Rafael Tonon

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Reportagem

2024, o ano em que teremos (pelo menos uma) infecção alimentar

Para quem sobreviveu bem às ceias de final de ano, pensar em comida pode nem revirar o estômago. Mas vai ser difícil passar um 2024 ileso sem a perspectiva de (pelo menos) uma intoxicação alimentar a nos mandar para a cama.

Não quero ser o mensageiro de más notícias para ninguém, mas é uma questão de probabilidades: a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, a cada ano, cerca de 600 mil pessoas morrem de intoxicação alimentar.

No Brasil, no período de 2007 a 2020, foram notificados, por ano, uma média de 662 surtos de doenças do gênero.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, um dos mais avançados do mundo, tem estimativas ainda mais preocupantes: são 48 milhões de casos de doenças transmitidas por alimentos no país anualmente.

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Imagem: Getty Images

A questão é que o nosso planeta está passando por tantas mudanças drásticas que as chances de contaminação por aquilo que comemos tende a aumentar ainda mais.

As alterações climáticas, os danos nos recifes de coral, a expansão do comércio internacional e do turismo e a propagação da proliferação de algas tóxicas estão contribuindo para tornar esse risco ainda mais crescente.

Todas as vezes que alguém consome alimentos contaminados por microrganismos, como fungos e bactérias, é provável que o efeito seja de náuseas, vômitos e diarreias.

Em alguns casos, podem resultar em problemas mais sérios, como gangrena, gastroenterites, apendicite, febre tifoide e colite hemorrágica. Nos mais extremos, as intoxicações podem levar à morte.

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Não é só na maionese do buffet do restaurante por quilo ou o molho de tomate da barraca de cachorro quente que mora o perigo: alimentos ditos "saudáveis" podem ser fonte de contaminação.

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Imagem: Getty Images

É algo que nem sempre pensamos quando vamos ao mercado comprar hortaliças, frutas pré-cortadas, uma bandeja de peito de frango. No entanto, todos estes alimentos — e, perturbadoramente, cada vez mais — podem transportar contaminantes.

A questão climática, por exemplo, é o tema mais importante para termos como alerta: temperatura, precipitação e umidade são fatores importantes que podem influenciar a propagação, reprodução e sobrevivência de patógenos.

As alterações climáticas afetam estas condicionantes, resultando em temperaturas mais elevadas do ar e da água, aumento da precipitação ou escassez de água. Portanto, elas têm um impacto crescente em muitas doenças infecciosas.

Bactérias do gênero Salmonella (a espécie de maior relevância para a saúde pública é a Salmonella enterica) e da família Enterobacteriaceae, grande grupo que engloba mais de 30 gêneros, são sensíveis a essas alterações.

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Imagem: Getty Images

As mudanças nos níveis dos oceanos e a acelerada acidificação das águas também são potencializadores das biotoxinas marinhas, que aumentam a contaminação de peixes e frutos do mar, por exemplo, algo que as pessoas nem sempre levam em conta.

"O envenenamento pela ingestão de toxinas marinhas é um perigo pouco reconhecido pelos viajantes, especialmente nos trópicos e subtrópicos", diz um estudo do CDC americano com projeções para 2024.

Quando pede um camarão na praia ou uma ostra para tomar com um espumante nas férias, pouca gente pensa nisso: e acaba voltando para casa com mais que algumas boas memórias.

Cartaz da série "Contaminação: A Verdade Sobre o que Comenos", da Netflix
Cartaz da série "Contaminação: A Verdade Sobre o que Comenos", da Netflix Imagem: Reprodução

Recém-lançado pela Netflix, o documentário "Contaminação: A Verdade Sobre o que Comemos" tenta jogar um pouco mais de luz sobre o tema. Baseado no livro homônimo do célebre jornalista narrativo Jeff Benedict, a produção traz à tona questões que permanecem na periferia da nossa consciência.

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Desde o princípio, e com entrevistas contundentes, o filme apresenta verdades inconvenientes sobre os perigos inerentes ao que comemos e a negligência dos responsáveis pela regulamentação — que preza mais pelo lucro das empresas de alimentos do que com a saúde das pessoas.

Envenenados começa com a história de um famoso surto de E. coli que matou quatro crianças que comeram hambúrgueres da rede de fast food Jack in the Box no começo dos anos 1990 nos EUA.

E apresenta como o caso, que chocou o país, foi determinante para a criação de uma regulamentação histórica que melhorou a segurança do fast food. Mas o filme faz um apelo de que grande parte da indústria alimentar ficou terrivelmente para trás.

Imagem de divulgação da série da Netflix
Imagem de divulgação da série da Netflix Imagem: Reprodução

Isso coloca novas perspectivas sobre aquilo que ingerimos — e quão danosos podem ser os alimentos que compramos. Os hambúrgueres do shopping são mais seguros que os camarões, que tendem a representar mais segurança do que as ostras, geralmente consumidas cruas.

Um surto recente no final do ano, por exemplo, obrigou o governo francês a proibir o consumo das famosas ostras Arcachon nas ceias pela possibilidade de contaminação de novovírus.

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Mas, longe dos mares, os alimentos que mais representam perigo são aqueles aos quais nem sempre prestamos atenção ou desconfiamos. E que estão mais próximos de nós, na geladeira.

Alfaces e folhas verdes em geral, aves refrigeradas, melões, queijos e embutidos e carne moída são os alimentos mais preocupantes, de acordo com o portal Consumer Reports.

"Principalmente aquilo que compramos dentro de embalagens plásticas", diz o especialista em segurança alimentar Ben Chapman entrevistado no documentário; e completa:

Uma vez seca, a salmonella pode sobreviver na superfície por meses"

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Para investigar os alimentos mais frequentemente associados a doenças, profissionais em segurança alimentar analisaram recolhas de alimentos e surtos de doenças transmitidas por alimentos de 2017 a 2022 — analisando dados do CDC, da Food and Drug Administration e do Departamento de Agricultura.

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Os especialistas se concentraram em alimentos amplamente consumidos que foram recolhidos devido à contaminação bacteriana — os processos de recall têm-se tornado mais comuns.

Alguns dos alimentos que chegaram ao topo da análise da CR — como saladas ensacadas, produtos de aves e frios — podem parecer mais óbvios. Mas o estudo mostra outros campeões de intoxicação, como cebolas, pêssegos e até farinha.

"Não estamos a dizer que as pessoas precisam de evitar totalmente estes alimentos", afirma Brian Ronholm, diretor de política alimentar da CR, que liderou a análise; e completa:

Afinal, todos esses alimentos são geralmente seguros e muitos deles são, na verdade, partes importantes de uma dieta saudável

A pesquisa, ele diz, é mais uma forma de criar consciência — para que as pessoas possam comprar esses alimentos com mais cuidado, seguindo as melhores práticas de segurança alimentar — e saber rastrear e reportar quando algo acontece.

Todo o cuidado é pouco: conhecer a origem e manipular bem os alimentos (por exemplo, descartar os plásticos logo ao chegar em casa e cozinhar as coisas o mais rápido possível) são boas precauções.

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Ou formas de escapar a uma estimativa cada vez mais estreita para todos nós: passar os próximos 363 dias livre de intoxicação alimentares. Está aí uma boa resolução de ano novo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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