Topo

Dirigente brasileiro à frente da Paraolimpíada diz viver "maior desafio"

Presidente do Comitê Paralímpico Internacional, Andrew Parsons trabalha em edição história em tempos de covid-19 - Chung Sung-Jun/Getty Images for IPC
Presidente do Comitê Paralímpico Internacional, Andrew Parsons trabalha em edição história em tempos de covid-19 Imagem: Chung Sung-Jun/Getty Images for IPC

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/06/2021 04h00

"No momento em que os países olham para o próprio umbigo, que temos esse recrudescimento de nacionalismo e uma reunião do G20 para tratar da pandemia sem avançar muita coisa, nós temos um catalisador para uma retomada. Os Jogos são o maior evento logístico do mundo e contam com um esforço internacional, somando não sei quantas nacionalidades, para entregar de maneira a que atendam a atletas, patrocinadores, redes de TV, sem que disseminem ainda mais a Covid-19. É uma vitória enorme. Para a humanidade."

Quem externa a visão acima é Andrew Parsons, brasileiro que atualmente ocupa a presidência do Comitê Paraolímpico Internacional (IPC na sigla em inglês").

O dirigente é um dos responsáveis pela Paraolimpíada de Tóquio 2020, que para o dirigente ganhou muitos significados em meio à crise global do coronavírus.

É meu maior desafio, sem dúvida. E, enquanto as delegações todas não estiverem no avião de volta para casa, a gente não vai estar sossegado."

Repensar os Jogos de forma a separar populações e evitar riscos não é fácil, porque são muitas as situações e especificidades. "No caso dos paraolímpicos, temos atletas com deficiência mais severa e precisamos entendê-las para decidir como proceder. Tem aqueles que precisam de cuidadores, de auxílio para se deslocar ou até se alimentar. E aqueles que, devido à deficiência, não conseguem se adaptar ao uso da máscara. Como fazer para permitir que participem e ao mesmo tempo não corram risco?"

Outro exemplo, sobre medição de temperatura: "Na Paraolimpíada tem atletas que não transpiram, o que eleva a temperatura corporal dependendo do ambiente. Eles não estão em estado febril. É uma questão de termorregulação. E como no geral os atletas vão ser muito testados, precisamos estar atentos para não causar um estresse maior ainda, para que sua experiência paraolímpica seja mais positiva que negativa, ao mesmo tempo em que não deixe de ser segura".

Desafios dos desfiles a cerimônia de medalhas

Os maiores desafios são criar condições adequadas para populações que têm de ficar muito separadas. "Esses ajustes todos são muito difíceis, porque há coisas óbvias que tiveram de ser repensadas. Não só desfiles, mas premiação, outro exemplo: a entrega de medalhas é um momento em que as pessoas ficam muito próximas. Até que ponto representa risco de contágio? Então, quem vai entregar medalha? Como vamos fazer isso? Quantos exames faremos, em que momentos, como serão feitos? Cada operaçãozinha dessa teve de ser pensada, analisada, esmiuçada."

O presidente do IPC diz que chegou aos ajustes finais, trabalhando com o Tocog (Comitê Organizador de Tóquio 2020), mas reconhece que "ainda tem muita coisa", como questões relativas a isolamento de casos positivos. "E se tiver contágio de um atleta que precise desses cuidados permanentes? Isola com o acompanhante? Como protegemos esses acompanhantes? E, nesses lugares, a estrutura será acessível, se for um cadeirante?"

Sobre a possibilidade de atletas com deficiência terem mais propensão a se contaminarem, Andrew Parsons diz: "Pelos estudos a que a gente tem acesso, a resposta é não. Mas obviamente que, dependendo da deficiência ou do nível da deficiência, o quadro pode ficar mais severo, ou ficar mais severo mais rapidamente. Não é que vamos proteger uma população mais que outra, mas nesses casos a ação tem de ser mais acelerada e os cuidados, mais específicos."

Nadador brasileiro Daniel Dias se prepara para os Jogos Paralímpicos de Tóquio - Buda Mendes/Getty Images - Buda Mendes/Getty Images
Nadador brasileiro Daniel Dias se prepara para os Jogos Paralímpicos de Tóquio
Imagem: Buda Mendes/Getty Images

Tendência é que covid amplie desnível técnico

Quanto ao possível desnível técnico desta edição por causa da pandemia, o presidente do IPC diz que a preocupação com treinamentos e classificações "foi migrando, como uma onda", da China para os países do Ocidente, a partir de fevereiro de 2020, até se tornar global.

