Domènec Torrent, Jorge Jesus e os diferentes conceitos de jogo
O debate sobre o processo de escolha do Flamengo tem sido interessante. Especialmente quando sai dos clichês. Afinal, "estrangeiro" não é perfil e "ofensivo" não é modelo tático. Substituir Jorge Jesus não será fácil.
Sim, o Flamengo pretende manter a imagem que construiu em 2019. Um time capaz de se impor em qualquer cenário e contra qualquer adversário no Brasil.
Ser ofensivo é a base. E como atacar? A pergunta parece boba, mas a resposta traz os princípios necessários para qualquer decisão.
Jorge Jesus e Domènec Torrent pensam o futebol de forma diferente. Ambos querem atacar, dominar adversários e sufocar a marcação a partir da pressão. Mesmo assim, há uma ruptura nas ideias quando o assunto é a construção ofensiva.
O Flamengo de Jorge Jesus era o time da aproximação. A liberdade de movimentação encaixou muito bem com os jogadores ali presentes. Everton Ribeiro, Gerson, Arrascaeta, Gabigol, Bruno Henrique... Todos se procuravam, se apresentavam e se entendiam. A referência era a bola e quanto mais opções por perto, melhor.
"Dome" segue a escola de Guardiola, que também é a de Cruyff. A referência é o espaço e a base é a distribuição das peças, que precisam preencher espaços predeterminados. A ideia segue certos princípios para abrir defesas e criar vantagens específicas a partir da alta posse.
A amplitude é um deles. Alguém precisa abrir o campo em cada uma das pontas, alargando a linha de defesa adversária, o que gera espaços para infiltrações. E se a defesa se desloca para fechar o lado da bola, uma inversão rápida pode acionar um ponta com espaço e sem cobertura. Assim, potencializar o "um contra um" ou a entrada em diagonal.
O grande ponto é como o elenco recebe, compreende e abraça as ideias. No New York City, Domènec Torrent utilizava os laterais/alas como os responsáveis pelos corredores. Para ele, o sistema é secundário e flexível. A composição e o desenho podem variar muito. O fundamental é o entendimento da distribuição de funções e espaços que serão ocupados.
Não é questão de jeito certo ou errado. Ao olhar para o Flamengo, não há dúvidas de que há material para executar qualquer proposta. A dúvida é se haverá um choque e se o modelo será bem recebido.
Não é raro ver jogador questionar a suposta falta de liberdade gerada pelo jogo de posição. A explicação é simples. Nele, é necessário esperar a bola chegar para, aí sim, tomar as próprias decisões. A paciência para aguardar pode facilmente ser confundida com um jogo engessado que não permite a iniciativa de ocupar outras faixas do campo.
Tudo depende de compreensão, preparação e execução. No caso do Flamengo, a maior curiosidade está na ocupação dos lados. Rafinha e Filipe Luís podem ser laterais que armam por dentro. Mas quais serão os pontas abertos? Everton Ribeiro? Gabigol? Arrascaeta? BH?
Inicialmente, até pela percepção recente, a sensação é de que fixar qualquer um deles ao lado seria limitar o rendimento. Pontas como Michael e Pedro Rocha podem ser beneficiados. Mas como abrir mão da constante participação de Everton Ribeiro da direita para dentro? Como voltar atrás na ameaça que Bruno Henrique passou a ser atacando centralizado e se entendendo com Gabriel?
O maior obstáculo é o fantasma da imagem de um time tão pronto e vencedor. Uma escalação que segue na viva na cabeça, mesmo após a saída de Jesus.
Se o grupo absorver os princípios, talvez seja possível acomodar peças e alternar funções. Domènec Torrent tem conteúdo e seguirá suas convicções, mas não é um processo fácil ou uma simples continuidade. A transformação requer flexibilidade e adaptação.
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