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Fotógrafo relembra "angústia" por Rubinho e foto que virou cartão de natal

José Maria Rubio diz guardar com carinho sequência famosa de fotos - José Maria Rubio
José Maria Rubio diz guardar com carinho sequência famosa de fotos Imagem: José Maria Rubio

Colunista do UOL

29/04/2020 10h07

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Há exatos 26 anos, um jovem Rubens Barrichello, fazendo apenas sua segunda temporada na Fórmula 1, entrava na Variante Bassa no circuito de Imola bem mais rápido do que na volta anterior durante os treinos livres para o GP de San Marino de 1994. Sua Jordan subiu na zebra e acabou lançada contra a grade de proteção, em um acidente que foi ao mesmo tempo uma imagem impressionante e um prenúncio do que viria a acontecer naquele final de semana em que Roland Ratzenberger e Ayrton Senna perderiam a vida. E quem conseguiu capturar aquele momento como ninguém foi o hoje veterano fotógrafo espanhol José Maria Rubio. São deles as fotos que correram o mundo - e que acabaram até no cartão de natal do piloto brasileiro, que escapou com uma luxação na costela e uma fratura no nariz.

Acidente de Rubens Barrichello nos treinos livres do GP de San Marino em 1994 - DPPI - DPPI
Acidente de Rubens Barrichello nos treinos livres do GP de San Marino em 1994
Imagem: DPPI

Não foi o que Rubio pensou logo que o carro de Barrichello, que parou de cabeça para baixo depois de rodopiar duas vezes, foi colocado de volta no chão pelos fiscais de pista. "O que me preocupou foi a posição da cabeça dele, que estava virada para a esquerda e apoiada na lateral do carro, que naquela época era bem mais baixa que hoje. Ele estava inconsciente e ver aquilo fez eu me sentir muito mal", relembrou o fotógrafo em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

De fato, embora Barrichello tenha escapado com ferimentos leves, os instantes logo após seu acidente foram críticos. Desacordado e após um impacto calculado em 90G, ele havia engolido a língua, bloqueando sua respiração. Por isso, o atendimento do médico Sid Watkins foi citado por Rubinho como fundamental para o desfecho positivo do acidente.

Se tudo isso não tivesse acontecido, Rubio garante que jamais teríamos sequer visto suas fotos. "Eu tenho uma premissa: se tivesse acontecido algo grave com Rubens, jamais teria publicado estas fotos. Como nunca publicaria nenhuma foto no caso de ter acontecido algo grave com alguém. Afinal, com o tempo, além de fazer fotos e escrever matérias, você também acaba fazendo amigos no esporte. E a última coisa que faria seria tentar ganhar dinheiro com fotos deste tipo. Mas, como não aconteceu quase nada, é algo que faz parte da história dele."

Rubinho, inclusive, gostou tanto da imagem que encontrou uma maneira inusitada de usá-la. "Lembro de ter dado uma cópia das fotos para ele - não sei se foi em Imola mesmo ou na corrida seguinte. E ele usou a foto em que está voando no cartão de natal daquele ano, dizendo que graças a Deus podia celebrar a data. Guardo até hoje este cartão."

O fato de Rubens ser brasileiro fez com que o momento se tornasse mais pesado que o normal para Rubio que, na época, era o único espanhol que acompanhava todo o campeonato, muitos anos antes de Fernando Alonso tornar o esporte famoso no país. "Eu estava sempre com os brasileiros nesta época. Então, do lado profissional, eu tinha que levar as fotos para revelar, mas lembro de sentir muita angústia ao vê-lo sendo retirado pelos médicos."

Posição certeira

câmera rubinho - Reprodução/Julianne Cerasoli - Reprodução/Julianne Cerasoli
Rubio guardou câmera com a qual a sequência foi feita
Imagem: Reprodução/Julianne Cerasoli

O fotógrafo, que hoje soma 625 GPs na carreira e é um dos profissionais mais experientes do grid, conta que havia escolhido aquele trecho da pista de Imola para se posicionar durante os treinos livres justamente pela dificuldade dos pilotos de controlarem seus carros em um trecho de alta velocidade. "A Variante Bassa era um ponto em que os carros saltavam muito na saída, e a entrada [onde Rubens perdeu o controle do carro] também era uma zona muito complicada. Então eu gostava daquela posição", contou.

Após fazer a sequência e mesmo sem saber o que tinha acontecido com Rubens, era necessário deixar os sentimentos de lado e revelar o filme. E, no caso de nada grave ter acontecido, enviar para seus clientes, em um processo bem mais lento do que acontece hoje. E até com certo mistério para o fotógrafo. "Sabia que tinha feito as fotos, mas não tinha ideia se tinham ficado boas. Por sorte, havia muitos fotógrafos italianos cujos estúdios eram localizados próximos do autódromo. Então, na mesma tarde, Romano Poli [outro fotógrafo que segue trabalhando na F-1] levou o filme para revelar. E a agência francesa DPPI distribuiu."

Rubio acredita que trabalhar com filme dava mais segurança para os fotógrafos em termos de direitos autorais. "Acho que era uma vantagem daquela época porque não tinha a pirataria de hoje. Quem tinha o filme, tinha a foto. Não era como hoje, em que você pode copiar a foto de qualquer lugar, ampliar, fazer o que quiser. Neste aspecto, a nossa profissão de fotógrafo estava mais protegida."

O espanhol diz que guarda "com carinho" as fotos, que estão na parede de sua casa, e revelou ainda que também não se desfez da câmera que usou. "Guardei praticamente todas as minhas câmeras porque, no final das contas, elas também fazem parte da história da foto. As fotos do acidente fiz com a Canon EOS 630, que foi uma das primeiras que eles fizeram com foco automático. Era bem primitivo. Para se ter uma ideia, consegui fazer sete fotos em um acidente que demorou vários segundos. Com uma câmera atual, daria para fazer muitas mais."

Quando fez a sequência de fotos, contudo, ele não sabia o que estava por vir naquele final de semana. "Não aconteceu nada de grave no acidente de Rubens, mas foi o início de uns dos fins de semana mais trágicos que lembro na Fórmula 1, com o acidente fatal de Ratzenberger no dia seguinte e a desgraça de termos perdido o Ayrton. Estou há 42 anos na categoria. Para mim, foi o fim de semana mais triste pelo que Ayrton significava e pela proximidade que tinha com ele graças ao grande fotógrafo e jornalista Lemyr Martins. Foi provavelmente o pior fim de semana da minha vida."