Rafael Tonon

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Restaurante que dura 3 noites e custa R$ 10 mil por pessoa marca nova era

Foram 5.250 pessoas que se inscreveram para conseguir uma mesa, mas apenas 160 sortudos garantiram um lugar no final. Isso a custo de 2 mil euros (ou cerca de R$ 10 mil) por pessoa.

No final de semana passado, aquele que é considerado o mais influente restaurante do século voltou a ter algumas de suas receitas servidas depois de 12 anos de seu fechamento. Mesmo que por apenas três noites.

Ferran Adrià, à esquerda, no restaurante temporário com vagas disputadas
Ferran Adrià, à esquerda, no restaurante temporário com vagas disputadas Imagem: Divulgação

Fundado em 1964, o El Bulli se transformou no epicentro da gastronomia na virada do século quando o chef catalão Ferran Adrià assumiu o comando do pequeno espaço em uma praia de Rozes, na Catalunha, e o transformou no mais inovador restaurante que a história moderna conheceu.

Em mais de uma década no qual permaneceu fechado, sempre houve apostas e a esperança de que as receitas feitas com arrojadas técnicas emprestadas até da indústria alimentar — como esferificações, espumas etc. — pudessem voltar a ser servidas.

E foram: Ferran se alinhou a seu irmão Albert (um dos mais importantes cozinheiros da história do El Bulli) e o jovem chef Rasmus Munk para uma reaparição relâmpago de seu projeto inovador no restaurante mantido pelo último em Copenhagem.

Foram pouco mais de 10 receitas originais servidas em um jantar que contou com 52 delas, a contar com pratos criados pelos já citados chefs envolvidos — mas todas elas com inspiração no universo do El Bulli.

Na entrada, referência à 'volta' do El Bulli
Na entrada, referência à 'volta' do El Bulli Imagem: Divulgação

As cerca de 50 pessoas por dia que se reuniram no ultramoderno salão do Alchemist, um restaurante com impressionantes 2,2 mil metros quadrados localizado no bairro industrial de Refshaleøen, pareciam estar muito satisfeitas com os milhares de reais que gastaram para estar ali.

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Era uma oportunidade inédita — e talvez única, quem sabe — de (voltar a) provar os pratos que fizeram fama ao legado de Adrià e o colocaram no pedestal da criatividade e da inovação culinária.

O caráter de exclusividade, claro, ajuda. E é o que tem levado mais chefs e restaurantes a apostarem nesse modelo mais, digamos, efêmero, que passou a ser chamado de "pop-up" e passou a dominar a cena da gastronomia mundial recentemente.

O preço foi salgado, mas teve doces: caixa especial com sobremesas
O preço foi salgado, mas teve doces: caixa especial com sobremesas Imagem: Divulgação

Em 2023, o Noma, também baseado na Dinamarca e eleito por quatro vezes o melhor restaurante, fez algo parecido. Fechou as portas do seu arrojado e premiado espaço na capital do país e se mudou, com toda a equipe, para Quioto, no Japão.

O anúncio da temporada nipônica de três meses causou uma corrida aos lugares disponíveis: em poucos dias as mesas todas foram vendidas, como numa turnê de um artista que decide fazer uma temporada especial.

Basicamente, é quase a mesma coisa: chefs, tal como cantores, apostam no hype e na repercussão dos dias de apresentação para garantir um frenesi em torno do evento e, assim, garantir toda a venda.

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Mas ao contrário de uma turnê, que tradicionalmente tem dia para começar e acabar, um restaurante, a princípio, é um espaço permanente, que se pode visitar a qualquer dia de abertura. Ao criar pop-ups, eles fazem do perene um bom negócio.

Preparação dos pratos no restaurante pop-up: cada vez mais os grandes chefs têm optado por este formato
Preparação dos pratos no restaurante pop-up: cada vez mais os grandes chefs têm optado por este formato Imagem: Divulgação

É claro que os pop-ups não são uma ideia de todo inovadora — há muito eles acontecem na gastronomia. Mas, neste momento, eles nos ajudam a refletir sobre o zeitgeist culinário atual.

Não se tratam apenas de noites efêmeras repletas de boa comida e vinhos, mas de uma reimaginação coletiva da experiência de jantar fora.

Desde a pandemia, com muitos restaurantes fechados, profissionais do setor se viram sem trabalho — e, muitas vezes, sem dinheiro para investir em seus próprios negócios. Criar um "projeto cigano" poderia ser uma forma de testar conceitos antes mesmo de se propor a fazer empréstimos no banco.

Um dos pratos do jantar que reuniu três dos maiores chefs do mundo
Um dos pratos do jantar que reuniu três dos maiores chefs do mundo Imagem: Divulgação
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"Janeiro de 2024 viu este tipo de desenvolvimento decolar em cidades de todo o Reino Unido. A natureza de curto prazo de um restaurante pop-up significa que o risco de fracasso é reduzido", diz Lee Jones, consultor financeiro da consultoria inglesa PDQ Funding, e completa:

Os empreendedores que abrem um pop-up nem sempre têm a intenção de transformá-lo em um elemento permanente.Por isso podem ser projetos temporários, que garantem algum rendimento por um tempo

Ou, mais ainda, de viver uma vida mais saudável em um segmento tão duro muitas vezes. Pontos de pressão comuns na indústria de serviços — salários baixos, muito trabalho físico, abusos frequentes — passaram a ser vistos como inaceitáveis para muitos.

E ter um projeto que não exija tanta gente ou grande estrutura pode ser um caminho interessante para seguir: contratos temporários, menos desgaste de trabalho e equipes, busca por conceitos mais significativos.

O formato pop-up foi a chance de 'reencontrar' a ousadia do El Bulli
O formato pop-up foi a chance de 'reencontrar' a ousadia do El Bulli Imagem: Divulgação

Os pop-up devem se tornar mais comuns por essas razões mas também pelo fato de que, com a ascensão das experiências exclusivas, os consumidores querem consumir coisas efêmeras, que tenham o sentido de um bilhete dourado que conseguiram conquistar.

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Para isso, vale fazer eventos culinários em lugares remotos, parcerias com todos os tipos de chefs ou até trazer de volta — por algumas noites de puro hedonismo — a história do restaurante que mudou os rumos da gastronomia mundial. A qualquer custo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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