Da promessa às lembranças: torcedores de Corinthians e Ponte revivem 1977
Corinthians e Ponte Preta voltarão a decidir o Campeonato Paulista neste domingo, em Campinas, 40 anos depois do duelo histórico de 1977, que quebrou o jejum de títulos do time corintiano.
A fim de relembrar a decisão de quatro décadas atrás, o UOL Esporte selecionou e ouviu seis torcedores que estiveram no Estádio do Morumbi nas finais de 1977. As histórias contadas por corintianos e ponte-pretanos revelam sofrimento, promessas e lembranças das três decisões do Estadual daquele ano.
As partidas foram disputadas nos dias 5, 9 e 13 de outubro daquele ano, todas no Morumbi. O Corinthians venceu a primeira por 1 a 0, gol do atacante Palhinha. No segundo duelo, o time corintiano já poderia ser campeão e até saiu na frente, com Vaguinho. A Ponte, porém, conseguiu virar o jogo. No derradeiro confronto, o Corinthians voltou a bater a Ponte por 1 a 0, gol de Basílio aos 36 minutos do segundo tempo.
"Foi a maior emoção da minha vida num estádio"
Dante Grecco, 54, assistiu às três decisões de 1977, sempre ao lado do pai e de um amigo. O torcedor lembra da decepção após a derrota do Corinthians na segunda partida, após o time sair na frente. Ele diz que ficou sem dormir nos dias que antecederam a última. No dia 13, o abraço de corintianos anônimos marcou o menino de 13 anos.
"Eu me lembro bem da falta que originou o gol, da bola levantada pelo Zé Maria, do bate e rebate na área e de, mesmo ao longe, perceber que a bola havia entrado. Vi muita gente chorando. Homens feitos, barbudos, senhores, corintianos de várias idades, pobres, ricos, descendentes de italianos como nós, de portugueses, espanhóis, japoneses, judeus, descendentes de árabes, nordestinos, gente do interior. Todo mundo chorava e se abraçava."
"Me chamou muita atenção o silêncio e a tristeza"
Alexandre Di Ciero, 49 anos, foi ao Morumbi ao lado pai, Ângelo, que faleceu há três anos. Dessa vez, o torcedor da Ponte, nascido em Itu, pretende voltar a São Paulo para ver o último jogo, agora ao lado do filho de 16 anos.
"Eu e meu pai éramos muito assíduos. A Ponte tinha tudo para ser campeã. A quantidade de jogadores selecionáveis era imensa. Foi um jogo muito disputado. A gente torceu muito naquele dia. Havia muitos torcedores da Ponte naquele dia. Uma coisa que me chamou muita atenção foi o silêncio e a tristeza após o gol do Corinthians. Meu pai tentou me consolar. Ele me dizia: será que eu vou morrer e nunca vou ver a Ponte campeã? Quem sabe isso aconteça agora."
"Oswaldo Brandão deixou o estádio no carro da Rota"
Ivan Marques, 59 anos, assistiu às três partidas da final na arquibancada do Morumbi. No dia 13, foi testemunha de uma cena inusitada: viu o técnico do Corinthians, Oswaldo Brandão, deixar o estádio no carro da polícia. Em contrapartida, o torcedor corintiano não conseguiu ver o desfecho da jogada do gol do título. Segundo ele, havia muita gente e só foi possível acompanhar o começo do lance e a rede balançando.
"Foi uma catarse. Depois da decepção do domingo, o último jogo foi uma coisa elétrica. Uma cena que me marcou muito foi na saída do estádio. Estava dentro de um carro com outras quatro pessoas, nos arredores do Morumbi. Vimos uma Veraneio da Rota ao lado. Lá dentro estava o Oswaldo Brandão (técnico do Corinthians). Foi uma loucura. Todo mundo que percebeu começou a cercar o carro da Rota em plena ditadura. O Brandão saiu escoltado do estádio porque não teria como sair com tanta festa."
"Fico contente de participar dessa história outra vez"
Tina, 73 anos, foi aos três jogos da decisão de 1977, ao lado de outras dez pessoas da família, incluindo o ex-marido, que trabalhava no Corinthians à época, as duas filhas e a mãe, que faleceu em 1980. Todos estiveram também na invasão de 1976, contra o Fluminense no Maracanã.
"Fico contente de participar dessa história outra vez, vou fazer uma camiseta de 40 anos. Irei à Arena Corinthians. O título de 1977 eu não esqueço, pois minha mãe estava junto. Ela fazia aniversário dia 9 de outubro (data da segunda final) e faleceu três anos depois. Minha filha, que também estava no Morumbi, faz aniversário dia 13 de outubro (data da decisão). Íamos em todos os jogos", disse Tina.
"O gol de Basílio foi do lado onde estávamos. Nos minutos finais ainda tinha muita apreensão, com medo de um empate. Era o grande sonho, eu era pequena, tinha 11 anos, e não sofri todos os anos, mas meus pais, sim. Uma coisa que marcou muito foi a festa no Minhocão depois do jogo. As pessoas paravam os carros para comemorar. A reedição da final é algo místico, é fascinante imaginar que isso vai acontecer 40 anos depois", disse Valquíria, 51, filha de Tina.
"Fiz uma promessa e nunca mais voltei a um estádio"
Raimundo Nonato, 72, nunca mais voltou a um estádio para ver o Corinthians depois de ir às finais de 1977. No último jogo, o torcedor corintiano prometeu nunca mais voltar a um estádio de futebol caso o Corinthians voltasse a ser campeão depois de 23 anos. O sofrimento, mesmo com a vitória, passou da conta suportável.
" Nem quando o Corinthians veio jogar aqui em São Bernardo eu fui. Foi uma dor muito grande, mas eu fiz a promessa. No dia que ganhou, era muita gente de joelho no estádio. Eu falei: 'se for campeão, nunca mais vou num jogo'. Estava na arquibancada, achei que ela ia cair de tanta gente torcendo. Não acreditei quando o Basílio marcou o gol. A bola não entrava. Acho que foi até de canela aquele gol. Me lembro daquilo e começo a chorar. Sofri demais aquele dia."
"O Corinthians tinha de ganhar de qualquer maneira"
Jair Corrêa, 67, só acompanhou o segundo jogo da final, justamente quando a Ponte calou mais de 120 mil corintianos presentes ao Morumbi. O ponte-pretano não foi ao Morumbi na última partida porque tinha de trabalhar. Ele, porém, admite um pouco de receio por cauda da torcida do Corinthians, que, segundo ele, levou o time corintiano ao título.
"Eu nunca tinha visto um jogo do Corinthians. Fiquei impressionado com a torcida naquele dia. Mas a vitória da Ponte Preta marcou muito mais. Estava num cantinho do Morumbi. Saímos de Campinas numa Kombi. O Corinthians tinha de ganhar de qualquer maneira, pela situação que o país estava. Aquele povão todo poderia ficar revoltado. A expulsão do Rui Rei não foi explicada até hoje."
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