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Atacado no passado por preterir a base, Jorge Jesus se encanta com Reinier

Jorge Jesus observa o time do Flamengo durante jogo contra o Santos - Thiago Ribeiro/AGIF
Jorge Jesus observa o time do Flamengo durante jogo contra o Santos Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, em Lisboa

24/09/2019 12h00

Ao falar sobre a revelação Reinier, Jorge Jesus disse ver "um menino cinco anos à frente", que lembra Kaká. O mesmo entusiasmo foi detectado em elogios ao volante Vinícius Souza, "um jogador acima do que é normal". Mais garotos receberam afagos do técnico desde a sua chegada ao Flamengo, em junho. É um lado pouco conhecido e que causa até estranheza em Portugal, onde o treinador já foi até mesmo alvo de "rebelião" justamente por olhar pouco para a base.

O mesmo Jesus que transformou o espanhol Pablo Marí em um paredão na defesa, recuperou Gerson no meio e pôs Gabigol de volta à seleção brasileira não perde os mais novos de vista no Ninho do Urubu. Ainda que sem a certeza de um projeto a longo prazo, está plantando as sementes para que uma nova safra de talentos siga os passos de Vinícius Júnior, Lucas Paquetá, Léo Duarte e companhia. Uma postura quase que irreconhecível entre os seus compatriotas.

Dono de uma carreira construída praticamente toda ela em Portugal, Jesus nunca foi exatamente um especialista no trato com pratas da casa. Com um estilo mais vibrante, reações espontâneas e dificuldade para dominar a arte da comunicação, o técnico costumava usar uma expressão folclórica para evitar que jovens jogadores se deslumbrassem nos primeiros treinos ao seu lado. "Ainda nem comem arroz e já querem comer camarão", repetia com frequência, arrancando gargalhadas dos mais veteranos.

Nem sempre todos riam, contudo.

Foi assim em janeiro de 2014, quando, após jogo do Benfica contra o Leixões, pela Taça da Liga, ele foi perguntado em coletiva de imprensa se o substituto do sérvio Nemanja Matic, então recém-negociado com o Chelsea, estaria na base. A sua resposta gerou, então, revolta no centro de treinamento de Seixal, nos arredores de Lisboa.

"Substituto dele na formação? [Eles] Tinham de nascer dez vezes [para isso]", disparou.

Então capitão dos juniores do Benfica, o meia Filipe Nascimento recorreu às redes sociais para desabafar. "Nasceremos mais nove vezes se for preciso, ninguém nos rouba o sonho de uma vida", escreveu. Ele foi acompanhado por Bernardo Silva, hoje destaque do Manchester City. "É isso, meu garoto! A minha mãe já me disse que, se for preciso, me mata e ressuscita mais umas quantas vezes", afirmou.

Naquela altura, o caso dominou o noticiário do país, e Jesus foi obrigado a voltar atrás em seu posicionamento dias depois. O incidente é citado ainda hoje em Portugal como exemplo da falta de tato do técnico de 65 anos na lapidação de talentos.

Ao contrário do que acontecia cinco anos atrás, Filipe crava que "agora não é preciso nascer mais dez vezes para ser aposta no Benfica". Ele preferiu, ainda assim, não se alongar sobre a controvérsia ao UOL Esporte, acrescentando que "o assunto passou" e "está tudo tranquilo".

O episódio se tornou um fardo para Jesus, que virou o treinador que deixou passar Bernardo Silva, negociado com o Monaco depois que a comissão técnica disse que utilizá-lo como lateral esquerdo. Um dos principais nomes do City atualmente, ele não esconde o ressentimento por não ter tido uma chance no clube de seu coração.

"Jesus não me considerava suficientemente bom para jogar no Benfica. Tive de encontrar outra forma de seguir em frente. Não tenho qualquer problema com ele, mas não somos amigos. Quando saí, quis provar que eles estavam enganados. Isso acabou por me motivar ainda mais", disse, em entrevista recente.

Em seu desafio posterior, no Sporting, Jesus entrou em atrito com o então presidente Bruno de Carvalho, em parte porque o cartola queria mais espaço para a base na equipe principal. Para o alívio flamenguista, esse passado não tem encontrado eco em seu presente.

Ao realizar o sonho profissional de trabalhar no Brasil, o "Mister" deixou a resistência para trás. Talvez tenha consciência de que, para seguir embalado no Campeonato Brasileiro e, ao mesmo tempo, na Libertadores, será preciso contar com jovens como Reinier, Thuler e Vinícius Souza.

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