Rafael Tonon

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Dos quilos a mais ao corpo fitness, a obesidade polêmica do Rei Momo

Bastante rechonchudo e sempre tirando sarro de tudo, Momo era o deus do sarcasmo e do delírio, um personagem bastante controverso na Antiguidade clássica.

Tanto que, segundo a mitologia grega, ele acabou expulso do Olimpo, a morada dos deuses, por estar sempre rindo dos outros deuses, fazendo piadas e carregando uma máscara em uma das mãos.

Foi daí que surgiu a inspiração para os reis Momos, personagens que comandam festas animadas, muitas delas envolvendo consumo de bebida e sexo.

Vitral com a figura do Momo, deus do sarcasmo e do delírio
Vitral com a figura do Momo, deus do sarcasmo e do delírio Imagem: Reprodução

Registros históricos dão conta que os primeiros reis Momos que surgiram na história viviam justamente na Grécia, desfilando em orgias dos séculos 5 e 4 a.C. O papel era designado a algum homem corpulento, que pudesse atrair o riso, fosse feliz e muito festeiro.

No caso, a obesidade do personagem era um símbolo de opulência. Longe dos padrões estéticos de hoje, os quilos a mais representavam fartura, grandeza e esplendor. Algo que foi mantido no decorrer do tempo.

No Carnaval brasileiro, a inspiração chegou primeiro ao Rio de Janeiro, quando jornalistas do "Jornal A Noite" decidiram personificar o Rei Momo em desfiles pelas ruas da cidade.

Escolheram o cronista Francisco de Moraes Cardoso para vestir uma roupa que havia do Theatro Municipal, encarnar o personagem e sair pelo Carnaval carioca com o anúncio de que o Rei Momo 1º e Único tinha desembarcado no Brasil.

Cortejo do Rei Momo no Rio de Janeiro
Cortejo do Rei Momo no Rio de Janeiro Imagem: Gamma-Keystone via Getty Images
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Até sua morte, em 1948, Moraes Cardoso manteve seu reinado momesco até dar a abertura para que novos postulantes ao cargo surgissem.

Nascia um símbolo do Carnaval da cidade, que depois ganhou representantes em outras capitais e estados, de Salvador a Santos, passando por outras regiões do Brasil.

Um dos mais conhecidos Momos do carnaval carioca, entretanto, foi Reynaldo de Carvalho, o Bola, que se manteve como representante por nove anos seguidos. Ele chegou a pesar 302 quilos distribuídos em 1,75 metro de altura.

Durante suas hospedagens na capital fluminense para se preparar para o Carnaval, tinha à disposição mordomos, garçons, camareiras e muita, muita comida, como um verdadeiro rei.

Com sua morte em uma clínica de emagrecimento, um alerta se acendeu sobre a apologia à obesidade e os limites dos quilos para ser um Rei Momo.

Houve candidatos que precisavam fazer regime de engorda para atingir os 130 quilos exigidos para disputar o cargo, já que, tradicionalmente, o Rei Momo sempre tinha de ser corpulento, como uma alusão ao personagem que representava.

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Sempre me permiti comer tudo que eu tinha vontade. Doce, fast-food, muita massa, pizza que eu gosto muito. Eu tenho prazer em comer, então para mim ganhar peso sempre foi muito prazeroso
Fábio Rocha Baptista, da Dragões da Real, que assumiu o posto de Rei Momo em 2019

O Rei Momo Fábio Sorriso
O Rei Momo Fábio Sorriso Imagem: Marcelo Martins/Prefeitura de Santos

A exigência de peso caiu primeiro para os 110 quilos até que, em 2004, um decreto do então governador César Maia acabou com a obrigatoriedade dos quilos para ser Rei Momo.

A partir daí surgiram nos Carnavais Reis Momos magros até um "Rei Momo Fitness", como foi apelidado Jonni Almeida que, com 78 kg e 1,98 metro de altura, foi eleito o Rei Momo de Cuiabá em 2016. Coreógrafo e gay, ele quebrava o padrão do personagem.

Algo que passou a incomodar a ala mais tradicionalista do Carnaval, para quem era preciso manter a tradição do Rei Momo mais encorpado, com quilos a mais, como o deus grego.

Hoje, em muitos regulamentos, já não pode mais haver mais Rei Momo magro.

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Kaio Mackenzie, da Mangueira, foi eleito o Rei Momo de 2024 no Rio de Janeiro
Kaio Mackenzie, da Mangueira, foi eleito o Rei Momo de 2024 no Rio de Janeiro Imagem: Riotur

Regulamentos baixaram a exigência de quilos por uma questão de saúde, já que alguns Reis Momos faleceram por conta do peso. De 110 quilos, alguns concursos exigem 90 quilos.

"No Carnaval é importante manter a tradição. Existe uma história, né?", defende o ex-Rei Momo Baptista.

O Rei Momo do carnaval carioca deste ano, Kaio Mackenzie, diz que, historicamente, o Rei Momo precisa ser gordinho, rechonchudo. Mas defende que o Carnaval abrange tudo e todos.

"Então, sinceramente não vejo problemas em ver um Rei Momo magro", diz o também passista da Mangueira.

Desde que, claro, o "cara entenda o ofício de Momo, que é representar o Carnaval em sua abundante alegria, fervor e simpatia", diz ele, sorrindo, com seus 104 quilos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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