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REPORTAGEM

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Marcelo Zormann: após a depressão, o retorno ao tênis e um pedido de ajuda

Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza

Colunista do UOL

09/04/2021 04h00

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Durante alguns anos, Marcelo Zormann foi uma das maiores esperanças do tênis brasileiro. O paulista nascido em Lins foi número 12 do mundo como juvenil e, na faixa etária, conquistou o título de duplas de Wimbledon e a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos da Juventude - ambos com o velho amigo Orlando Luz.

Como profissional, Zormann venceu três torneios da série Future (Montes Claros, no Brasil; Bol, na Croácia; e Villa del Dique, na Argentina) e alcançou o 467º posto no ranking mundial. Nas duplas, fez mais e chegou a ser o #264 do planeta. Era uma carreira ainda em ascensão quando o jovem, então com 22 anos, foi diagnosticado com depressão e abandonou o circuito.

Zormann procurou ajuda. Buscou uma psicóloga, tomou a medicação indicada e passou por um processo de autoconhecimento - quase tudo isso durante uma pandemia. Profissionalmente, passou a dar aulas de tênis e conheceu o "outro" lado do esporte quando trabalhou na assessoria de imprensa do Challenger de Campinas e deu o pontapé no projeto A Voz do Tênis, que publica relatos em primeira pessoa de tenistas que têm histórias inspiradoras e pouco conhecidas.

Agora, quase três anos depois de seu último torneio oficial, Zormann está de volta. Mudou-se para São Carlos (SP), passou a treinar na academia Win, com o renomado Elson Longo, e faz planos para retornar ao circuito. Para isso, porém, precisa de ajuda financeira e abriu uma vaquinha virtual. Além de tentar juntar o valor necessário para viajar e competir, Zormann vai doar 20% para a Escolinha de Tênis Fabiano de Paula, na Rocinha, no Rio de Janeiro.

Zormann frase 1 - João Pires/Fotojump - João Pires/Fotojump
Imagem: João Pires/Fotojump
Durante a preparação, o paulista, hoje com 24 anos, conversou comigo por telefone. Deu detalhes de sua recuperação, falou sobre como foi encarar a pandemia e o que aprendeu trabalhando ao lado de jornalistas e, por último, disse o que quer do tênis nesse retorno. Spoiler: o foco será nas duplas. Leia a íntegra do papo abaixo.

Seu último torneio foi em julho de 2018, quando você parou para se tratar. Em que momento você percebeu que estava bem para voltar a competir? O que foi preciso fazer para chegar a esse momento? E quando foi que você chegou a essa conclusão?

O primeiro passo que qualquer um tem que dar é buscar ajuda profissional. É o primeiro passo e é o fundamental. Não tem outra escolha, sabe? É tipo você precisar de uma cirurgia quando não tem escolha. Esse passo, para mim, foi o mais tranquilo, mas tem muita gente que tem muita dificuldade. Eu comecei a fazer terapia e tomar remédio logo em 2018. Eu comecei em Rio Preto, mas como estava ruim essa logística de ficar viajando para fazer terapia [Zormann morava em Lins] e terapia online não iria ser tão legal, eu fiquei um mês sem fazer. Não piorou, mas acabou atrapalhando um pouco. Era quando eu estava decidindo o que ia fazer da minha vida. Foi quando surgiu a oportunidade de eu ir para Paulínia, e eu voltei a fazer terapia e tomar remédio de novo. E aí você passa por todo processo de autoconhecimento. Tem que tomar a medicação todo o tempo, sem falhar. A psicóloga vai perguntando como você está se sentindo e, aos poucos, você vai reduzindo o número de sessões. Eu fazia uma vez por semana, depois passou a ser uma vez a cada duas semanas. Mas se você sente que é muito tempo entra as sessões, pode fazer uma chamada. Então você vai tirando as sessões aos poucos até que ela [psicóloga] dá alta. Mas você segue em observação. Eu mantive contato com ela, e eu também me observava bastante também. No começo, dá um pouco de medo. Com qualquer coisinha, você fica "estou só chateado com alguma coisa ou estou chateado sem motivo?", sabe? Depois disso, voltei a jogar alguns torneios de grana aqui por São Carlos ou São Paulo...

Quando foi isso?

