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Capitão do Brasil em 74 virou piada e saiu foragido do Barcelona para não servir a Marinha espanhola

Marinho Peres nos tempos de Barcelona, década de 70 - Arquivo Pessoal
Marinho Peres nos tempos de Barcelona, década de 70 Imagem: Arquivo Pessoal

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

24/02/2013 06h00

Moral de ser o capitão brasileiro de uma Copa do Mundo e ser cobiçado e contratado por um dos maiores times do mundo: o Barcelona, que tinha como treinador o lendário holandês Rinus Michels e os craques Cruijff e Neeskens, da seleção holandesa de 1974 que encantou o mundo.

Tudo isso que parecia ser um sonho para um jogador brasileiro acabou se transformando em pesadelo, dias de tensão e até uma fuga da Espanha, na surdina, e com risco de prisão caso fosse flagrado. Essa situação foi vivida pelo ex-zagueiro e treinador Marinho Peres, capitão da seleção brasileira em 1974 e com passagens por Santos, Palmeiras e Internacional, entre outros.

A boa participação naquele Mundial, em que o Brasil caiu contra a Holanda na semifinal, despertou o interesse do time catalão pelo defensor, então no Santos. Mas a imposição para que a transação fosse concretizada era a de que ele tirasse a cidadania espanhola antes mesmo de chegar a Barcelona para não ser considerado um jogador estrangeiro.

A equipe comandada por Rinus Michels já tinha Cruijff e Neeskens como os estrangeiros, e não era possível ter três em campo. Marinho é filho de um casal espanhol que veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Seu pai, de sobrenome Peres, era médico em Madri. E sua mãe era da cidade Navarra, na região do País Basco.

MARINHO PERES COM A CAMISA DO BARCELONA

  • Arquivo pessoal

Descendente direto, o zagueiro não teve problemas para conseguir a cidadania. Mas lembra que logo que saiu da embaixada espanhola no Brasil recebeu um aviso. “O funcionário me falou que era pra eu tomar cuidado com aquilo porque, como espanhol, eu teria que servir as forças armadas espanholas”, lembra.

E não deu outra. Logo que se estabeleceu na capital da Catalunha, Marinho passou a ser bombardeado de avisos para se apresentar à marinha local, em serviço que tinha duração de três anos. “Tive que ir um dia até lá pra mostrar que estava vivo”, lembra. Eis que o Barcelona e Marinho foram tentando adiar ao máximo a apresentação oficial. O clube tentava usar de sua influência no esporte para convencer as Forças Armadas a abortar a ideia. Mas não surtia efeito.

Em cada cidade em que ia jogar, Marinho Peres era alvo de chacota, gritos da torcida, provocação de atletas rivais e constantes perguntas da imprensa sobre sua apresentação. “Aí virou motivo de gozação. Os madrilenos falavam que o Barcelona tinha contratado um jogador que tinha que servir o Exército [sic]. Eu era motivo de risos. Como eu daria entrevista sendo que só perguntavam se fui contratado para o serviço militar? A cada lugar que eu ia jogar a torcida falava isso, a imprensa. Era uma piada. Ninguém falava de outra coisa comigo. Torcedor gritava, jogador falava. Minha cabeça ficava sempre nisso”, recorda.

O ex-capitão da seleção brasileira lembra que os dias eram tensos já que estava sozinho, sem a ajuda da família. Era difícil ter a cabeça sã para jogar. “Imagine só estar em um lugar desses sozinho e pressionado para servir as Forças Armadas. Eu não jogava o que poderia jogar”, relembra.

Mas um dado momento a situação ficou realmente insustentável e perigosa. Depois de um ano e meio, as tentativas do clube de contornar a situação se esgotaram e Marinho poderia ser abordado a qualquer momento em sua casa ou no clube para se apresentar compulsoriamente para o serviço de três anos. Eis que o Barcelona iniciou uma negociação relâmpago com o Internacional-RS. O então técnico do time gaúcho, Rubens Minelli, ligava para Marinho. “Eu falava pra ele falar com o pessoal do Barcelona, pois tinha até medo de falar no telefone”, disse Minelli.

Depois de acertada a venda, o clube catalão avisou Marinho para que fosse embora do clube, de repente, sem avisar ninguém. Disponibilizou um táxi que o levaria para a França e mandou que fosse embora. “Chegou um momento que o Barcelona falou ´Marinho, você tem que ir, tem que se mandar´. O próprio Barcelona deu a dica, mas falou ´qualquer coisa não somos nós´. O Barcelona em tese não poderia estar envolvido nisso. Nem me despedi dos jogadores. Depois da minha saída é anunciaram que eu tinha ido embora”, falou.

MARINHO PERES ATUALMENTE

  • José Ricardo Leite/UOL

“Então tive que fugir para o Brasil. Eles tiraram meu passaporte espanhol. E fugi pro Brasil com meu passaporte brasileiro pela França, por trás nos Pirineus. Deram uma dica pra mim e saí por trás. Peguei um táxi e saí sem me despedir, sem ninguém ver. Eu tinha que sair como foragido, pois fazer Marinha eram três anos, né?” recordou.

Marinho Peres então chegou ao Internacional e passou a questionar na embaixada espanhola no Brasil se sua situação estava normalizada. Mas nunca estava. Ele passou aproximadamente 15 anos sem poder pisar no solo espanhol. Teve que ir em uma oportunidade, no final da década de 80, com o Belenenses, para jogar em Barcelona por uma competição europeia. Ficou assustado.

“Chegando lá os caras falaram 'você pode ser preso porque é um desertor'.  Ainda bem que ninguém da polícia me pegou. Fiquei muito tempo sem poder entrar lá. Mas aí que uma vez fui avisado pelo Brasil que estava livre e poderia entrar”, lembrou.

Depois disso, voltou à Espanha normalmente com o problema resolvido. “Acho que depois que o Franco morreu, a situação ficou melhor.”

Marinho Peres vive atualmente em São Paulo e Sorocaba. Teve seu último trabalho como treinador em 2011, em Angola, e espera oportunidade para poder voltar a exercer a função.