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Surfistas criam movimento e viram referência na remoção de óleo na Bahia

Grupo de surfistas se mobiliza e lidera trabalho voluntário em limpeza de praias da Bahia - Mateus Morbeck/Guardiões do Litoral
Grupo de surfistas se mobiliza e lidera trabalho voluntário em limpeza de praias da Bahia Imagem: Mateus Morbeck/Guardiões do Litoral

Thiago Tassi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/10/2019 12h00

Entre o desespero de ver a costa ser tomada pelo óleo que atinge o Nordeste do Brasil há quase dois meses e a incerteza sobre a possibilidade de ajudar na remoção, um grupo de surfistas uniu forças, criou um movimento e virou uma das referências do trabalho voluntário para conter as manchas no litoral da Bahia.

Tudo começou em 11 de outubro, um dia depois que as primeiras manchas surgiram em praias ao norte do estado e na capital Salvador. "Ninguém estava se mobilizando para se prevenir em relação ao óleo. E a gente também não tinha informações de quais praias estavam contaminadas já. Então, eu comecei a mobilizar um monte de gente para fazer um mutirão integrado, em várias praias ao mesmo tempo", contou ao UOL Esporte o surfista e engenheiro civil Arthur Sehbe, criador e líder do "Guardiões do Litoral".

O projeto, que é acompanhado por mais de 30 mil seguidores no Instagram, foi ganhando volume ao passo que o óleo se alastrava pelas praias do Estado. Foi de um grupo de WhatsApp, em que amigos surfistas se preocuparam com o desastre ambiental, a uma das referências para a sociedade civil disposta a contribuir e a órgãos públicos oficiais, principalmente na questão do monitoramento das manchas.

"A intenção era, primeiro, juntar um voluntariado para poder limpar a praia. O grupo começou pequeno e foi crescendo. Começou a aparecer mais gente, muita gente querendo participar, ajudar. E aí tomou proporções enormes", afirmou Daniel Cady, nutricionista, influenciador, surfista e participante do grupo.

Ganhando forma e engajamento, o grupo liderou uma manifestação "pelo óleo derramado no Nordeste", realizada no último sábado (26), no Farol da Barra. Durante suas ações no mar, não deixa de ter cautela e cuidado em relação à segurança do trabalho. Para isso, dentre outras medidas, conseguiu pouco mais de R$ 57 mil em uma vaquinha online para compra e distribuição de EPIs (equipamentos de proteção individual) - a campanha na internet fechou com 285% do objetivo inicial. Veja abaixo uma visita ao município de Conde, a quase 190 quilômetros de Salvador.

População abraça iniciativa logo de cara

Um dia depois de movimentar os contatos e criar o grupo, então com nome de "Óleo", Sehbe e cerca de 20 outros surfistas realizaram um mutirão no feriado de 12 de outubro. "Primeiro dia de mutirão e a gente movimentou 500 pessoas. Ou mais também. Porque foi muita gente, e a gente não contabilizou. Foi super legal, o grupo se consolidou. Depois, sem a gente marcar, eles já começaram a se comunicar e fazer os mutirões sozinhos", disse o líder.

A ação integrada pela costa baiana, feita coincidentemente no dia do mar, visitou 17 praias. Em 15 delas foi possível encontrar vestígios do material. No dia seguinte, mais trabalho, desta vez em pontos mais críticos. "Temos usado nosso tempo livre para ajudar a remover as manchas em vez de ficar na água surfando. No domingo (13), por exemplo, eu estava em um mangue com Daniel e outros amigos. O dia ensolarado, fim de semana, podendo estar curtindo a praia com a família, mas estávamos ali lutando para amenizar o que outras pessoas fizeram", relatou Ader Oliveira, editor do site "Waves".

Após um fim de semana cheio, os líderes do movimento decidiram nomear um representante por praia e criar no WhatsApp um grupo para cada uma delas. Desta forma, de acordo com Sehbe, foi possível organizar melhor o trabalho voluntário, recrutar novos ajudantes e dar independência aos colaboradores.

Situação "consome". E o trabalho?

Foi com uma risada discreta e uma dose de sinceridade que o idealizador do projeto disse não participar de todos os chats criados para monitorar as praias. Segundo ele, é "muita coisa" e mal daria para acompanhar. "Não (participo de todos). Senão não dá, velho (risos), não dá", confessou.

