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Decisão de juiz australiano foi quase um pedido de desculpas a Djokovic

EFE
Imagem: EFE

Colunista do UOL

10/01/2022 16h30

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Ainda na primeira parte da audiência que terminou com Novak Djokovic autorizado a entrar no país e, consequentemente, disputar o Australian Open, há um trecho em que o juiz federal Anthony Kelly, após ouvir os advogados do tenista, afirmou:

"Um fato significante, particularmente no contexto do cancelamento de um visto uma vez que a pessoa desembarca é que aqui um professor e um médico muito qualificados produziram e concederam ao aplicante [Djokovic] uma isenção médica. O que mais esse homem [Djokovic] poderia ter feito?"

A linha de raciocínio já mostrava um juiz simpático à causa do tenista, e a decisão final seguiu a mesma lógica. O juiz Kelly anulou a decisão de cancelar o visto de Djokovic e determinou que o passaporte do número 1 do mundo fosse devolvido ao dono o mais rápido possível. O argumento principal para isso foi o pouco tempo dado pela Imigração australiana para que o sérvio pudesse dar explicações sobre os documentos que portava ou deixava de portar em seu desembarque no aeroporto de Melbourne.

O dilema

Djokovic recebeu de autoridades australianas uma isenção médica para entrar no país sem se vacinar. Ele conseguiu o documento após argumentar que testou positivo para covid no dia 16 de dezembro de 2021. O pedido do tenista foi analisado por dois painéis de especialistas: um formado pela Tennis Australia, a federação de tênis do país e organizadora do Australian Open; e outro constituído pelo governo do estado de Victoria, onde Melbourne está situada. Para ambos painéis, o teste positivo de PCR apresentado por Djokovic foi o bastante para que a isenção fosse concedida.

No entanto, o governo federal australiano argumenta que apenas o teste positivo de covid não deveria isentar ninguém de se vacinar. O ministro da Saúde, inclusive, apresentou uma carta em que informava a Tennis Australia sobre essa exigência. E foi isso que a polícia alfandegária australiana disse a Djokovic enquanto o tenista era impedido de entrar no país. Esse impasse, contudo, nem teve tanta relevância na argumentação do juiz Anthony Kelly.

O magistrado afirmou que cancelar o visto do número 1 do mundo não foi uma medida justa porque Djokovic foi informado às 5h20min de quinta-feira que teria até as 8h30min para dar explicações sobre a documentação que portava para entrar no país e por que acreditava que ela era suficiente. O horário era importante porque às 5h20min Novak não conseguiria falar nem com seu empresário nem com diretores da Tennis Australia (a transcrição das conversas de Djokovic com oficiais da Alfândega está aqui - em inglês).

A Imigração, no entanto, voltou a questionar Djokovic às 6h14min da manhã, e a decisão de cancelar o visto do tenista foi tomada às 7h42min. "O aplicante [Djokovic], portanto, não pôde dar suas explicações às 8h30min", disse o juiz Kelly. O magistrado ressaltou que se a Imigração tivesse esperado até as 8h30min, Djokovic poderia ter consultado outras pessoas.

Quase um pedido de desculpas

Ao dar importância secundária à questão da vacinação, o juiz Kelly praticamente pediu desculpas a Djokovic pela confusão provocada pelas autoridades australianas. Sem entrar no mérito das exigências federais (leia a decisão aqui), o magistrado julgou baseado sobretudo no tratamento dado ao número 1 do mundo no aeroporto de Melbourne. Kelly considerou também que Novak fez tudo a seu alcance com as informações que lhe foram passadas.

Há dois pontos importantes que Kelly não citou explicitamente em sua decisão por escrito, mas certamente levou em conta:

1) Djokovic não sabia que o governo federal exigia vacinação mesmo para quem havia testado positivo para covid. Na conversa com um oficial da Imigração, o sérvio até se confunde e argumenta que a isenção havia sido concedida por autoridades federais (na verdade, foram estaduais).

2) Djokovic nem tinha obrigação de saber sobre tal distinção. Cabia à Tennis Australia informar corretamente os atletas sobre isso, por isso não há má intenção na conduta do sérvio. Não parece razoável acreditar que Novak teria embarcado se não tivesse certeza absoluta que entraria no país sem problemas. Foi baseado em uma informação incorreta que Djokovic desembarcou em Melbourne sem preencher os tais requisitos do governo federal (vacinação mesmo para quem testou positivo para covid nos últimos seis meses).

O que Djokovic deveria explicar

Juridicamente falando, talvez não vá fazer diferença para as autoridades australianas, mas a imagem de Djokovic sai arranhada mais uma vez. Após testar positivo para covid no dia 16 de dezembro, o número 1 foi a um evento com crianças sem usar máscaras no dia 17 e participou de um ensaio fotográfico para o jornal L'Équipe no dia 18. Ou será que ele passou esse tempo todo sem saber o resultado do teste? Aliás, por que ele testou? Foi teste de rotina? Ou alguém pediu? Se sim, por que pediu? De qualquer modo, não seria mais sensato aguardar o resultado antes de sair para atividades em público - e sem máscara?

São questões que, independentemente do que as autoridades australianas resolverem - o governo ainda pode recorrer e buscar a deportação do sérvio - seria de bom tom se Djokovic explicasse. Nesta segunda-feira, em coletiva realizada em Belgrado, Djordje Djokovic, irmão mais novo de Novak, foi indagado sobre o teste positivo no dia 16 e a atividade com crianças no dia 17. Sua resposta? Não houve. Encerrou a coletiva imediatamente.

Coisas que eu acho que acho:

- No encerramento da audiência, o advogado do governo australiano, Christopher Tran, informou o magistrado de que o ministro de Imigração, Cidadania, Serviços a Imigrantes e Relações Multiculturais ainda consideraria a possibilidade de exercer seu poder pessoal e voltar a cancelar o visto concedido a Djokovic. Se isso acontecer, o tenista sérvio pode ficar sem poder entrar na Austrália por três anos.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: Dilemme, por Lous and The Yakuza, tha Supreme e Mara Sattei.