"Alguns países foram mais rígidos que outros na volta das atividades e dos treinamentos. Por isso, não dá para dizer que países mais ricos tiveram preparação melhor. Veja o Brasil, em situação tão difícil com a pandemia. O Comitê Paralímpico Brasileiro fez um trabalho muito bom de protocolos, no seu Centro de Treinamento, em São Paulo, e liberou aquela instalação para os atletas treinarem."

"Os mais desenvolvidos têm mais condições financeiras de investir no esporte e essa sempre foi uma razão de conseguirem performance melhor que outros. Talvez o Brasil seja uma exceção, se pensarmos na estrutura que o país tem para os paraolímpicos, comparada ao lugar que o país está no mundo socialmente desenvolvido. Por isso se coloca em nono, sétimo, oitavo, em Jogos Paraolímpicos, e não em outros tantos ramos de atividades", acrescenta.

Com um macrociclo de cinco anos não esperado, que já quebra o planejamento de técnicos e diretores técnicos, e um último ano e meio em que treinos e competições foram afetados, é esperado que as performances não sejam tão boas. Mas também entre os atletas há exceções.

"Neste início de junho, o alemão Markus Rehm quebrou o recorde mundial dele do salto em distância de prótese - ele é amputado de uma perna, abaixo do joelho. Foi no Europeu, na Polônia. Ele fez 8,62m, que teria dado a ele a medalha de ouro em todos os Jogos Paraolímpicos e Olímpicos desde Barcelona 1992. É surpreendente, porque a expectativa é por resultados não tão positivos."

Também sobre a confraternização, que faz parte do movimento olímpico, Andrew Parsons reconhece que não vai haver, como tradicionalmente se espera.

"Os Jogos têm essa característica de congraçamento, com um minoria em busca de resultados e medalhas e uma massa para a qual já é uma conquista gigantesca estar lá. Não vai ter interação entre os atletas, até a atividade sexual na Vila vai diminuir. Mas tínhamos de fazer, para não passarmos todo esse espaço, do Rio 2016 a Paris 2024, sem os Jogos."

Patrocinadores japoneses ajudam em dificuldades

Sobre possíveis pressões de patrocinadores para a realização dos Jogos, Parsons diz que esperava conversas mais duras, com o adiamento por causa da pandemia, sobre ajuste de valores e pagamentos.

"Ocorreu o contrário e foi uma surpresa enorme. Seria até compreensível que, com o adiamento, falassem em escalonar pagamentos; que, se não tivesse público, teríamos de se voltar a conversar. Mas não houve isso. A temperatura estava subindo no Japão, com a população contrária aos Jogos. Temos patrocinadores japoneses - a Toyota é nossa principal patrocinadora - e não houve pressão."

A pressão veio da própria pandemia, pelas dificuldades que ela impôs aos países, com demandas incomuns, "como países grandes que não estão acostumados a ir para o outro lado do mundo para se qualificar para determinada modalidade".

Um caso emblemático aconteceu com Kiribati, uma ilha no meio do Pacífico: "Teve uma competição na Austrália, principalmente para países da Oceania, e três pessoas da ilha - um cadeirante, um cego e um técnico - que fizeram escala por Fiji, ficaram mais de quatro meses por lá, sem contato com a família. Terrível, porque Kiribati cortou, mas cortou zero -, ninguém entra, ninguém sai. Porque o governo disse: com nossa falta de estrutura, se a covid-19 entrar aqui, morre todo mundo. Ficamos monitorando, pagando as despesas deles."

Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro - Matt Hazlett/Getty Images - Matt Hazlett/Getty Images
Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Internacional
Imagem: Matt Hazlett/Getty Images

Comunidade deficiente sofre mais na pandemia

No caso dos paraolímpicos, diz Andrew Parsons, são muitos os estudos e relatórios dando conta que as pessoas com deficiência física foram afetadas de forma desproporcional pela pandemia.

"Em 2020, na Inglaterra, 60% do total de mortos pela Covid-19 foram pessoas com algum tipo de deficiência. Por quê? Porque em momentos de crise é possível que políticas públicas supostamente inclusivas não se mostrem inclusivas. Quando falta acesso a serviços de saúde, se é uma dificuldade para todo mundo, para a pessoa com deficiência essa dificuldade acaba aumentada pela própria condição."

Paraolimpíada é o único evento global que coloca as pessoas deficientes no centro das atenções como atores principais. "Não é questão de tolerância e sim de valorização, de celebrar. É o momento em que se dá voz a um bilhão de pessoas no mundo que têm algum tipo de deficiência, que precisam ser ainda mais ouvidas por causa da pandemia."

"A gente pretende que os Jogos coloquem um pouco de luz nesse um bilhão de pessoas com deficiência - nesses 15% da população mundial. Por isso, esta Paraolimpíada de Tóquio 2020 é a edição mais importante da história."