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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Tragédia ou golpe? O misterioso caso do médico que desapareceu no mar de NY

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

05/01/2023 04h00

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Quase três meses após desaparecer no mar, supostamente ao retornar de uma pescaria, uma pergunta ainda martela a cabeça dos nova-iorquinos: o que aconteceu com o médico Marvin Moy, dono de uma famosa clínica na cidade?

Teria ele morrido, como tudo indica, ou aplicado um sensacional golpe de fuga, a fim de escapar dos problemas que vinha enfrentando com a justiça?

Quase três meses depois — e uma investigação ainda em andamento —, ninguém sabe responder.

Apenas uma testemunha

O que se sabe é que a última vez que Marvin Moy foi visto foi na manhã do dia 12 de outubro último, quando partiu com seu barco, uma lancha chamada Sure Shot ("Tiro Certo", em português), de uma marina em Long Island, ilha vizinha à Nova York, para dois dias de pescarias em alto mar, na companhia apenas de um amigo, o enfermeiro Max Wong.

Depois disso, só mesmo o que a Guarda Costeira encontrou boiando no mar naquela noite, após atender a um pedido de socorro emitido por um equipamento automático que havia no barco do médico: uma mancha de óleo, alguns objetos flutuando e o enfermeiro Wong, levemente ferido, agarrado a uma balsa salva-vidas.

Do médico Marvin Moy, nenhum sinal, nem seu corpo foi encontrado - embora o companheiro dele no barco tenha garantido que o viu agarrado a uma boia, perguntando se estava bem, antes de desaparecer na escuridão do mar.

O que aconteceu?

Ninguém sabe ou pode garantir ao certo - até porque a investigação que está sendo conduzida pela Guarda Costeira americana ainda não foi concluída.

Mas o enfermeiro que acompanhava o médico na pescaria garante que a lancha da dupla foi atropelada por um navio e afundou em seguida - e só ele teve a sorte de sobreviver ao acidente.

No entanto, nenhum registro de incidente envolvendo navios na região foi reportado naquela noite, embora, muitas vezes, atropelamentos desse tipo nem sejam percebidos pelas tripulações dos grandes navios.

"A última palavra que ouvi dele foi 'Max, você está bem?'", disse o único sobrevivente, ao ser resgatado.

Mas, talvez, pode não ter sido bem assim. E é isso que a justiça suspeita.

Envolvido em problemas

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Imagem: Facebook/Reprdução

Filho de um imigrante chinês que cresceu ajudando a família em um pequeno restaurante em Chinatown, Marvin Moy tornou-se um bem-sucedido médico de Manhattan, dono de uma rentável clínica de tratamento da dor, quando começaram os seus problemas.

Em 2009, aos 38 anos de idade, foi diagnosticado com câncer no pâncreas e a cirurgia para retirada do tumor o tornou diabético.

Anos depois, sua esposa pediu divórcio e a separação - litigiosa - rendeu um processo que se arrasta há cinco anos na justiça, com pesadas dívidas do médico até com os escritórios de advocacia que o defendiam.

Moy também saiu de casa e passou a morar sozinho, afastado do convívio com a única filha.

Poderia ser preso

Mas o pior de tudo - e, para muitos, motivo mais que suficiente para que o médico bolasse um mirabolante plano de desaparecimento - foi que, em janeiro do ano passado, juntamente com outros médicos, Moy foi indiciado por um tribunal federal por fraude contra o sistema de seguro saúde americano, acusado de subornar socorristas e funcionários de hospitais de Nova York para que direcionassem para sua clínica vítimas de acidentes de trânsito na cidade, a fim de realizarem exames e procedimentos totalmente desnecessários - um golpe que, segundo a justiça americana, rendeu cerca de 100 milhões de dólares aos médicos envolvidos.

Assim sendo, preventivamente, até que o caso fosse julgado, Marvin Moy ficou proibido de exercer a medicina.

Além disso, havia o risco - real - de ele ser preso, condenado há muitos anos de cadeia.

Tudo isso teria deixado o médico profundamente deprimido.

O mar como escapatória

Segundo amigos, a única válvula de escape do médico para o estresse permanente que vinha vivendo eram as pescarias em alto mar, que fazia costumeiramente com sua lancha.

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Imagem: Facebook/Reprodução

Mas, como costumava ir longe - e a diabetes sugava rapidamente suas energias, exigindo algum repouso, de tempos em tempos -, Moy jamais saia para pescar sozinho, e sempre convidava amigos para ir junto.

Na pescaria do último dia 12 de outubro, o convidado foi o enfermeiro Wong, única pessoa que estava com ele no barco.

