Das tripas ao coração: o bizarro livro de receitas de um chef e um médico

Destreza e precisão

Tanto preparar um prato quanto costurar um coração exigem "destreza, precisão técnica, manuseio suave e habilidades de concentração", como explica o cirurgião cardiovascular e torácico Dr. Nirav Patel.

As mesmas características que o chef Fredrik Berselius, do famoso restaurante Aska, em Nova York, teve que desenvolver para ganhar as cobiçadas duas estrelas que o guia Michelin lhe concedeu.

Por isso, pareceu natural — embora bastante curioso, a princípio — que eles se juntassem para criar receitas a convite de um fornecedor global de dispositivos cardiovasculares.

"O desafio mais emocionante deste projeto foi tentar olhar para os alimentos através dos olhos de um cirurgião", diz o chef Berselius. O mesmo desafio que se impôs ao médico Patel, que faz mais de 350 operações cardíacas por ano.

Eu adorei o fato de ter que analisar os pratos passo a passo para ajustar, adaptar e adicionar [ao preparo] ferramentas que os cirurgiões usam

Por ser um livro de receitas muito único — para dizer o mínimo — os utensílios de cozinha que todos temos em casa talvez não sejam suficientes para as instruções que eles dão sobre cada um dos pratos.

Desta maneira, logo no primeiro capítulo, a dupla apresenta as ferramentas necessárias para as nove receitas escolhidas para a seleção — que vão de uma codorna assada com trufa e alho selvagem a uma asa de frango recheada.

Há uma faca de chef daquelas reluzentes, claro, mas também seringa, estilete, alicate e até linha e agulha — algo que tanto cozinheiros como médicos compartilham com as costureiras.

O livro também trata de fazer uma explicação rápida e antecipada das técnicas que são usadas nos pratos, como incisões precisas só alcançadas com um pequeno e afiado canivete ou como a seringa pode ser providencial para injetar algum líquido na carne — como a manteiga de lagostim que vai na cauda cozida do animal.

Impressionam pela beleza as receitas prontas fotografadas entre as páginas: como uma torta de nozes (cujas fatias lembram um cérebro dissecado) com sorvete caramelizado, ou uma rosa feita com pétalas de peixe cru com um molho delicado de groselha verde.

Como se trata de uma experiência única do tipo, o livro traz ainda uma conversa entre os dois sobre o processo, algo que dá um certo charme — e um tanto de proximidade — com o conteúdo ali reproduzido nas páginas.

E mostra que, mesmo sendo um dos cirurgiões mais requisitados de Nova York e um excelente cozinheiro caseiro, como se autodenomina, Patel diz ter sentido dificuldades no processo de cozinhar, incluindo costurar a fina superfície de uma Couve Savoy sem rasgá-la.

O chef Berselius conta que, primeiro, apresentou algumas ideias sobre o que poderíamos cozinhar juntos. "Depois tivemos uma ótima conversa para melhorar as ideias do ponto de vista das habilidades manuais", ele conta.

Interessava aos dois a intersecção de técnicas, principalmente, como o uso das pinças, algo que a gastronomia pegou emprestado da ciência há alguns anos e se tornou um utensílio tão utilizado pelos chefs quanto uma boa panela.

Por isso, claro, não é um livro para amadores: as receitas requerem um alto nível técnico e de aperfeiçoamento com as mãos. Mas vale como exercício para aqueles que querem aprimorar suas capacidades na cozinha.

O doutor Patel, inclusive, diz que acha que o livro pode ser muito útil para seus alunos e futuros cirurgiões treinarem suas capacidades manuais, destreza e foco. Se o jantar sair perfeito, eles podem ter mais chances de sucesso na sala de cirurgia.