Em setembro ou outubro do ano passado. Foi quando eu vim para cá [São Carlos]. Estava sem treinar, estava só dado aula. Vim para cá uns dias antes, treinei e acabei ganhando o torneio. Não foi nem tanto pela questão do torneio, mas eu queria saber como ia ser competir, sabe? O desafio da competição, de estar no momento de pressão, coisa e tal. E foi muito bom. Foi uma realização. Por mais que foi um torneio muito pequeno, foi uma realização. Eu saí daqui muito feliz. Nem tanto pelo título, mas por estar me sentindo bem em quadra novamente. E aí foi amadurecendo a ideia novamente. Eu nunca tinha descartado totalmente [voltar ao circuito], e aí foi quando eu falei "Vou pensar, vou ver o que dá para fazer ou não e vou tentar de novo."

E como foi para você viver a pandemia? Pergunto isso porque muita gente caiu em depressão durante esse período. Por ficar preso em casa, por ver pessoas e parentes morrendo... Como foi para você? Como sua família lidou com isso?

Eu estava mais para o final da terapia. Tive que mudar para sessões online porque não tinha o que fazer com o lockdown. Para mim, não foi tão duro assim. Eu acho que como já estava mais para o final da terapia, você acaba adquirindo um autoconhecimento... Você se conhece muito a fundo. Coisas que você nem imagina. Alguns problemas que você tem com você que... Acaba descobrindo que o problema era você, e não outra pessoa, algum parente, alguma coisa assim. Para mim, foi um pouco tranquilo, mas ao mesmo tempo tive dias muito duros porque eu não consigo... (interrompe e muda a linha de raciocínio) Tive que dar uma diminuída em acompanhar as notícias porque eu sou um cara que não consigo ver tudo que está acontecendo, e isso não me abalar, não me comover, fazer refletir e pensar no que está acontecendo.

Em 2019, você trabalhou junto com a assessoria de imprensa no Challenger de Campinas. Como foi estar em um torneio, mas "do outro lado"?

Foi muito legal. Fazia muito tempo que eu não via os meninos [colegas de circuito] também e fazia muito tempo que eu não presenciava uma competição de alto nível. Foi mito legal porque apesar de eu ter parado de competir, eu nunca larguei as quadras. Fui dar aula [de tênis], então eu não tive nenhuma mágoa nem coloquei a culpa no tênis pelo que aconteceu. É o que eu sempre gostei muito. Foi muito legal principalmente conhecer a parte de bastidores, da organização de torneio, ver como é o trabalho da imprensa também. Acho que isso foi uma experiência que me agregou bastante também. E ver a importância que a imprensa tem no torneio. O trabalho que é feito pelo pessoal do Instituto Sports é muito importante para eles seguirem fazendo os torneios, mas eles também promovem muito bem a imagem dos jogadores, principalmente os brasileiros, né? É algo que a gente, como jogador, às vezes acha chato ter que dar entrevista, fazer um negócio ali, mas você acaba vendo a importância e o quanto as pessoas estão trabalhando para isso. Foi muito legal. Foi uma experiência muito válida.

Zorman frase 2 - João Pires/Fotojump - João Pires/Fotojump
Imagem: João Pires/Fotojump
Alguma coisa te surpreendeu naquela semana? Algo que você aprendeu e, de repente, nem imaginava que seria daquele jeito?

O que mais me surpreendeu foi o Edgar [Lepri, jornalista que trabalhou na assessoria de imprensa em Campinas]. O trabalho dele me chamou atenção porque ele pegava o áudio dos jogadores e tinha que transcrever. Eu sabia que tinha todo esse trabalho e todo mais, mas ele fazia também um trabalho de estatística que eu vi e falei "Caraca, o cara é dedicado!" porque era muito número, pesquisa de ranking... Ele tinha muito detalhe anotado. Isso foi um negócio que me chamou atenção porque da minha parte era algo mais simples: fazer publicações, gravar vídeo com o pessoal e tudo mais. A parte dele [Edgar] foi o que mais me chamou atenção.

E a Voz do Tênis? É um trabalho que também tem um lado mais jornalístico, mas é um trabalho que também precisa de muita sensibilidade. Você entrevistou Tiago Fernandes, Thiago Monteiro, Thomaz Bellucci, Bia Haddad Maia, João Lucas... Como foi ouvir essas histórias? Como foi sentar e tirar deles essas histórias? E qual foi a que te marcou mais?

