Topo

Manaus, o lugar onde o futebol feminino é o verdadeiro esporte nacional

Comemoração de gol do Iranduba da Amazônia - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS
Comemoração de gol do Iranduba da Amazônia Imagem: MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS

Felipe Pereira e Giovana Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

08/07/2017 04h00

Manaus é um ponto fora da curva. Como em todo país, o futebol é o esporte nacional, mas a torcida só sai de casa quando ELAS jogam. No Amazonas, é a versão feminina que gera paixão e leva milhares de pessoas aos estádios. Méritos do Iranduba, principal time do Estado, e que bate recordes contínuos de público.

O mais recente foi na semifinal do Campeonato Brasileiro, contra o Santos, na última semana: 25.371 torcedores. E não tem essa de entrada franca, eles pagaram ingresso. O feito foi matéria até em jornais de Portugal. Nem as equipes femininas de Corinthians e Flamengo levam fração disso aos seus jogos. O Iranduba criou um novo patamar no futebol feminino.

A vibe em Manaus é tão boa que até as adversárias gostam de enfrentar o Iranduba. Caso de Ketlen, jogadora do Santos que marcou o gol da vitória nas semifinais do Brasileirão por 2 a 1. “Na verdade, a ficha não caiu a respeito do tanto de torcedores que tinha lá. A gente não encontra isso em nenhum lugar do Brasil. Dos lugares em que eu joguei, recorde de público só em Manaus”, conta a jogadora.

Um marco no futebol feminino

O Iranduba coloca por terra a afirmação de que o futebol feminino não tem mercado. O clube põe milhares de pessoas no estádio, vende camisas e tem jogadoras tietadas nas ruas. Ex-capitã da seleção feminina e comentarista da ESPN, Juliana Cabral, diz que levar 25 mil pessoas é um feito que será citado quando contarem a história do futebol feminino no Brasil.

"Sem dúvida nenhuma, para a realidade do futebol feminino atual é um marco. O Iranduba entrou para história", disse ela. 

Para Juliana, o Iranduba leva o conceito de "jogar em casa" à modalidade. Ela lembra que no ano passado o Corinthians, por exemplo, mandava suas partidas em Osasco e, agora, está em Barueri. O Santos, por sua vez, saiu do seu centro de treinamento para a Vila Belmiro. Antes do fenômeno Manaus, segundo a comentarista, não existia identificação do torcedor com um estádio. O chamado "fator casa" não decidia jogos.

Jogadora do Iranduba tira selfie com torcedora - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS
Imagem: MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS

No vácuo do futebol masculino

A comparação dos números com o futebol masculino no Amazonas não dá nem para a saída. A última vez que o Estado teve representante na primeira divisão do Campeonato Brasileiro foi na década de 1980. A final do Estadual masculino deste ano, para efeito de comparação, foi acompanhada por 3.079 pessoas.

O diretor de Marketing do Iranduba, Adriano Pereira, não esconde que a falta de times masculinos na elite colaborou. "O povo amazonense é apaixonado por futebol e desde 1981 não tem clube na primeira divisão. Faz falta para o público e de repente aparece uma oportunidade. Isto despertou interesse no amazonense de ir ao estádio"

Um fator ressaltado por Juliana é que o Iranduba inverte a tese de que o crescimento do futebol feminino precisa passar por clubes de massa terem equipes femininas."O Iranduba foi fundado em 2011. Mas é algo bem pensado, bem organizado. Formaram um time de qualidade que aos poucos foi criando identificação com a cidade." 

A avaliação da ex-capitã da seleção é que há mais de um caminho e o sucesso é consequência de estreitar laços com o torcedor

Qual é a fórmula do sucesso?

O público é tão grande que o Iranduba passou a mandar seus os jogos na Arena da Amazônia - estádio que foi sede da Copa do Mundo. Os números do confronto do Iranduba contra o Santos dão seguimento a uma série de recordes que começou ano passado, quando 17,3 mil pessoas foram assistir a uma partida diante do Adeco/SP. Detalhe: era um jogo do time sub-20.

O sucesso do time tem dois pilares: aproximação com a torcida e fazer do Iranduba o time do Amazonas. Gisellinha é jogadora do Iranduba. Também é popular nas redes sociais. O clube percebeu isso e perguntou se ela gostaria de oferecer ingressos por Facebook e Instagram. Ninguém tem muitos seguidores se não for carismático. Proposta aceita, a ideia foi um sucesso.