E, também, o único a sobreviver ao suposto acidente.

Ou não...

Três argumentos

"Pode ser que o Dr. Moy tenha falecido, mas como seu corpo não foi encontrado, fica em aberto a possibilidade de que ele esteja apenas se ausentando voluntariamente do processo", sentenciou o juiz encarregado de julgar o caso de fraude contra o sistema de saúde, cuja nova audiência aconteceria na semana subsequente ao desaparecimento do médico, como noticiou o jornal The New York Times.

Assim sendo, o juiz emitiu um mandado de prisão contra Moy, mesmo não se sabendo se ele está vivo ou morto.

E fez isso baseado em três argumentos:

  1. A possibilidade de o médico estar vivo e escondido, após ter simulado a própria morte, como forma de escapar de todos os seus problemas - ou de sequer estar a bordo do barco no instante do "acidente".
  2. A afirmação da Guarda Costeira americana de que ele não pode ser dado como morto até a conclusão do inquérito que investiga o caso.
  3. Os depoimentos nada conclusivos do sobrevivente Wong sobre o que, de fato, aconteceu naquela noite.

Outra possibilidade

A suspeita da justiça é que Marvin Moy tenha usado o barco para fugir, e, com a cumplicidade do amigo, habilmente encenado um acidente fatal só para ele — um plano que, quase três meses depois, ainda não pode ser negado nem comprovado.

Existe, porém, outra tese ainda mais surpreendente para a morte do médico - que, neste caso, teria ocorrido de fato: a de que o sobrevivente Wong poderia ter causado, involuntariamente, o acidente que vitimou Moy, e, por isso, estaria se esquivando tanto nos depoimentos.

Acidente ou imprudência?

Por esta teoria, defendida particularmente pelos amigos do médico desaparecido, o enfermeiro Wong teria ficado responsável por conduzir a lancha naquela noite, enquanto Moy descansava na cabine, por conta da fraqueza gerada pela diabete.

Mas, cansado da pescaria, ele teria adormecido, como de fato admitiu no seu depoimento à Guarda Costeira, mas com a ressalva de que era o amigo que estava no comando do barco - razão pela qual não poderia dar mais detalhes sobre a eventual colisão com o navio, pois estava dormindo.

"Só acordei com o impacto, quando fui arremessado na água", disse o sobrevivente no seu depoimento, que também ainda é visto com suspeitas.

Neste caso, em vez de forjar a própria morte, a fim de escapar da justiça, Moy teria sido vítima da imprudência do amigo - que, receoso de ser punido (e sem ninguém para testemunhar contra ele), estaria mentido sobre as circunstâncias do acidente.

Se é que houve um acidente...

O culpado seria o amigo?

"Não faz sentido que alguém que estivesse no comando da lancha não percebesse a aproximação de um navio, já que eles nem sempre detectam pequenos barcos em seus radares", diz um amigo navegador do médico desaparecido.

"A menos que quem estivesse pilotando a lancha estivesse cochilando", resume.

Ninguém sabe

Durante dois dias, a Guarda Costeira procurou por Marvin Moy no mar.

Como não encontrou nada, as buscas foram suspensas e teve início o inquérito, que, no entanto, não tem data para terminar.

Até que isso aconteça (ou mesmo após a conclusão do inquérito, já que nem sempre as investigações de casos ocorridos no mar conseguem comprovar o que de fato ocorreu) permanecerá a dúvida:

Golpe ou tragédia? O que aconteceu com o médico que sumiu no mar?

Até hoje, quase três meses depois, ninguém sabe afirmar.

Outro caso ainda mais famoso

Não é a primeira vez que o desaparecimento de uma pessoa no mar desperta suspeitas de manobra intencional, a fim de forjar a própria morte e assim escapar de problemas acumulados.

A história registra inúmeros casos, quase todos nunca comprovados, até porque o mar costuma ocultar seus cadáveres - e, com isso, fomentar ainda mais as especulações.
Um dos casos mais famosos do gênero foi o do ex-namorado da atriz e cantora Olivia Newton-John, Patrick McDermott, que saiu para pescar no mar da Califórnia, em 29 de junho de 2005, e nunca mais voltou.

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Imagem: Steve Granitz/WireImage

Como McDermott estava às voltas com pesadas dívidas - e seu corpo jamais foi encontrado -, surgiram inúmeras teses sobre o seu sumiço intencional.

A mais frequente a de que ele estaria vivendo até hoje, sob nome falso, em uma vila à beira-mar na costa do México, teoria que se tornou uma das mais famosas lendas urbanas de Hollywood — e que pode ser conferida clicando aqui.