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Madrinha da gastronomia no país, Rosa Moraes "importou" educação de chefs

Biblioteconomia se encontrou com o mundo da gastronomia na Califórnia - Fernando Moraes
Biblioteconomia se encontrou com o mundo da gastronomia na Califórnia Imagem: Fernando Moraes

Carlos Eduardo Oliveira

Colaboração para Nossa

19/11/2021 04h00

"Educação é o que mais me interessa. Ela toca a vida das pessoas", resume a empresária e educadora Rosa Moraes. Faz sentido: se hoje a gastronomia (ainda) é a bola da vez, ela tem um dedo nisso. Recentemente, foi nomeada coordenadora do afamado 50 Best Restaurants, premiação internacional que aponta as melhores mesas do planeta, para o Brasil e América Latina.

Filha e neta de italianos dos dois lados da família, a alimentação sempre foi essencial na família. "Todas as minhas memórias de infância são relacionadas a situações com comidas", ressalta.

Pesa na conta também o lendário Hamburguinho. A lanchonete que marcou gerações e funciona até hoje em São Paulo até foi inaugurada pelo pai, Décio Cecílio, nos anos 1970.

Mas os olhares de Rosa só se voltaram de fato para a gastronomia em 1989.

Formada em biblioteconomia e ceramista de talento com ateliê e clientela, ela se mudou para os EUA com o marido e três filhos pequenos.

Rosa Moraes - Fernando Moraes - Fernando Moraes
De família italiana e pai dono de lanchonete, Rosa sempre cultivou carinho pela comida
Imagem: Fernando Moraes

Foi uma escolha. E eu, que já gostava de cozinhar, fiquei chocada ao me deparar com a cena vanguardista dos produtos orgânicos e naturais na Califórnia. Era o estilo de vida ideal que eu queria".

O começo de tudo

Mergulhar nos ensinamentos de Alice Waters, ícone da Californian Cuisine, funcionou para ela como um "antes" e um "depois".

Eu pirei. Tirei do prato dos meus filhos tudo de industrializado. Essa experiência me levou a estudar e pesquisar ainda mais o universo da gastronomia".

Outra mudança, dessa vez para Nova York, a colocou nos trilhos da jornada que ultrapassa três décadas. Através de amigos, acabou indicada para o editor da revista à época recém-criada, a "Gula".

Rosa Moraes - Fernando Moraes - Fernando Moraes
Habilidosa em contruir relações, Rosa conecta gastronomia brasileira ao exterior
Imagem: Fernando Moraes

A ideia era descrever as suas experiências visitando restaurantes por meio de relatos informais, como se fossem cartas. "Aos poucos peguei o jeito. Os textos foram ficando melhores e ganhei uma coluna que fez bastante sucesso".

Não demorou muito para que Rosa dividisse a mesa com críticos do "The New York Times" e outras mídias de renome mundial. O trabalho lhe rendeu como amigos chefs prestigiados, como o francês Daniel Boulud e o falecido Anthony Bourdain.

A dona do conhecimento

Literatura da área foi trazida dos Estados Unidos - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Literatura da área foi trazida dos Estados Unidos
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Durante a visita de uma amiga, filha do reitor da Universidade Anhembi Morumbi, nos Estados Unidos, Rosa foi convidada para se envolver no projeto de criação do primeiro curso profissional de gastronomia do Brasil. "Eu achei que ela estava maluca. Eu morava fora e não tinha a menor intenção de retornar".

Pouco depois, Rosa já cruzava o país sondando instituições americanas de ensino para "importar" um know-how até então inexistente em território nacional. A estreia da primeira turma rolou em 1999.

De início, não havia livros didáticos. Eu trouxe os primeiros literalmente na mala. Os alunos os dividiam".

Após mais de uma década nos EUA, voltar ao Brasil significou a devoção full time à universidade. Habilidosa em construir relacionamentos, criou ao seu redor um círculo virtuoso. Levando e trazendo novos e consagrados talentos do ramo, conectou e promoveu a cozinha brasileira no exterior. E vice-versa.

Um de seus trunfos foi assistir ao francês François Payard, famoso entre os americanos por seus doces requintados, abrir um restaurante em São Paulo em 2001.

Nasce uma tendência

Rosa Moraes - Fernando Moraes - Fernando Moraes
Rosa Moraes: educação e relacionamentos são as chaves da sua carreira
Imagem: Fernando Moraes

Anos mais tarde, ocupando o cargo de diretora da rede de ensino Laureate Brasil, a educadora foi responsável pela difusão dos cursos (de hospitalidade e gastronomia) da instituição.

Sua pioneira atuação se multiplicava à medida que o ensino em gastronomia se expandia. Inflado, o segmento de mercado ultrapassou as paredes da sala de aula e — quem diria — chegou à TV e à publicidade, transformando chefs de cozinha em formadores de opinião.

Atualmente, Rosa apoia o projeto Gastromotiva em paralelo à atuação no prêmio 50 Best. "É o braço social do mercado. Importantíssimo, principalmente agora. Sou muito ligada ao David [Hertz, chef criador da ONG, em 2006, no Rio de Janeiro] e colaboro nos eventos e campanhas de arrecadação para doações de alimentos. No ano passado, ele lançou o Cozinha Solidária Gastromotiva, um projeto lindo, para atender as populações mais vulneráveis durante a pandemia".

Incansável, Rosa deu início a um novo desafio: tornou-se embaixadora de Turismo e Hospitalidade do grupo Ânima Educação, hub educacional com cerca de 320 mil estudantes por todo o país e que hoje agrega marcas valiosas como a própria Universidade Anhembi Morumbi.

Sua missão? Promover os cursos de turismo, eventos, hotelaria e gastronomia da rede, bem como a interseção destes com o mercado. E ela tira isso de letra.

O que dizem os colegas

Rodrigo Oliveira, do Mocotó - Ricardo D'Angelo - Ricardo D'Angelo
Rodrigo Oliveira, do Mocotó
Imagem: Ricardo D'Angelo

Chef Rodrigo Oliveira, restaurateur do Mocotó Bar e Restaurante:

"Dentre as muitas lições que a Rosa me ensinou, talvez a principal seja o papel decisivo dos relacionamentos, não só na carreira como na vida. Com a mesma naturalidade e carinho com que ela atendia os alunos, encantava personalidades como Thomas Keller, Ferran Adrià ou Alice Waters. Pode parecer simples, mas não há arte mais delicada e complexa do que essa".

Chef Laurent Suaudeau, pioneiro da alta gastronomia no país:

"Com sua inteligência de trabalho, a Rosa influenciou e incentivou muito a formação e o comprometimento de jovens talentos em nosso segmento de gastronomia. Muitos deles, aliás, hoje se tornaram lideres do setor".

J.A. Dias Lopes, jornalista e escritor gastronômico, criador das revistas "Gula" e "Gosto":

Alguém me falou de uma brasileira em Nova York que gostava muito de comida, era amiga de todos e ciceroneava brasileiros de passagem pela cidade. Nessa época, estávamos de olho nos EUA, a gastronomia estava explodindo por lá. Antenadíssima, inteligente, bem relacionada, a Rosa trazia para a revista tudo o que havia de mais novo. E se treinou a ponto de começar a escrever bem, me orgulho de tê-la trazido para o jornalismo. Mas seu maior feito mesmo foi trazer para o Brasil o ensino superior em gastronomia".