só no Mississípi morreram mais de 500 negros por linchamento. Existem registros de mais de 4,4 mil afro-americanos mortos durante a "era dos linchamentos".
Roy Bryant e J.W. Milam, os responsáveis pelo crime, foram acusados, mas diante de um juri completamente composto por homens brancos foram absolvidos.
Ambos seguiram livres após linchar até a morte uma criança negra de 14 anos.
Falhamos enquanto sociedade e continuamos a matar Emmett Louis Till diariamente.
Miguel Otavio, uma criança negra de apenas 5 anos, foi deixado à própria sorte dentro de um elevador de um prédio na cidade do Recife pela patroa de sua mãe. O que resultou em sua queda do nono andar. Ele morreu na hora. Nenhum responsável está preso
Em setembro de 2019, perdemos Ágatha Felix vitimada por um tiro que, segundo testemunhas, veio da polícia. O próprio inquérito identificava como o tiro tendo sido disparado por um PM. Mas, até hoje, a disputa segue na justiça sem nenhum culpado responsabilizado.
A real é que eu poderia continuar uma lista infinita de crianças negras que foram assassinadas a partir de uma ótica racista que há séculos perpetua que a vida de nossas crianças negras não importam. Só em janeiro de 2019 foram 6 crianças que tiveram a vida interrompida, segundo a ONG Rio De Paz.
O assustador da história é não estar falando apenas dos EUA segregado de 1950, mas sim do Brasil de 2020, onde os dados do atlas da violência apontam para 75% das vítimas de homicídio sendo negras.
A escolha da série de Misha Green de retomar o passado para nós refletirmos sobre o presente é para lembrarmos que continuamos a matar crianças e adolescentes negros como Emmett.
O terror e desconforto que a série de Misha Green causa me faz pensar que terror mesmo não são os monstros criados pelo escritor Lovecraft, mas sim o que nós entendemos e soberbamente chamamos de "civilização", enquanto a sociedade segue matando crianças negras.
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