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FIA cria elemento de controle de manifestações políticas dos pilotos de F1

Vettel, com camiseta de apoio à causa LGBTQIA+, antes do GP da Hungria, em Budapeste - Reprodução
Vettel, com camiseta de apoio à causa LGBTQIA+, antes do GP da Hungria, em Budapeste Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/12/2022 09h44

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A Federação Internacional de Automobilismo decidiu apertar o cerco contra manifestações políticas e religiosas, em medida que inclui os pilotos da Fórmula 1. O novo código esportivo da entidade, que começa a valer em janeiro de 2023, deixa explícito que os pilotos estarão descumprindo as regras se fizerem qualquer manifestação, uma vez que isso "fere o princípio geral de neutralidade" da FIA.

Essa não é uma decisão surpreendente. À medida que as manifestações dos pilotos se intensificaram em 2020, o cerco da FIA foi se fechando. Depois que Lewis Hamilton usou, no pódio, uma camiseta pedindo a prisão dos policiais que atiraram em Breonna Taylor e a mataram, durante uma busca sem pedido de prisão nos EUA, as notas da direção de prova passaram a deixar claro que os pilotos tinham que usar os macacões fechados até o pescoço no pódio e nas entrevistas após a prova.

Meses depois, foi fechada outra porta. Dentro do movimento "We Race As One" (corremos como um só, em inglês), promovido pela própria Fórmula 1, os pilotos posavam com camisetas muitas vezes com mensagens que podem ser consideradas políticas. Com o tempo, apenas as camisetas do We Race As One foram permitidas, e Sebastian Vettel chegou a ser repreendido por ter usado uma camiseta defendendo os direitos dos LGBTQIA+ na Hungria. Na época, a justificativa foi que, durante o hino nacional, dentro do procedimento do grid de largada, não era permitido usar outros tipos de camisetas.

Os pilotos, principalmente Vettel, que deixou a Fórmula 1 no final desta temporada, passaram a usar suas camisetas em outros momentos: chegando na pista na quinta-feira, quando sabiam que os fotógrafos os estavam esperando, e também indo para o grid. Pela nova regra, contudo, nada disso será permitido sem autorização prévia.

Após receber muitas críticas pela atualização do livro de regras, a FIA veio a público salientar que a mudança só visava "atualizar o alinhamento com a neutralidade política do esporte como elemento universal fundamental da ética do Movimento Olímpico, resguardado pelo Comitê Olímpico Internacional". A entidade garantiu que permanece na missão de promover questões ligadas aos direitos humanos e contra a discriminação. A diferença é que qualquer manifestação passará por censura prévia.

É claro que qualquer controle mais efetivo busca evitar desconfortos com patrocinadores, especialmente em um momento em que a Fórmula 1 vem expandindo sua participação no Oriente Médio. A Liberty Media, que detém os direitos comerciais da F1, inclusive tentou vendê-los aos sauditas não muito tempo atrás, sem sucesso.

É bom lembrar, é claro, que essas associações questionáveis não são novidade, uma vez que a categoria tem um longo histórico de associação com regimes ditatoriais e países com sérias questões sociais. Mesmo a campanha We Race as One só apareceu para atender a um anseio do público e conectar a F1 a uma audiência mais diversa, o que, no fundo, tem motivações comerciais.

Mas o regulamento deixa no ar algumas dúvidas. Afinal, é sempre difícil delimitar o que é uma demonstração política ou religiosa. Pierre Gasly, por exemplo, sempre se agacha na frente do carro antes da largada e faz um sinal da cruz. E Lewis Hamilton, poderia continuar usando seu capacete com as cores do movimento LGBTQIA+?

A nova regra cita que os pilotos precisam ter suas manifestações aprovadas pela FIA, o que abre o caminho, justamente, para a campanha do We Race as One e outras iniciativas, continuarem. Mas deixa claro que sempre haverá uma censura prévia, ou seja, os pilotos terão de avisar sobre o que pretendem fazer. Se a ação for aprovada, podem seguir adiante.

Como sempre acontece nas regras, as punições não são descritas juntamente do artigo que cita o que está banido, podendo ir desde uma simples repreensão verbal até penas mais severas.

Por meio do esporte, muitas pessoas ao redor do mundo ficaram sabendo mais sobre a repressão a homossexuais em países como a Hungria, além de Arábia Saudita e Catar, por meio de manifestações de pilotos. Ficaram sabendo mais até sobre a importância das abelhas na natureza, sobre o aumento do nível dos oceanos, conheceram mais de perto a realidade das mulheres sauditas. Tudo isso pode ser considerado conteúdo político, e essa porta estará fechada para os campeonatos regidos pela FIA a partir de agora.