Histórias do Mar

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Reportagem

Navegando de pijama: jovem deu volta ao mundo sozinha, feliz da vida

Nas primeiras horas da manhã de hoje, véspera do Dia Internacional da Mulher, a velejadora americana Cole Brauer, de 29 anos, se tornou a primeira mulher dos Estados Unidos a dar a volta ao mundo conduzindo sozinha um barco à vela, sem parar em alugar algum — uma odisseia que durou mais de quatro meses, navegando sem parar e sem ninguém para ajudar.

Mas isso não foi tão significativo (outras mulheres, de outros países, já fizeram esta mesma travessia) quanto o que a sua viagem representou — especialmente para as mulheres —, pela forma simples, humana e bem longe dos estereótipos de superatletas em busca de recordes ou façanhas históricas, como ela conduziu sua longa jornada em solitário no mar, acompanhada por uma legião de seguidores nas redes sociais.

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Imagem: Arquivo pessoal

"Não sou nenhuma super-heroína", disse Cole Brauer, antes de partir.

Mas o fato de ser mulher não me torna menos apta a fazer o que um homem faz

O que ela fez?

Cole Bauer deu a volta ao mundo navegando sozinha com veleiro de 12 metros de comprimento, sem parar em lugar algum, durante exatos 130 dias.

Ela partiu do porto de La Corunã, na Espanha, em 29 de outubro do ano passado, e retornou ao mesmo local na manhã de hoje, sem tirar os pés do seu barco.

Por que ela fez isso?

Cole Bauer participou de uma corrida de veleiros, chamada Global Solo Challenge, na qual todos os competidores (largaram 15, sendo 14 deles homens) navegam sozinhos e não podem desembarcar nem receber ajuda externa.

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Imagem: Arquivo pessoal

Ela era a única mulher — além de ser a mais jovem competidora da prova.

E terminou em segundo lugar, nove dias à frente do terceiro colocado — que ainda está no meio do Atlântico, longe da linha de chegada.

Por onde ela passou?

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Imagem: Arquivo pessoal

O roteiro da competição era o mesmo para todos os competidores e os obrigava a contornar todo o globo terrestre pelo extremo sul do planeta, contornando os três principais cabos da Terra: Cabo da Boa Esperança, na ponta de África, Cabo Llewin, na Austrália, e Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul — um roteiro dificílimo, duro e gelado, na maior parte do tempo beirando a Antártica, pelos violentos mares austrais.

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Imagem: Arquivo pessoal

O que ela levou no barco?

Para se proteger do frio congelante, Cole Brauer levou, além de roupas e equipamento especiais para velejadores, prosaicos pijamas de flanela, meias coloridas e cobertores de lã "bem quentinhos", como contou — e mostrou — nas redes sociais, durante a jornada.

"Navegar sozinha me dá a total liberdade de ser eu mesma, o tempo todo", escreveu em um dos posts.

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Imagem: Reprodução Instagram
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Como ela passava os dias?

Além de cuidar da navegação, ajustar regularmente as velas e fazer a manutenção diária e intensa do barco (já que dependia dele para sobreviver), Cole Brauer também se divertia, já que estava fazendo o que mais gosta: velejar.

Nos intervalos das funções, ela lia, ouvia músicas, dançava sozinha, trocava mensagens com amigos, postava nas redes sociais, se exercitava um pouco, e assistia filmes na Netflix, comendo pipoca, graças à internet via satélite.

Ou seja, fazia tudo o que uma jovem da sua idade costuma fazer, ainda que no meio do mar, a centenas de quilômetros da terra firme mais próxima. E sozinha, dentro de um barco. Mas feliz, justamente por estar ali.

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Sem essas coisas, eu ficaria com saudades de casa

Não teve medo?

Apesar da pouca idade, Cole Brauer é uma velejadora experiente, que navega desde pequena.

E sempre soube lidar com imprevistos, como a quebra de equipamentos no barco, ou a aproximação de tempestades no mar.

"Como qualquer pessoa, tenho meus receios, mas aprendi a lidar com eles", diz.

Já os sustos fazem partem de qualquer volta ao mundo. E eu tive os meus

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Qual foi o pior momento?

Em dezembro, quando navegava bem próximo ao mar antártico, o barco de Cole Brauer, batizado por ela de First Light ("Primeira Luz", em referência ao prazer que sente em ver o sol nascer no mar), foi colhido repentinamente por uma onda de tamanho anormal — as chamadas "ondas loucas", que aparecem do nada, em meio às ondulações habituais.

