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Treino online, despedida e covid: a epopeia da ginástica rítmica até Tóquio

Seleção brasileira de conjunto da ginástica rítmica no Pan-Americano do Rio - Ricardo Bufolin/CBG
Seleção brasileira de conjunto da ginástica rítmica no Pan-Americano do Rio Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

Amanda Romanelli

colaboração para o UOL, em São Paulo

21/06/2021 04h00

Era março de 2020 e faltavam dois meses para a principal competição do ciclo olímpico, o Campeonato Pan-Americano de ginástica rítmica, nos EUA, que classificaria o melhor conjunto para a Olimpíada de Tóquio. Mas as ginastas da seleção brasileira se reuniram e fizeram um pedido para Camila Ferezin, coordenadora de seleções e técnica da equipe: elas queriam deixar Aracaju, onde treinam, e voltar para suas cidades de origem.

O coronavírus já circulava no Brasil e, naquele mesmo mês, a Organização Mundial da Saúde declararia que o mundo vivia uma pandemia. Entre o pedido das ginastas (que foi aceito) e o anúncio do adiamento da Olimpíada, Camila ficou pensando no que fazer. Começava um período de 15 meses em que treinos foram online, ginastas se despediram da seleção, competições praticamente não ocorreram e a equipe enfrentou um surto de covid ­—até que a vaga olímpica veio, em 12 de junho, no Pan que acabou transferido dos EUA para o Rio.

Em casa, a equipe formada por Maria Eduarda Arakaki, Beatriz Linhares, Deborah Medrado, Geovanna Santos, Bárbara Galvão e Gabrielle Moraes derrotou a seleção mexicana, principal rival do ciclo, por uma diferença ínfima —0,700. As brasileiras somaram 74,400 pontos e as adversárias, 73,700.

GR - Ricardo Bufolin/CBG - Ricardo Bufolin/CBG
Seleção brasileira de conjunto da ginástica rítmica no Pan-Americano do Rio
Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

Mas antes de vencer as mexicanas, a seleção precisou enfrentar uma verdadeira epopeia. Já seria um ciclo olímpico desafiador, no qual o conjunto entrou em profundo processo de renovação após a Rio 2016. Nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019, a equipe perdeu uma hegemonia de duas décadas como campeão geral (somatório das duas séries). Foi um bronze amargo.

Poucos meses depois, veio a pandemia. "Estávamos prontas para competir. Mas em vez de irmos disputar a vaga olímpica, fomos para casa", lembra Camila, que estará em sua quarta Olimpíada. "A gente via as notícias, sabia [do vírus], mas eu mantinha os treinamentos, a nossa rotina, porque o Pan não tinha sido cancelado. Até o dia em que falaram que os aeroportos seriam fechados. As ginastas se reuniram e pediram para ir embora. Imagina, tudo desconhecido, e elas longe da família. Foi um dia muito triste. E eu pensava: e agora? Acabou o trabalho?".

A saída foi retomar os treinamentos usando um software de conferências virtuais, estratégia que já estava sendo utilizada por equipes europeias. Com as atletas espalhadas pelo Brasil, o trabalho online começou em abril e seguiu até julho. Nesse período, duas integrantes decidiram deixar a seleção. "A Maiara Cândido e a Heloísa Bornal, atletas muito boas, deixaram a ginástica quando a Olimpíada foi adiada. Foi uma tristeza para a gente." E, virtualmente, Camila convocou três novas ginastas para integrar o conjunto. Com uma delas, Geovanna Santos, que foi titular no Pan do Rio, a técnica nem sequer havia trabalhado pessoalmente.

Após quase cinco meses, toda a seleção voltou a se encontrar, mas do outro lado do Atlântico. A ginástica rítmica fez parte do primeiro grupo de atletas enviados a Portugal para a Missão Europa, organizada pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). Treinaram lá até meados de setembro, quando a equipe retornou para o centro de treinamento na capital do Sergipe.

Sem competições, a seleção passou a fazer treinos de controle para mensurar avanços e problemas. As séries eram apresentadas, por vídeo gravado ou ao vivo, para árbitros brasileiros com credencial internacional. O feedback desses especialistas trazia parâmetros para avaliar os resultados do trabalho.

Quando chegou 2021, o calendário da ginástica já estava confirmado. Mas aí, veio a covid. "Em Aracaju, reduzimos muito o número de pessoas trabalhando no centro de treinamento. As meninas só podem ficar em casa, ir para o ginásio e para a clínica de fisioterapia. Fechamos ao máximo, mas sempre há risco. E, quando aconteceu, ficamos muito assustados", lembra a técnica.

Em março, a seleção iria para a Bulgária e para o Uzbequistão disputar as primeiras competições em mais de um ano. No aeroporto, com as malas até despachadas, chegou o resultado positivo para covid da capitã Maria Eduarda. "As semanas seguintes foram um pesadelo. São 12 ginastas, que moram em dois apartamentos, e ficam juntas o tempo todo. Uma passou para a outra", lembra Camila —ela mesma já havia ficado doente, tendo passado Natal e Ano Novo em isolamento com a família.

Algumas atletas tiveram sintomas mais graves e demoraram a voltar aos treinos. Com o Pan dali a quatro meses, a comissão técnica precisou mudar a equipe titular. Em maio, o Brasil teria nova chance de competir. E de novo, às vésperas de uma viagem... covid! Apenas duas ginastas tinham passado ilesas da contaminação em março. Uma delas, Nicole Pircio, titular das duas séries, foi justamente quem adoeceu antes da ida para a Copa do Mundo de Baku, no Azerbaijão.

Mas, se em 2020, as ginastas pediram para voltar para casa, agora queriam ir à competição, mesmo desfalcadas. Em um contorcionismo logístico, a comissão técnica treinou uma nova formação e a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) conseguiu remarcar as passagens. Refeito, com Deborah Medrado no lugar de Nicole, o Brasil chegou às duas finais, a com cinco bolas e misto (arcos e maças).

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Seleção brasileira de ginástica rítmica que classificou o conjunto para Tóquio no Pan-Americano do Rio
Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

O torneio em Baku foi o último antes do Pan do Rio, onde o Brasil garantiu a vaga olímpica. Agora, a pouco mais de um mês dos Jogos de Tóquio, o problema da comissão técnica é outro: definir as cinco atletas que vão integrar o conjunto.

Antes da Olimpíada, a equipe disputará uma competição na Rússia e, possivelmente, outra em Israel. As séries ainda serão revistas, e ganharão um pouco mais de dificuldades. O objetivo é voltar a alcançar uma final olímpica, o que não ocorre desde Atenas/2004.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado, o Brasil já disputou a final olímpica na ginástica rítmica. O erro já foi corrigido.