'Viva o Brasil' não passou de grito da torcida no Oscar dos restaurantes

As apostas não eram tão certeiras, mas torcer muito nunca é demais. Quem sabe o Brasil finalmente não alcançava o topo da gastronomia latino-americana pela primeira vez?

Talvez fosse o grande ano para isso: era a estreia do país em receber a versão latina dos 50 Best Restaurants, prêmio mais importante de gastronomia no mundo, que aconteceu na noite de terça-feira (28) no icônico Copacabana Palace.

O governo do Rio de Janeiro negociou com a organização e conseguiu que a cidade sediasse a cerimônia, trazendo cozinheiros, empresários e jornalistas da gastronomia do mundo todo. Tudo parecia estar conspirando.

A entrada do 'Copa' ontem (28), no início da recepção do Oscar da gastronomia
A entrada do 'Copa' ontem (28), no início da recepção do Oscar da gastronomia Imagem: Divulgação/50 Best

Também ajudava o fato do Brasil ter tido a sua melhor campanha na famosa premiação no ano passado, realizada no México: pela primeira vez, tivemos 10 restaurantes do país na lista, um recorde e tanto.

O "Copa" estava pronto para a festa à brasileira: verde, amarelo e azul (até na fachada) por todos os lados, os garçons serviam bolinhos fritos de boteco e risoto de jambu com pirarucu enquanto tambores batiam ao ritmo da ansiedade dos chefs.

Para as fotos dos representantes de cada um dos países, os brasileiros se juntaram e gritaram "urrus" e assobiavam como podiam. Fosse uma competição medida pelo barulho, talvez outras delegações, como a da Argentina, tivessem levado o prêmio, para repetir a conquista dos hermanos na premiação de 2020.

Os tira-gostos de boteco coloriam a premiação com a identidade nacional, mas nossa festa não chegou ao primeiro lugar
Os tira-gostos de boteco coloriam a premiação com a identidade nacional, mas nossa festa não chegou ao primeiro lugar Imagem: Divulgação/50 Best

Mas para a infelicidade de ambas as torcidas, foi sem grandes gritos de surpresa que o resultado foi anunciado, afinal: o Maido, restaurante peruano de culinária nikkei comandado pelo chef Mitsuharu Tsumura, conquistou o prêmio pela quarta vez.

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Das dez edições dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina, nove tiveram um restaurante peruano no topo do ranking: todos de Lima, capital do país que se tornou um dos destinos gastronômicos mais populares do mundo. Previsível, portanto, o resultado.

A esperança que o Brasil pudesse mudar esse cenário foi por água abaixo quando A Casa do Porco foi anunciado em quarto lugar, mesma — e melhor — posição que o restaurante paulistano conquistou na lista até agora.

Não subiu, mas também não desceu. Manter o posto também é vitória, como lembrou Janaína Torres Rueda, uma das sócias do restaurante, ao lado de Jefferson Rueda.

A Casa do Porco: o melhor restaurante do Brasil ficou em 4º lugar na América Latina
A Casa do Porco: o melhor restaurante do Brasil ficou em 4º lugar na América Latina Imagem: Divulgação/50 Best

Ela sim teve uma subida triunfante: minutos antes do anúncio, foi ao palco receber o prêmio de Melhor Chef Mulher do continente, já anunciado meses antes — depois de ter sido eleita Ícone em 2020.

Quebrando o protocolo, já que a premiação não permite mais que sorrisos e acenos, fez um discurso de agradecimento no gogó e, quando uma das contrarregras finalmente levou o microfone à sua boca, bradou de peito cheio: "Viva o Brasil".

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Entretanto, o país teve dois representantes a menos na lista deste ano: oito, no total, cinco apenas em São Paulo, dois no Rio de Janeiro e um em Curitiba — com o Manu, da chef Manoella Buffara.

Uma falta notada: a lista deste ano não contou com o paulistano D.O.M. pela primeira vez desde que a versão latino-americana foi criada há dez anos.

A melhor chef da América Latina, Janaína Torres Rueda, recebendo o prêmio no 2023 Latin America's 50 Best Restaurants no Copacabana Palace, no Rio, nesta terça (28)
A melhor chef da América Latina, Janaína Torres Rueda, recebendo o prêmio no 2023 Latin America's 50 Best Restaurants no Copacabana Palace, no Rio, nesta terça (28) Imagem: Divulgação/50 Best

Mas se a vitória peruana não foi nenhuma novidade, a lista talvez tenha sido a de maiores surpresas dentro do que tem de previsível. Foram 23 cidades representadas por restaurantes, a maior diversidade de sempre.

Medellín, na Colômbia, e San José, na Costa Rica, por exemplo, tiveram restaurantes reconhecidos pela primeira vez. O México, também, teve outras cinco cidades na lista, além da capital, uma constante na premiação — com 5 restaurantes este ano.

Buenos Aires também tem ganhado fôlego: foram 8 restaurantes da capital portenha, um indício de um bom investimento na gastronomia local, também por parte do governo, que recentemente fechou uma parceria com o Guia Michelin para ter presença ali — e em Mendoza, capital do vinho argentino.

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As equipes dos 50 melhores restaurantes da América Latina reunidos no palco do prêmio: peruanos dominaram o cenário gastronômico do continente
As equipes dos 50 melhores restaurantes da América Latina reunidos no palco do prêmio: peruanos dominaram o cenário gastronômico do continente Imagem: Divulgação/50 Best

Pode ser um indício que novos ventos estejam a soprar pelo continente. Espera-se uma mudança nas previsões, quem sabe, já para 2024, quando o Rio volta a ser palco do evento — pelo segundo ano consecutivo,

A experiência das listas mostra que os países que recebem premiações assim costumam ter uma subida considerável no ano seguinte, reflexo de muita gente conhecendo os restaurantes locais.

No Brasil, além do Rio, votantes e jornalistas também tinham programado passar por São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. Pode ser que, no ano que vem, quando anunciarem os 50 melhores, haja mais brasileiros entre eles.

Ou até, quem sabe, um brasileiro finalmente chegue ao topo da gastronomia do continente e "Viva o Brasil!" seja esse grito coletivo dos chefs no palco em 2024. Jogando em casa, a vitória tem um sabor ainda mais doce.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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