Quer comer no melhor restaurante do mundo? Saiba o que esperar do Disfrutar
Eu nunca pedi a ninguém em casamento na mesa de um restaurante. Mas, em janeiro passado, acabei um jantar com uma aliança no dedo depois de proferir um sonoro "sim!" quando me propuseram um compromisso que fosse "além do casual".
O acordo foi celebrado no Disfrutar, o restaurante espanhol que na madrugada desta quinta (6) levou o prêmio de Melhor do Mundo na edição 2024 do World's 50 Best Awards, em Las Vegas (que teve dois brasileiros no ranking).
Comandado por um trio de chefs que emergiram do El Bulli — aquele que é considerado o mais influente restaurante do mundo das últimas décadas —, o Disfrutar requer um pacto diferente de seus comensais, como no caso do anel de chocolate que chega como uma das sobremesas e que "celebra" a relação entre cliente-restaurante.
Não há regras
A única regra, ali, é que não existem regras. O menu criado por Oriol Castro, Eduard Xatruch e Mateu Casañas é cheio de surpresas do começo ao fim, iniciando pelo próprio cardápio que já traz algumas pistas do que vem a seguir.
Ao invés de uma listagem de pratos ou ingredientes, há apenas uma pergunta ("O que há por trás da comida?") e muitas palavras — como "criatividade", "recordações", "sensações", "sabor" — que formam uma esfera.
Desde o princípio, nada é convencional. O garçom pergunta se o cliente aceita água sem ou com gás. Se a resposta for a segunda, o que chega à mesa são tipos de águas com borbulhas saborizadas na casa com toques que vão do café ao lulo (a ácida fruta popular na Colômbia).
Tudo pela experiência - do cliente
O Disfrutar é um dos restaurantes mais experimentais do mundo e tem um objetivo claro: criar comida que surpreende e encanta na mesma medida. Para isso, os chefs utilizam técnicas modernas que desenvolvem em seus laboratórios-cozinhas, brincam com texturas, formas e sabores, desafiam preconceitos.
Em 10 anos de trajetória — e é uma feliz coincidência que o restaurante receba o reconhecimento no ano em que celebra uma década —, eles criaram pratos que mudaram os rumos da gastronomia, como um donut frito recheado de caviar (cru), um carbonara com a pasta transparente e muitas versões de saladas líquidas.
Foram também os responsáveis por trazer para a mesa bolhas sólidas, todos os tipos de esferificações e, mais recentemente, até mesmo uma maneira de torná-la "viva".
De forma literal, a mesa se transforma: coberta com uma toalha que é depois retirada, ela possui muitas tampas que são abertas à medida que o jantar segue.
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Quero receberAos poucos, vão se revelando pratos escondidos, nichos que viram suporte para pequenas árvores com frutos comestíveis ou petit fours que surgem de nuvens de fumaça para acompanhar o momento do café.
Apenas para seis sortudos e reservada com antecedência em um espaço na adega, a experiência de jantar ali custa cerca de R$ 3 mil por pessoa — sem bebidas.
Quase uma galeria de arte
O próprio restaurante, com três estrelas Michelin e localizado no bairro de Eixample, em Barcelona, tem cara e jeito de galeria de arte, com tetos abobadados e vidros ao longo de um dos lados das paredes com cobogós.
Ao entrar, o cliente precisa passar pela cozinha aberta antes de sentar-se à mesa. Ali, um formigueiro de cozinheiros se reveza para finalizar os cerca de 30 pratos (ou etapas) que são servidos por refeição.
O ambiente, acabado com cerâmica e ferro, lembra um terraço mediterrâneo que poderia estar na Espanha mas também em alguma cidade no litoral da França ou numa Medina marroquina.
Menus inusitados
O cardápio do Disfrutar muda algumas vezes por ano, de olho na sazonalidade dos produtos e a partir das ideias que surgem na mente dos chefs e suas equipes de criatividade.
Pode haver pães etéreos que desmancham na boca com cobertura de um delicado creme com trufas, gemas crocantes cobertas por folhas de ouro, uma pulseira de pérolas de lichia com coco que pode — e deve — ser comida.
Um dos pratos do menu atual, por exemplo, desafia o comensal a pôr a mão em uma piscina de gelo seco sem saber o que há ali e pescar às cegas um camarão perfeitamente cozido.
Há dois menus-degustação (ambos a cerca de R$ 1.600), o Clássico, com pratos já conhecidos do restaurante e o Festival, que apresenta as últimas criações a partir do que desenvolvem continuamente.
Ultrapassando limites
Castro, Xatruch e Casañas se conheceram trabalhando no restaurante El Bulli (restaurante que foi eleito o melhor do mundo por 5 vezes) entre 1996 e 1998 e, depois que o lendário restaurante fechou em 2011, eles uniram forças para desenvolver sua criatividade e ultrapassar os cânones da gastronomia.
No Disfrutar, levam tudo ao limite: criaram sua própria linha de bebidas alcoólicas de baixa gradação feitas a partir de ingredientes como cogumelos e wasabi e uma vodca infusionada com trufa. Produzem a água, as louças, os talheres.
Criam pratos que chegam à mesa para confundir nossa mente, como um bocado que vem em uma caixa de ferro e vidro: ao tentar agarrar com as mãos, o cliente conclui que o que vê é apenas um reflexo em uma ilusão de ótica. Para prová-lo, de fato, é preciso abrir a caixa.
Outro chega à mesa com uma lupa que permite ver um minúsculo homem caminhando pela paisagem do prato, numa inversão de perspectivas — e um questionamento do nosso tamanho.
Algumas das receitas derretem na boca enquanto outras são servidas com borbulhas feitas a partir de uma mangueira que cria uma espuma em um vidro cilíndrico daqueles de laboratório das aulas de química.
Todos os elementos são usados para surpreender e, se tudo der certo, satisfazer o cliente, que se alterna entre sobressaltos, assombros e alegrias.
Sentar... e desfrutar
Não à toa, o restaurante tem o assertivo nome de Disfrutar (a grafia é em espanhol, claro), deixando claro que tudo ali converte para uma saborosa experiência em que a missão principal é passar boas horas e se divertir, acima de tudo.
Um compromisso que o cliente precisa estar disposto a assumir quando decide gastar algumas centenas de reais para comer ali.
E que é simbolicamente selado ao final do jantar, quando chegam as sobremesas, acompanhados de uma bandeja com as argolas de chocolate que são colocadas em torno dos dedos anulares dos presentes num gesto de pacto.
A minha era feita de chocolate branco com amêndoas banhadas com uma tinta comestível dourada, que eu honrei degustando com o café colombiano que me foi servido logo depois, desfrutando de quatro horas de puro arrebatamento.
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