“Pego a imagem do ingresso, com local, horário e coloco no meu Face. Eles passam o telefone e marco um lugar para entregar os ingressos. As vezes a gente se sente até da Fórmula 1. Pedem para tirar fotos, dar autógrafos, conversar. As vezes dão presentes: ursinhos, cartas”, comemora.

A iniciativa vende ingressos, aumenta a identificação com o time, cria ídolos e reforça a marca. “Queremos o público perto do clube, temos aberto as portas para o torcedor enxergar o time como um clube que representa o Estado do Amazonas e fazendo que o povo se sinta orgulhoso", diz Adriano Pereira, diretor de marketing do clube. 

Reação ao preconceito virou símbolo

Flechada do Iranduba - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS
Imagem: MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS

O Iranduba aquecia para o jogo contra a Ferroviária (SP), no ano passado, quando os torcedores colocaram a mão na frente da boca e começaram a fazer o barulho de um índio. Teve troco. O time de Manaus ganhou e na comemoração do gol imitou um índio atirando uma flecha.

“Inicialmente não foi jogada de marketing. Aquilo era depreciativo, discriminava o povo de Manaus, era uma brincadeira de mau gosto. Quando fizeram gol, imitaram o gesto de índio guerreiro. Tornou uma marca. Hoje a gente usa a #flechada", diz o diretor de marketing.

Outra hashtag do Iranduba é  #AvanteHulk #FechadosComOHulk. O super-herói foi adotado como mascote do time por motivos simples: ele é verde, mesma cor do uniforme, e poderoso.

O dirigente sabe que desta maneira vai atrair mais interesse. Tem dado certo. A equipe fechou acordo de patrocínio com a Copag (empresa de baralhos) e no jogo contra o Flamengo, pelas quartas de final do Campeonato Brasileiro, foram vendidas 400 camisas. Era o estoque inteiro daquele dia.

Pressão no visitante

iranduba - BRUNO KELLY/ALLSPORTS - BRUNO KELLY/ALLSPORTS
Imagem: BRUNO KELLY/ALLSPORTS

O Iranduba acabou derrotado pelo Santos por 2 a 1 na primeira semifinal do Brasileiro Feminino, mas a fama da casa cheia já acompanha o time, tanto que a comissão técnica do Santos preparou as jogadoras para lidar com este fator. Ainda assim, a atacante Ketlen não soube como reagir ao fazer o gol da vitória. 

“Lá é completamente diferente de qualquer outro lugar que eu já joguei. Na verdade, a pressão foi muito grande. A ficha ainda não caiu do tanto de gente que tinha lá. A gente não encontra isso em nenhum estádio”, concluiu.

A caminho da profissionalização

Iranduba é uma cidade com 42 mil habitantes na região metropolitana de Manaus que cresceu na década de 1970 após a implementação da Zona Franca. O presidente do time, Amarildo Dutra, conta que no ano de fundação da equipe, 2011, as atletas precisavam cruzar o Rio Negro de canoa ou voadora para treinar.

O time avançou, mas ainda tem uma folha salarial modesta, quase 60 mil reais. Também não há contratos com as atletas. O presidente diz que deve alinhar seu estatuto conforme a Lei Pelé em julho. Até este dia, pode deixar de ganhar um bom dinheiro.

“Hoje pelo fato delas não serem profissionais eu posso perder uma atleta. É o caso recente, que eu perdi uma atacante (Kélen Bender) que foi para a Coreia (do Sul) e nisso o clube não recebe um centavo de retorno”, lamenta.

iranduba - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS - MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS
Imagem: MICHAEL DANTAS/ALLSPORTS

O presidente do time acerta detalhes para lançar o primeiro programa de sócio torcedor do futebol feminino brasileiro. A previsão é anuncio dos detalhes em setembro.

“Nós temos que aproveitar esse boom. Faltam os acertos finais com a empresa, estamos discutindo algumas condições e espero que até o fim de setembro a gente lance”, revelou Amarildo Dutra.

O restante dos clubes buscam repetir o resultado do time com a torcida. Se fracassarem, ele continua sendo um ponto fora da curva. O êxito dos outros clubes femininos transforma o Iranduba no primeiro de muitos casos de sucesso.