A Voz do Tênis... Eu até brinco no grupo que eu tenho com o João [Victor Araripe] e o Renan [Nabeshima], dizendo que eu não faço nada. Eu sou só o cara que dá a voz do entrevistador. Na realidade, todo trabalho de roteiro, de escrever e fazer as edições, quem faz mesmo é o Renan e o João. Eles fazem o trabalho sujo. Eu faço a parte, com certeza, que é mais fácil, mas eu acredito que como eu joguei, tinha proximidade com alguns dos jogadores, eu acho que consigo trazer a leveza para a conversa. Às vezes eu sinto que tem uma interação também. Eles [jogadores] se sentem mais à vontade, e eu também me sinto muito à vontade para, às vezes, apertar em alguma coisa a mais. Está sendo muito legal. Pena que a gente não está conseguindo fazer com uma frequência tão alta, mas estou muito contente com as histórias. A que mais me surpreendeu foi a do Monteiro. Apesar de que um pouco antes de a gente fazer com ele, ele anunciou a questão de ser adotado, mas foi uma surpresa ele ter contado isso e tudo mais. A da Bia foi muito bacana, mas acho que a que mais me tocou talvez foi a última, agora, com o Martin [Rocca], que é o cara o Tennis Aid. Ele tem um projeto de ajudar as crianças da África. Ele reúne materiais de jogadores, doadores, e os caras vão até a África levar o tênis para crianças em vilas e lugares que a gente nem imagina, sabe? Ver relatos dele foi o que mais me tocou assim. E uma que foi muito legal e surpreendeu nós todos foi a do Thomaz. Ele se abriu na questão de relação com a torcida brasileira. A gente conseguiu fazer ele se abrir um pouco mais, que é uma coisa que talvez seja a maior dificuldade dele.

E foi uma coisa que a gente sempre sentiu falta, né? Ver o Thomaz se abrindo um pouquinho mais, mostrando quem ele é... Ele foi melhorando durante a carreira, mas a entrevista de vocês realmente ficou muito legal.

Todas elas, na realidade, foram muito boas. Escutar a versão da pessoa... O próprio Tiago Fernandes, sabe? Ele contando da mentalidade dele... Você começa a entender melhor a decisão dele de parar tão cedo. Todas elas [entrevistas] têm algo muito bacana.

Nesses dois anos e meio sem competir, o que sentiu mais falta?

Mais as viagens mesmo e o ambiente de torneio. Principalmente a época que a gente - eu, Orlando [Luz], Rafa [Matos] - viajava junto para os torneios e competia junto e tudo mais assim. Mas não só junto deles. Eu sinto falta de estar viajando, conhecendo uma ou outra cidade, rodando pela Europa... As competições em si, menos. O ambiente de torneio, a vontade de estar... Também competindo, mas estar fazendo algo que você ama e vivendo seu sonho é o que eu mais senti falta.

Sem querer soar poético, mas em que o Zormann de hoje é mais diferente do Zormann de 2018?

Nossa, essa me pegou (risos). Com 2018 é uma comparação que eu não tento usar de base foi um momento muito duro, eu estava muito mal, mas o que eu sinto é principalmente o amadurecimento. Com certeza, é outra pessoa em questão de empatia, de decisões, a maneira de levar a vida. A pessoa que consegue vencer e sair da depressão sai valorizando muito mais coisas como ter paz, gratidão, essas coisas. Parece besteira, mas é bem isso. Você acaba valorizando as coisas que mais importam, não liga para coisas pequenas. Às vezes, eu vejo os moleques reclamando de besteira. É valorizar muito mais a vida em si, sabe? Estar vivo, estar vivendo e vivendo bem.

Imagino que em nível de autoconhecimento também...

Sim. Bastante. O porquê de eu falar que em momento de dúvida, para a pessoa procurar psicólogo... É muito por isso também. Quando você tem um conhecimento maior sobre você mesmo, você sabe o que quer, independentemente se é algo muito difícil ou se parece banal para a maioria das pessoas. Você valoriza estar bem com você mesmo, e isso traz uma paz muito grande.

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Imagem: João Pires/Fotojump
E falando em saber o que você quer, o que você quer do tênis agora?

