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Ex-Botafogo virou Uber após calote na Paraíba e busca recomeço na Bulgária

Octávio jogou ao lado do holandês Seedorf no grupo que terminou o Brasileiro no 4º lugar - Satiro Sodre/SSPress
Octávio jogou ao lado do holandês Seedorf no grupo que terminou o Brasileiro no 4º lugar Imagem: Satiro Sodre/SSPress

Bernardo Gentile

Do UOL, no Rio de Janeiro

06/03/2020 04h00

Octávio Merlo viveu uma história digna de roteiro de filme premiado após deixar o Botafogo em 2017. Revelado nas categorias de base do Alvinegro, o atacante, que dividiu vestiário com Seedorf, fechou com um time de empresários da Paraíba. O que era motivo de esperança, no entanto, virou drama. Ele levou calote do novo clube e teve até mesmo que virar motorista de Uber por alguns meses para manter vivo o sonho de seguir jogando profissionalmente.

Hoje, Octávio busca o recomeço da carreira no Beroe, da Bulgária. Porém, o jogador teve que ralar, e muito, para ter oportunidade de voltar a pisar em um gramado.

É que ao fechar com a Desportiva Perilima, um time de empresários na Paraíba, viu sua carreira tomar um rumo totalmente inesperado. Após jogar o Campeonato Paraibano, no início de 2019, viu sua equipe ficar sem calendário. Além disso, levou um calote do clube, que não pagava seu salário.

Sem receber e sem poder entrar em campo, Octávio tentou acordo, mas não conseguiu a liberação. A solução foi recorrer à Justiça. O processo não foi rápido e fez com que o jogador tivesse que se virar para fazer dinheiro. O futuro no futebol, inclusive, foi colocado em dúvida. Havia algumas alternativas e muito a se pensar.

"Foi um período muito difícil. Tinha acabado de casar, em dezembro. E não tinha a liberdade para fazer o que amo, que é jogar bola. Dois tios moram nos Estados Unidos e cogitei largar tudo para ir para lá. Perguntei como era a vida deles e por pouco não larguei. Minha esposa e família deram suporte e falaram para eu esperar. Tive que rodar no Uber por alguns meses. Tinha contas para pagar e até arcar com custos dos treinamentos particulares", revela Octávio ao UOL Esporte.

O período como motorista de aplicativo gerou situações inusitadas. Octávio encara a vida com leveza. Por mais que estivesse fazendo uma função diferente do que havia planejado, jamais tirou o sorriso do rosto. Ex-companheiro de Seedorf no Alvinegro, ele era reconhecido por alguns botafoguenses.

"Deixava minha esposa no trabalho dela às 9h e rodava até às 18h. Fiquei uns três meses, aí tive que intensificar os treinamentos porque estava para sair minha liberação. Mas o período no Uber foi resenha pura. Engraçado era quando botafoguense entrava no carro. Eles ficavam me olhando, eu olhava pelo retrovisor. Aí eles perguntavam se eu não era o Octávio que tinha jogado no clube. Tinha que contar toda minha história lá. Mas me amarrava. Contar e escutar as histórias dos outros também", conta.

Vitória na Justiça e recomeço

A sonhada vitória na Justiça demorou a acontecer. Tardou, mas não falhou. Livre para fechar com um novo clube, Octávio recebeu proposta para deixar novamente o Brasil — já havia defendido a Fiorentina, da Itália, e o Beerschot Wilrijk, da Bélgica. Não pensou duas vezes em fechar com o Beroe, da Bulgária, onde tenta o recomeço da carreira.

"Agora tudo deu certo. Posso fazer o que amo. É trabalhar forte para dar a volta por cima. Nada na minha vida foi fácil. Desde moleque, quando quase morri por causa de uma infecção que me deixou surdo de um dos ouvidos. Após tanto tempo esperando na Justiça para poder jogar, esses pequenos obstáculos [comunicação] a gente passa sorrindo. Cheguei uma semana após a preparação de inverno. Fizemos alguns amistosos e ganhamos todos. Agora recomeçou o campeonato e ganhamos os três jogos. Entrei no segundo tempo em todas as partidas. Agora tem o CSKA Sofia pela frente. Jogo contra nosso adversário por uma vaga na Liga Europa", comenta.

"Considero um recomeço de carreira. Como se começasse do zero pelo tempo parado. Graças a Deus vim para um clube conhecido aqui na Bulgária e tem muita torcida. Estou feliz, tenho mais um ano e meio de contrato. Claro que sonhamos em conseguir algo maior, país mais conhecido, mais visibilidade. Mas isso depende do nosso dia a dia. Entrar bem nos jogos, virar titular e conseguir algo melhor", completa.

Botafogo: saudade e futuro

Octávio ainda não sabe o que o futuro lhe reserva. Criado em uma família de botafoguenses, ele tem um carinho especial pelo clube. Saudade é o que melhor define quando se lembra dos tempos no Alvinegro. Mas por que não sonhar com um possível retorno ao clube que o revelou? O jogador se considerava imaturo em sua passagem pelo clube e que a vida trouxe aprendizados que o transformaram.

"No Brasil o meu sonho é voltar a vestir a camisa do Botafogo. No tempo que estive lá era muito novo e cometi muitos erros. Quando amadureci já não tive oportunidade de jogar. Meu grande sonho voltando ao Brasil é vestir a camisa do Botafogo, onde me sinto em casa, os funcionários me abraçam como filho. Minha família é de botafoguenses, o carinho é especial", afirma.

Na época de Botafogo, Octávio dividiu vestiário com Seedorf. Ao lado do astro mundial, viu o Alvinegro voltar a disputar uma Libertadores após 17 anos — time ficou em 4º no Campeonato Brasileiro de 2013.

"Aquele grupo conseguiu isso. Uma marca importante naquela oportunidade. o Seedorf ajudou muito a gente da base. Ele não passava a mão na nossa cabeça. Cobrava, e eu entendia que era para ajudar, não diminuir. Às vezes ele cornetava, mas aquilo era para o nosso bem. Cresci com ele", explica.

"Tinha o costume de pisar na bola para parar. Ele me disse que ia perder muito tempo fazendo isso, que tinha que aprender a controlar a bola com ela andando. Ele dizia que perder um segundo era muito tempo no futebol. Aprendi muito. Era um cara vencedor, queria dar os toques para nos ajudar e ajudar o Botafogo", completa.

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