Cole, que estava sentada na cabine, costurando algumas velas que haviam rasgado, foi arremessada (não existe outro termo mais adequado) de encontro a parede do outro lado do barco, bem como tudo o que estava dentro dele — dê o play e veja o vídeo impressionante.

Ela feriu as costelas e ficou com uma série de hematomas pelo corpo, por muito tempo.

Foi quase tão tuim quanto o dia em que o seu barco quase virou, chegando a a ficar na vertical em relação ao mar, por causa da quebra do piloto automático — que ela mesmo consertou.

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Mas, nas duas ocasiões, nem de longe pensou em desistir da competição, como já fizeram, por diferentes motivos, metade dos velejadores (todos homens) da Global Solo Challenge.

Como ela suportou tanto tempo sozinha no mar?

Dar a volta ao mundo velejando em solitário, sem escalas, é algo desafiador e fisicamente exaustivo — porque não há outra pessoa para ajudar a conduzir o barco, 24 horas por dia, sem parar.

Mas o maior desafio costuma ser o equilíbrio mental, de passar tantos dias sem ter com quem conversar.

Cole Brauer, que é expansiva por natureza, contornou isso com facilidade, graças às redes sociais, postando vídeos e comentários sobre sua descontraída rotina a bordo.

"Tem sido difícil, mas, ao mesmo tempo, divertido", escreveu, em um dos posts que fez, onde aparece dançando na cabine do barco, com fones no ouvido.

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Como ela virou estrela na internet?

Antes de partir, Cole Brauer espalhou câmeras pelo seu veleiro, para ser monitorada pela equipe que a apoiava em terra firme, mas, também, para registrar o seu dia a dia, nem sempre glorioso a bordo.

Como no vídeo em que aparece lavando suas calcinhas com um balde, e as colocando para secar em um improvisado varal no convés.

Coisas assim, aliadas à autenticidade da sempre risonha jovem americana, resultaram em uma total empatia entre ela e seus seguidores nas redes sociais, que, desde o começo da sua jornada de volta ao mundo, não pararam de crescer, duplicar e quadruplicar.

Hoje, Cole Brauer, que ao zarpar para a competição, tinha menos de 10.000 mil seguidores no Instagram, já soma quase meio milhão deles.

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"É um fenômeno espontâneo, vindo do poder que a Cole tem de encantar as pessoas, desmistificando as coisas impressionantes que ela é capaz de fazer", diz uma amiga, que acompanhou de perto, via internet, toda a jornada de Cole Brauer ao redor do planeta, pelo mar.

Não foi difícil demais?

Cole Brauer sempre defendeu a tese de que "tudo o que um homem faz, uma mulher também pode fazer".

E acaba de comprovar isso mais uma vez, ao completar sua volta ao mundo em solitário, com um barco.

Não há nada que me estimule mais do que alguém dizer que não sou capaz

Dois anos atrás, ela tentou fazer parte de uma equipe de velejadores que participaria da mais famosa competição de volta ao mundo a vela do planeta, a Ocean Race. Mas foi recusada, porque, na avaliação do chefe da equipe, por ter apenas 50 quilos e pouco mais de 1m60 de altura, "era frágil demais para enfrentar o mar antártico".

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Pois, Cole Brauer não só passou também por lá na competição que acaba de finalizar — e em segundo lugar —, como fez isso sem a ajuda de homem algum.

"Está mais do que na hora de deixar a cultura machista dominante no passado para sempre. Em todos os setores", diz ela, com o aval de quem acaba de fazer o que poucos homens já conseguiram realizar.

Com unhas pintadas e pijamas coloridos, Cole Brauer acaba de desmistificar de vez a imagem que sempre se teve dos velhos marinheiros.

Foi a primeira mulher a fazer esta travessia?

Não. Antes de Cole Brauer, várias outras mulheres já haviam realizado travessias de volta ao mundo navegando sozinhas.

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Uma delas, a holandesa Laura Dekker, chegou a fazer isso quando tinha apenas 14 anos de idade, o que gerou, inclusive, uma tentativa do governo holandês de impedir que ela partisse — clique aqui para ler esta interessante história.

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Imagem: Reprodução

Mas o que torna a jornada de Cole Brauer memorável é que a sua espontaneidade e simplicidade ao narrar como conseguiu isso - além de um jeito cativante de conquistar novos fãs.

Em vez de posar como heroína dos mares, Cole Brauer prefere ser apenas o que é: uma jovem mulher, lutando pela igualdade de gêneros.

E nada mais adequado do que completar sua impressionante jornada às vésperas do Dia Internacional da Mulher.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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