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Coronavírus: setor de alimentos se une por quem está na linha de frente

"Motoburguer" do MEATS é uma das iniciativas para ajudar quem está na linha de frente do coronavírus - Divulgação
"Motoburguer" do MEATS é uma das iniciativas para ajudar quem está na linha de frente do coronavírus Imagem: Divulgação

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa

10/04/2020 04h00

Em plena luta mundial contra a pandemia do coronavírus, muitos profissionais não têm a opção de se isolar e ficar em casa para tentar reduzir o contágio. No setor de alimentos, não é diferente.

Iniciativas recentes provam que a covid-19, apesar de tudo, criou uma atmosfera humanitária ao redor de todo o mundo. E os profissionais da chamada "linha de frente" — como médicos, entregadores e até caixas de supermercados — têm sido reconhecidos por diversas delas.

"Motoburguer", PF para entregador e divisão de equipes

O chef Paulo Yoller, do MEATS, em São Paulo, criou uma ação para beneficiar os entregadores de delivery que distribuem os pedidos da hamburgueria pela cidade. Através da própria plataforma de entrega, o cliente pode se juntar ao estabelecimento para comprar um hambúrguer para seu entregador.

Batizado de "motoburguer", trata-se de um cheeseburguer clássico com maionese da casa, em que o cliente "racha" o valor com o MEATS em qualquer pedido feito. Como diz as redes sociais da hamburgueria, uma forma de "deixar o dia de quem tem ajudado a matar nossa fome mais feliz".

O chef vê a iniciativa ação como um agradecimento aos entregadores, mas também como uma forma de refeição rápida para eles, que costumam trabalhar muitas horas seguidas, sem quase parar para comer. "A gente reparou que vários deles saíam de casa sem saber o que iam comer. E depender só da gorjeta que o cliente dá pelo aplicativo é pouco, já que sabemos que eles não recebem tão bem", diz Yoller.

Ao fazer o pedido, o cliente pode adicionar (por mais R$ 6) o "motoburguer". Na retirada, são entregues duas sacolas, uma do pedido do cliente e outra com o lanche do entregador, em que lê-se "obrigado por salvar o rolê".

São mais de 250 mil entregadores de bicicletas e motocicletas só em São Paulo, a maior cidade do país, que tendem a ficar mais vulneráveis do que outros trabalhadores, a exemplo do que ocorreu em países que já passaram pelo surto.

A chef Telma Shiraishi, do Aizomê, também tem feito pratos para distribuir entre os entregadores que passam pelo seu restaurante. "Cozinhamos todo dia almoço e jantar para nossa brigada, hoje bem reduzida para atender à nossa migração de serviço de take out e delivery.

Embalo o excedente para ser distribuído em marmitas para moradores de rua em nosso entorno e para os entregadores de aplicativos que vêm fazer o serviço para nós", ela conta. "É o pouco que consigo fazer dentro das minhas possibilidades e limitações".

Telma também deixa água potável à disposição. "E, quando dá, sirvo café", diz a chef que tem optado por fazer parte das entregas por sistema próprio. "Alguns de meus funcionários, em vez de carregar bandejas no salão, agora vão a pé ou pegam suas motos e bicicletas para chegar até nossos clientes. Quando saem para fazer alguma entrega aproveitam para distribuir algumas marmitas para os necessitados em nosso entorno, que agora viraram nossos 'clientes' já conhecidos", diz.

A cadeia de alimentares segue funcionando, mesmo com cortes drásticos nos negócios e restrições em meio ao distanciamento social imposto para conter a disseminação do novo coronavírus. Toda a sua infraestrutura é administrada por trabalhadores que colocam sua saúde em risco todos os dias para garantir que o suprimento de alimentos das cidades continue fluindo sem interrupções.

Na tradicional padaria Basilicata, no Bixiga, os padeiros seguem trabalhando para as fornadas de pães não cessarem, embora a equipe tenha sido reduzida a 50% para poupar os trabalhadores e o faturamento tenha caído 75%. "Não fizemos demissões ou suspensões de salários, nosso compromisso é manter todo mundo", afirma Angelo Lorenti, um dos proprietários. Os padeiros se revezam em dois turnos, às 00h e às 08, para que os filões saiam quentinhos. Pão é alimento essencial, ele diz, não podem faltar.

Doces para a saúde

Do outro lado do Atlântico, os profissionais de saúde do norte de Portugal devem ter o domingo de Páscoa (12) um pouco mais doce.

Duas chocolaterias concorrentes do país se uniram para uma ação inédita: juntas, a Arcádia e a Regina criaram o Pack Solidário de Páscoa, em que reúnem produtos das duas marcas (entre amêndoas caramelizadas e ovinhos de chocolate), e cujos pedidos revertem em kits especiais aos médicos e enfermeiros de hospitais, com castanhas e chocolates.

É a primeira vez que as chocolaterias quase centenárias se reúnem para uma ação em conjunto.

Fornada solidária

A padeira inglesa Michaela Davies, que vive em Norfolk, sabe disso: por décadas ela teve uma padaria na cidade até que foi diagnosticado com câncer de mama e se afastou do negócio. Agora, encontrou uma forma de manter seus dias de quarentena ocupados administrando as fornadas caseiras com cupcakes que faz para agradecer os profissionais de saúde do hospital James Paget na cidade.

Ela começou a ideia quando se curou do câncer e enviou uma leva em agradecimento aos médicos e hospitais que cuidaram dela. Agora, durante a pandemia da Covid-19, já produziu centenas de bolinhos espera enviá-los a todos os principais funcionários que combatem o coronavírus em sua comunidade.

Para não esquecer ninguém, Davies criou uma página no Facebook (Baking a Difference) em que as pessoas podem nomear destinatários para quem desejam que os cupcakes cheguem — sempre trazendo as iniciais de cada profissional e um agradecimento.

Alimento para quem perdeu o emprego

Também já se alastram pelo mundo todo restaurantes e cafeterias que criaram menus gratuitos para médicos e ex-funcionários de restaurantes que perderam seus empregos com a crise que já acarreta o fechamento de muitos negócios. É o caso do Salare, em Seattle, do chef Edouard Jordan.

Numa das cidades mais afetadas pela epidemia do coronavírus nos EUA, o chef fez do seu restaurante um centro de acolhida para trabalhadores de restaurantes demitidos ou que tenham tido uma considerável diminuição de horas de trabalho — e, consequentemente, de salário.

Qualquer pessoa que comprove que trabalhou em um restaurante ou bar pode receber refeições todos os dias da semana e alguns utensílios básicos de higiene e alimentação. Em parceria com a instituição The Restaurant Workers Relief Program e ajuda de empresas privadas, eles servem cerca de 250 refeições diariamente.

"Continuaremos a oferecer esse programa durante todo o período de quarentena ou até não podermos mais apoiar financeiramente o projeto, o que espero que não ocorra", explica Jordan no seu perfil do Instagram.

Pela primeira vez, os clientes ali são pessoas que até alguns meses trabalhavam para servir as outras e agora sentem como é ser cuidado e alimentado à mesa. Algo que a palavra hospitalidade nunca fez tanto sentido em abarcar.