Japão tem 'deserto extraterrestre' pouco conhecido (mas vá antes que suma)
Uma paisagem semidesértica única no Japão — terra conhecida pelas suas floridas cerejeiras mais do que por areias escaldantes —, as Dunas de Areia de Tottori correm o risco de desaparecer não pelas mudanças climáticas, mas pelos esforços da comunidade em combater a degradação ambiental.
De acordo com a CNN americana, o 'deserto' de Tottori tem hoje apenas 12% do tamanho que possuía 100 anos atrás graças a um ambicioso e bem-sucedido projeto de reflorestamento lançado pelo governo japonês ao final da Segunda Guerra Mundial.
O objetivo da iniciativa era transformar o terreno arenoso em cultivável para ajudar a alimentar a população local, prevenir danos trazidos às construções pelas tempestades de areia e "estimular" o meio ambiente após as dificuldades impostas pelo conflito.
"Muitos pinheiros foram plantados nas dunas costeiras ao longo do arquipélago japonês para que a areia deixasse de voar. Especialmente no século 20, quando a tecnologia já era mais avançada, florestas costeiras começaram a ser desenvolvidas. Essas plantações foram tão bem-sucedidas que muitas dunas costeiras foram convertidas em campos e áreas residenciais próximas à costa. E as dunas desapareceram", explicou o Dr. Dai Nagamatsu, professor da Faculdade de Agricultura da Universidade de Tottori, especializado em ciências da vegetação e estudioso das dunas.
Parte da própria capital da região administrativa, a cidade de Tottori, foi construída sobre porções das dunas reflorestadas, ainda de acordo com a CNN. Com o plano a todo vapor, operadores de turismo e acadêmicos decidiram por o pé no freio e pedir à comunidade que preservasse parte do deserto para pesquisas futuras e pela saúde econômica do setor de hospitalidade.
Por isso, os cerca de 160 hectares que sobraram do deserto foram protegidos como parte do Geoparque San'in Kaigan, membro da rede global de geoparques da Unesco, que atrai 1,2 milhão de turistas por ano curiosos pela excêntrica paisagem próxima ao Mar do Japão.
Visitantes na região também costumam fazer uma visita ao Museu da Areia, e podem surfar nas dunas, sobrevoá-las de parapente e passear de camelo. Nos seus arredores, há ainda lojas de souvenires e cafés que vendem sorvete de pera ou "biscoitos de areia", à base de gengibre e cobertos com açúcar de confeiteiro.
À noite, astrônomos amadores vão à região para admirar seu límpido céu cheio de estrelas e têm encontros inesperados com raposas, coelhos e tanuki — o guaxinim japonês — que vivem nas dunas.
"Quando eu fui às Dunas de Tottori, fiquei muito feliz. Não acredito que há um lugar como esse no Japão. A experiência de ver o lugar foi muito além do que eu imaginava", relembrou a turista Anya Jarilla à CNN. Ela esteve no local em 2022.
As areias douradas contrastam com o azul do céu durante dias ensolarados de verão. Ocupando atualmente cerca de 16 km da costa oeste da ilha de Honshu, a mais populosa do Japão, Tottori tem picos de até 45 metros de altura. Eles são um refúgio de tranquilidade, longe da agitação de Osaka (a cerca de 200 km) e Hiroshima (a 300 km).
Uma história de amor e perda
As dunas de Tottori se formaram ao longo de 100 mil anos à medida que a areia era levada de suas vizinhas, as Montanhas Chugoku, através do rio Sendai, e depositada no Mar do Japão. Durante séculos, vento e correntes de água trouxeram de volta a areia à costa, de acordo com a Condé Nast Traveler.
A formação era relativamente desconhecida fora da região até 1923, quando as dunas foram citadas em um poema do escritor japonês Takeo Arishima. No texto, ele contava um caso de amor com uma mulher casada e o comparava com a sensação de estar rodeado pelas areias íngremes.
Logo após a visita ao 'deserto', o autor e sua amada tiraram suas próprias vidas, e a paisagem de inspiração para a declaração de um amor trágico atraiu curiosidade dos japoneses, que iniciaram o turismo em massa na região. Em 1962, Tottori voltaria a ser pano de fundo para uma obra célebre: "A Mulher nas Dunas", romance existencialista de Kobo Abe.
Sua notoriedade acabou servindo de motor para que a comunidade tentasse recuperar as dunas em 1972, mas a vegetação implementada com o reconhecido Método Miyawaki — adotado até na Amazônia brasileira de tão efetivo — já havia criado raízes profundas e começado a se expandir pelo terreno.
Há esperança para o deserto?
Desde 1991, voluntários se reúnem com regularidade para arrancar a vegetação que teima em crescer na área protegida, uma iniciativa essencial para prevenir que o verde se espalhe.
O governo do distrito administrativo de Tottori ainda traz areia extra para suplementar as dunas e adota medidas como a proibição (e fiscalização) de graffiti nas areias — a prática de desenhar ou escrever no deserto — para garantir que elas se pareçam tanto quanto for possível com a sua aparência há 100 anos, quando foram popularizadas pelo poeta Takeo Arishima.
Pesquisadores acreditam que vale a pena tentar preservar o deserto graças à sua condição rara. No Centro de Pesquisa em Terra Árida da Universidade de Tottori, cientistas internacionais estudam a agricultura em terras secas como a da região.
"As condições ambientais das Dunas de Areia de Tottori são diferentes daquelas em terras áridas porque seu clima é úmido. Mas a universidade está promovendo a pesquisa usando as condições de sua areia e estruturas [de laboratório] experimentais", justificou Nagamatsu à CNN. Para ele, as mudanças climáticas podem representar a salvação do deserto.
"Considerando os danos de tsunamis que são prováveis de acontecer no Japão no futuro próximo, parece existir espaço para reconsiderar [a situação] atual do terreno costeiro e a restauração natural das dunas no litoral japonês", acredita o professor.
Como visitar?
Para chegar às dunas vindo de Tóquio, é preciso se transferir do trem bala para uma linha local, encarar um voo doméstico ou uma longa viagem de carro. Quem opta pela primeira alternativa deve se dirigir à estação de Tottori e, de lá, pegar um táxi ou ônibus para as dunas.
Se decidir dormir na região para retornar à capital apenas no dia seguinte, é possível encontrar variedade de hotéis econômicos ou ryokans (as pousadas japonesas tradicionais) a uma distância de 10 minutos de táxi das dunas, de acordo ainda com a CNN.
A entrada no parque é gratuita e as dunas ficam abertas 24 horas por dia e sete dias por semana. Lojas e museus, assim como o Tottori Sand Dunes Visitor Center, podem ser encontrados a caminhadas curtas de distância e costumam receber turistas das 9h às 17h. Mais informações estão disponíveis no sakyu-vc.com.
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