O primeiro passo é voltar às competições. O que mais quero é sentir o nível dos Futures - agora é M15 - mas estar sentindo voltar a jogar nesse alto nível de novo. Esse é o primeiro passo, é o que eu mais quero, mas a minha expectativa maior está para o lado das duplas. Acredito que quando eu parei, eu estava com um bom ranking de duplas - 200 e alguma coisa - então a minha expectativa está mais para o lado das duplas. Acho que eu tenho potencial para alcançar coisas grandes principalmente na dupla, mas claro que eu quero muito voltar com tudo, jogando simples e dupla, e tentar espremer o máximo, o melhor que eu conseguir chegar também nas simples. Acredito que eu tenho potencial sim para jogar com esses caras, chegar a jogar num nível bom.

Você agora está treinando em São Carlos, com o Elson Longo, e criou uma vaquinha virtual para ajudar a bancar esses custos iniciais. Fala um pouco sobre isso? Quanto você precisa? Como você fez esse cálculo?

No primeiro momento, eu não ia fazer vaquinha. Eu ia fazer uma rifa com o pessoal de Paulínia mesmo, onde eu conheci muita gente por conta da academia. Fiz muitas novas amizades como professor de tênis e conheci uma galera. Estão fazendo parte da vaquinha e com certeza iriam me ajudar, mas o meu cunhado e a Ingrid [namorada] deram a ideia da vaquinha porque eles falaram que a rifa não ia arrecadar dinheiro suficiente para fazer uma gira de torneios, ter dinheiro para um semestre de torneios e viagens e tudo mais. E aí eu fiquei naquela de "Será que vai ser legal? Vai rolar? Como a galera vai receber?" Até pelo momento que vive o nosso país. Tem muita gente morrendo, passando fome e tudo mais, então fiquei meio naquilo e falei "Vamos fazer." E aí eu tive a ideia de ajudar também um projeto social. Fazer algo que vai impactar não só a minha vida, mas outras pessoas que provavelmente estão precisando mais do que eu, então eu tive a ideia e, quando eu conheci o Projeto do Fabiano de Paula, mandei uma mensagem para ele e falei "Vou tentar linkar" [20% do valor arrecadado vai para a escola e tênis de Fabiano de Paula, na Rocinha]. E para o cálculo do valor eu me baseei mais ou menos perto de US$ 10 mil. Calculei também um pouco a porcentagem do site, que não tem como evitar. O site tira praticamente 10% do valor arrecadado, independentemente se você alcança tudo ou não. É um valor bom e se eu conseguir ir para a Alemanha jogar os Interclubes [torneios que pagam bem aos jogadores], vai ser mais uma grana boa para eu ter caixa e conseguir me manter pelo segundo semestre ou talvez o segundo semestre e uma parte do primeiro semestre do ano que vem. Vai ser fundamental e vai me ajudar pra caramba (clique aqui para contribuir).

Você já consegue olhar para o calendário e falar "quero voltar aqui"? Já tem uma data ou um lugar na cabeça?

Meu objetivo principal é ir para Interclubes na Alemanha, mas estou vendo se consigo ir em maio para a Europa. Ou jogar alguns Futures [M15], mas vai depender se vou conseguir entrar nos qualis ou não porque estou com zero ponto e ainda tem aquele ranking da ITF, não dá para saber direito como funciona. Ou posso em maio jogar alguns torneios UTR [Universal Tennis Rating, uma espécie de circuito paralelo], que são como torneios de grana, mas têm a vantagem de ser em formato de grupo, então numa semana você tem quatro ou cinco jogos garantidos. Já sai com uma premiação legal garantida. Também é uma boa porque você faz uns dez jogos em duas semanas, e fazer dez jogos na Europa já é um desafio bem bacana. E a premiação é boa: US$ 25 mil. Em teoria, é bem melhor que Future. Você tem - se não me engano - cinco jogos garantidos na semana e US$ 400 garantidos. Se você perder cinco jogos, você tem US$ 400. É bem legal o sistema deles. Estou querendo jogar duas semanas na Romênia.

[fim]

O áudio da entrevista foi disponibilizado na íntegra para apoiadores do Saque e Voleio. Torne-se um apoiador do blog e tenha acesso a conteúdo exclusivo (Saque e Voleio TV, podcasts, newsletters semanais e grupo de bate-papo sobre tênis no Telegram) e promoções imperdíveis.

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