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Paulista - 2023

OPINIÃO

Entre Palmeiras e Água Santa, eu torci por Edina Alves

Edina Alves, durante a partida entre Água Santa e Palmeiras, pelo Paulistão - JHONY INACIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Edina Alves, durante a partida entre Água Santa e Palmeiras, pelo Paulistão Imagem: JHONY INACIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Do UOL, em São Paulo

04/04/2023 04h00

Edina Alves Batista, a dona do apito na primeira final do Campeonato Paulista, entrou em campo para aquecer um pouco antes da partida começar entre Água Santa e Palmeiras. Ao lado direito, a árbitra-assistente e amiga, Neuza Back, repetia seus movimentos em sincronia. A perna de uma subia e girava, a da outra acompanhava num ritmo perfeito.

Era só o aquecimento, mas me permiti sentir, junto da admiração por ambas, uma angústia conhecida. Como mulher e jornalista esportiva, sabia o tamanho da presença de Edina Alves em uma final como aquela. Ainda mais devido aos problemas dos últimos anos, especialmente a geladeira extensa depois de um erro considerado grave em um jogo entre São Paulo e Novorizontino, em 2021. Um erro que, aos olhos dos críticos, era quase criminoso.

Edina precisou, um passo por vez, ir galgando de novo a posição que tinha demorado 20 anos para conquistar. Ela foi a primeira árbitra a apitar jogos da Série A do Brasileirão e da Libertadores. Em 2019, fez sua estreia na Série A1 do Paulista. E, quatro anos depois, estava lá, comandando a final, ao lado de sua melhor amiga.

A angústia que cito acima é uma angústia de reconhecimento. De me reconhecer em uma mulher que, caso cometa qualquer erro, vai ter toda sua trajetória deslegitimada. Errar uma ou outra coisa apitando um jogo é quase certo que vai acontecer. Com todos os árbitros homens, pasmem, acontece sempre. Mas quando o erro é feminino, ele pesa mais.

Milly Lacombe me disse uma vez que uma mulher, quando erra, erra por todas. Que uma pessoa preta, quando erra, erra por todas. Quando uma pessoa LGBTQIA+ erra, o erro é coletivo. Mas quando o homem branco erra, daí não. O erro é dele, e não de todos os homens. Isso me pegou em um ponto muito pessoal. Por ser mulher em um ambiente majoritariamente masculino, falando sobre esporte — tema que até pouquíssimo tempo atrás era totalmente associado a jornalistas homens —, é viver sabendo que um erro, por menor que seja, vai se tornar gigantesco.

Alicia Klein foi impecável quando trouxe o questionamento: imagine se uma narradora mulher chama Júnior Toddynho de Jojô Todynho? Seria um esculacho. Cléber Machado fez a confusão na final do Paulista e o público levou com bom humor — como deveria ser sempre. Mas o erro da mulher no esporte é quase um atestado de que ela não deveria estar ali.

Tudo isso passou como um foguete na minha cabeça enquanto eu observava Edina Alves se aquecendo na perfeita sincronia com a amiga Neuza Back.

Entre Água Santa e Palmeiras, eu torci pela Edina, do começo ao fim daquela partida, e creio que todas as mulheres que assistiram ao jogo fizeram o mesmo. Viajei até a cabeça dela, onde deve ter passado outro filme. Arrisco o roteiro: um erro que resultou numa geladeira gigante, 20 anos de trabalho caindo por terra por causa desse erro. E, enfim, a ressurreição.

edina - Wanderson Oliveira/DiaEsportivo/Folhapress/DiaEsportivo - Wanderson Oliveira/DiaEsportivo/Folhapress/DiaEsportivo
Imagem: Wanderson Oliveira/DiaEsportivo/Folhapress/DiaEsportivo

Lá estava Edina, como uma fênix (desculpem o chavão), ressurgindo e colocando mais um marco na história do futebol brasileiro: se consagrando como a primeira mulher a narrar uma final de Campeonato Paulista. Se impondo, vide o lance em que Didi, do Água Santa, cresceu em tom intimidatório para cima dela, que havia acabado de amarelar seu colega Marcondes.

Ele, do alto dos seus 1,84m, cresceu mais alguns bons centímetros quando seus olhos ficaram verticalmente paralelos aos de Edina. Ele estava puto porque a árbitra havia amarelado seu companheiro de time. A clara tentativa de intimidação me fez prender o ar. E, sem querer tornar esse texto algo sobre mim, me identifiquei de novo com a situação.

As tantas tentativas de intimidação que já vivi e já vi colegas mulheres vivendo dentro do jornalismo esportivo. Aquela tentativa básica do colega homem te explicar algo que você já sabe; te interromper milhares de vezes enquanto você tenta completar um raciocínio. Ou o simples fato da disparidade salarial entre homens e mulheres na mesma função no mercado de trabalho.

Mas a pequenininha Edina ganhou três metros de altura quando fitou os olhos bravos de Didi e levantou seu cartão amarelo. Perdi tudo ali. Vibrei quietinha. Lembrei da entrevista que fiz com ela em 2019, cujo título é uma frase dita por ela durante a conversa: "Não tente me intimidar". Vi, ali, depois de uma montanha russa na trajetória da árbitra, a personificação de sua fala. Didi tentou.

Eu estava na Arena Barueri junto da minha colega de UOL Esporte Carolina Alberti. Duas mulheres cobrindo uma final apitada por uma mulher. Talvez seja o início de novos tempos. Talvez, a concretização de algo que não vai mais se perder: mulheres ocuparão cada vez mais seus espaços, no esporte e fora dele. E só uma dica: não tente nos intimidar.