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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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SAF só vai funcionar se futebol brasileiro mudar ambiente caótico

Compra de 90% das ações do Cruzeiro pelo ex-jogador Ronaldo em uma transação de R$400 milhões chacoalhou o futebol brasileiro neste sábado - (Foto: Reprodução/Instagram)
Compra de 90% das ações do Cruzeiro pelo ex-jogador Ronaldo em uma transação de R$400 milhões chacoalhou o futebol brasileiro neste sábado Imagem: (Foto: Reprodução/Instagram)

24/12/2021 04h00

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A compra do Cruzeiro por Ronaldo, com a constituição de uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol), soou como um primeiro passo para uma revolução no futebol brasileiro. De repente, vislumbra-se um mundo com gestão profissional para levar o Brasil para ambiente similar ao que se vive na elite do esporte na Europa e nos EUA. Mas essa é uma realidade que só ocorrerá se for acompanhado de uma regulação do caos que é a "paixão nacional".

A SAF nada mais é do que uma empresa capitalista: pode ser rentável ou não a depender da sua capacidade de gerar renda e sustentar seus custos. E a ampliação da receita no futebol nacional depende de se criar um produto atrativo.

E o que impede o futebol brasileiro de ser um produto atrativo como uma Premier League ou uma La Liga? Vamos entender ponto a ponto.

Primeiro, o produto é ruim porque é mal organizado. O calendário brasileiro é organizado para atender interesses políticos da CBF e suas filiadas federações, e não para desenvolver melhor o esporte. Há excesso de jogos, Estaduais desinteressantes e conflitos com os jogos da seleção. Isso reduz a atratividade dos jogos.

Nos aspectos técnicos, a CBF também é falha ao se mostrar incapaz de estruturar uma arbitragem minimamente confiável e de permitir a disputa de jogos supostamente de elite em pastos. O impacto na qualidade do jogo é brutal.

Em outro ponto, clubes e CBF são culpados também pela falta de regulação financeira no futebol nacional. O Fair Play financeiro - série de regras para controle das contas de clubes - capenga porque uma parte dos clubes não quer, e a confederação o posterga ad eternum.

Ronaldo promete tornar o Cruzeiro um clube sustentável e terá como principal competidor um Atlético-MG financiado por empréstimos seguidos de um mecenas - todos legais pelo sistema atual. Por anos, quase todos os clubes não pagaram impostos para investir no futebol em uma correria para ver quem levava a vantagem mais desleal.

Aí vem a parte em que os clubes são culpados solitariamente. Desde 2011, têm se mostrado incapazes de vender seus produtos da forma de maximizar o seu valor. O Brasileiro é vendido em contratos individuais, sem nenhum pensamento para promove-lo de forma única como um produto.

Agora, em 2021, criaram uma Liga que é, sim, uma promessa de virada neste sentido. Já fizeram um acordo para a venda de direitos de forma coletiva - e negociam uma empresa para compra de parte do campeonato. Se a Liga vingar, de fato, os clubes terão feito uma revolução neste sentido.

Como gostam de falar os economistas, o empreendimento futebol brasileiro é cheio de gargalos. Qualquer conversa com potenciais investidores no esporte vai revelar como a falta de dinheiro tem direta relação com os riscos causados por esses entraves. Ambientes instáveis repelem o capital.

A SAF pode, sim, ajudar neste aspecto. Na Premier League, a entrada em massa de donos dos EUA para comprar os clubes ingleses ajudou a forçar uma profissionalização da liga que, aliás, só ganhou esse nome com sua nova formatação. Eram capitalistas, queriam ganhar dinheiro, não havia como em meio ao caos.

Por que não adiantará nada que os clubes brasileiros passem a ter um casco moderno, donos e tudo em volta continue igual.