A situação, ainda assim, tem consumido a vida do engenheiro civil e especialista em soluções ambientais. Empregado em uma indústria, ele tem dormido poucas horas por dia e faltado com certa frequência ao trabalho. "Está muito complicado, porque tem muito trabalho para fazer. Todos os dias tenho ficado acordado até uma hora da manhã. Mas a situação é muito crítica. Na quarta-feira retrasada (16) o óleo chegou com tudo dentro da cidade. É complicado de trabalhar", afirmou Sehbe, contando que teme até ser demitido.

"Rapaz... É o risco que eu estou correndo, sendo bem sincero. Mas eu converso com meu chefe, direto, explico a situação, o que está acontecendo. Ele também entende a preocupação com o bem comum. Mesmo assim, tenho obrigações na empresa e está difícil lidar", acrescentou.

Circunstância parecida viveu Cady, que também faz mergulhos e pesca. "Deixei de trabalhar, desmarquei muitas coisas que tinha. Depois tive que viajar para um compromisso em São Paulo que não pude adiar. Mas Arthur ficou aqui, na liderança. Ele está se dedicando 100% a isso, dormindo pouco, mantendo esse trabalho. Tem que ter uma inteligência para organizar, se não fica uma coisa desconectada, ineficiente", afirmou o nutricionista.

Monitoramento virou fonte de informação

O crescimento do "Guardiões do Litoral" colocou Arthur Sehbe e companhia em contato com o Projeto Tamar, umas das referências na preservação da vida marinha. A partir de um aplicativo para celular gratuito, indicado pelo projeto, os voluntários fazem o monitoramento da costa de forma mais precisa. Funciona assim: os registros feitos na plataforma saem com localização, data e horário, o que permite um trabalho mais certeiro.

Os líderes do movimento interagem assim e também por WhatsApp com a Defesa Civil, a Marinha e a Empresa de Limpeza Urbana (Limpurb) da Bahia.

"A gente faz o monitoramento e vai dizendo a condição de cada praia. Eles utilizam essas informações para deslocar uma equipe para fazer a limpeza de uma determinada praia", comentou Arthur, que cresceu no mar e é remador e mergulhador.

"Vale destacar a atuação dos agentes de limpeza, guerreiros que estão lá 24 horas dando seu trabalho para deixar a cidade limpa. Os voluntários também são importantes. A gente tem recebido muita demanda de voluntários, isso é importantíssimo", afirmou Marcus Passos, presidente da Limpurb.

Em relatório enviado à reportagem, a Prefeitura disse ter retirado, até a última quinta-feira (24), 107 toneladas e 466 quilos de óleo das praias de Salvador.

Segurança e riscos à saúde

Grupo de surfistas "Guardiões do Litoral" realiza manifestação contra manchas de óleo na Bahia - Mateus Morbeck/Guardiões do Litoral - Mateus Morbeck/Guardiões do Litoral
Imagem: Mateus Morbeck/Guardiões do Litoral

A preocupação com a segurança é inevitável. Além da distribuição de EPIs aos voluntários em todos os mutirões, o grupo salienta sempre que possível que o material é tóxico e definiu padrões de como agir conforme a quantidade de óleo em cada praia. Houve também, no dia 18, um briefing na Marinha, que orientou sobre os riscos ao corpo e deu sugestões de melhorias ao trabalho da população.

"A gente definiu como [situação] crítica e moderada. A moderada são pequenas manchas de óleo na praia, do tamanho até de uma moeda. Pequenas manchas você pode tirar com luva e bota. Tentar usar uma espátula, um espetinho de churrasco, que é algo bem simples, para o óleo não ficar na luva. Porque depois você vai tirar a luva, pegar na sua roupa", disse Sehbe.

"Quando está em nível crítico, você tem que usar máscara. A gente reparou muita gente passando mal, com irritação nos olhos, irritação respiratória. Então, máscara para vapores orgânicos voláteis e óculos de ampla visão, que são óculos mais fechados na lateral", explicou. Quando a situação é ainda pior, a recomendação é para deixar a tarefa para órgãos públicos.

Um dos voluntários que sofreu com a retirada do material foi o próprio Daniel Cady. "Adoeci. Acho que foi muito estresse, dor de cabeça, sol. Cheiro do óleo. Mas nesses dias a gente viu o tamanho do grupo, viu que o trabalho foi espalhado por muitos locais, muita gente se mobilizando, de forma decentralizada", relatou.

Toda a mobilização fez o líder do projeto agradecer. "Eu queria agradecer a todas as pessoas que têm participado. A gente vai precisar de muito mais ajuda nos próximos dias. Agradecer também às pessoas que contribuíram com a vaquinha online", declarou.