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Pioneira do judô brasileiro, Soraia André chora com bronze de Mayra Aguiar

Soraya André, ex-judoca brasileira - Arquivo pessoal
Soraya André, ex-judoca brasileira Imagem: Arquivo pessoal

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/07/2021 04h00

A ex-judoca Soraia André é de um tempo em que mulher não podia entrar no tatame. As lutas eram proibidas em todo o território nacional para mulheres e só foram liberadas em 1979. E ela só entrava, porque seu pai conhecia os mestres da academia no bairro do Imirim, na zona norte da capital paulista. E então, aquela menina forte, sofrida e agitada passou a treinar junto com as esposas e filhas dos treinadores. Todas, obviamente japonesas.

"Eu destoava: pela força e pela cor da pele", relembra Soraia André, 56 anos, pioneira do judô nacional em competições internacionais. Na manhã desta quinta-feira (29), ela sentia-se também uma medalhista junto com Mayra Aguiar. Soraia lutou nos Jogos de Seul-1988, quando o judô feminino fez parte da Olimpíada como demonstração: terminou em quinto lugar.

"É muita emoção, a Mayra é uma gaúcha tri, tri-olímpica, entendeu?", comentou Soraia, que em seu tempo de campeã lutava na mesma categoria: "Eu era meio pesada como ela, só que mudou o peso. No meu tempo era menos de 72 quilos, hoje é menos de 78 quilos."

Soraia vai falando ao telefone com empolgação. Já passou da hora do almoço desta quinta-feira, mas ela ainda não conseguiu dormir depois da façanha de Mayra na capital japonesa.

"Ela é um exemplo de superação. Veio de contusão. Parece que quando retorna ela vem melhor ainda. E na primeira luta contra a israelense, ela já mostrou a que veio. Estava tão solta, tão à vontade, que parecia estar fazendo um exercício que fazíamos quando estávamos treinando: um exercício de se jogar no chão, para aquecimento."

Quando Mayra conquistou o bronze contra a sul-coreana Hyunji Yoon na repescagem e chorou, as lágrimas correram também pelo rosto de Soraia.

Mayra Aguiar mostra sua medalha de bronze no judô - Júlio Cesar Guimarães/COB - Júlio Cesar Guimarães/COB
Mayra Aguiar mostra sua medalha de bronze no judô
Imagem: Júlio Cesar Guimarães/COB


"Eu chorei, o Brasil dos amantes do judô chorou junto com ela. Eu vi um filme passando em minha mente. Olimpíada não é piada. Eu sei muito bem o que é. E parece que vivi de novo tudo aquilo que passei na minha carreira. Ela mostrou que é possível sonhar", diz Soraia, que se desmancha em um choro convulsivo.

É que foram momentos difíceis, os que Soraia passou na juventude. São lembranças de superação dos tempos em que começou a treinar na academia em 1976, levada por seu pai.

Soraia guarda histórias incríveis que estão em seu livro: "A japo-negra do judô - uma história de superação, fé e amor". O nome tem uma explicação.

"Porque como eu era a única brasileira no grupo, eu queria parecer com elas, que eram japonesas ou nisseis. E então eu alisava meu cabelo com ferro quente e fazia de tudo para ter um comportamento semelhante ao delas".

Só que Soraia tinha uma força que as amigas não tinham. E aos poucos adquiriu a técnica que as outras judocas exibiam. E então construiu uma carreira de vitórias incontestáveis. "Fui dez vezes campeã brasileira e ganhei um ouro em Indianápolis [Jogos Pan-americanos de 1987] e outros dois bronzes em Jogos Pan-americanos", diz referindo às competições de Havana-1991 e Caracas-1993.

Ela só não foi melhor nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, porque bateu de frente com os dirigentes da Confederação Brasileira de Judô. Virou 'persona non grata' e competiu certa vez com um quimono tingido de preto numa competição no Rio de Janeiro, como forma de protesto, porque baixaram uma determinação de que judocas com mais de 28 anos não poderiam mais defender o Brasil. Medida que visava atingi-la.

Exemplo para todas as judocas e esportistas brasileiras, hoje trabalha como treinadora e psicóloga da equipe de alto rendimento de judô na cidade de Santo André, na Grande São Paulo.

A entrevista por telefone termina quando Soraia pede um tempo para se recompor. "Preciso tomar um copo d'água, eu ligo depois!"