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O que já falaram Globo, Câmara e Senado quando tema de MP foi discutido

Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o broche do Flamengo - Alan Santos/PR/Divulgação
Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o broche do Flamengo Imagem: Alan Santos/PR/Divulgação

20/06/2020 04h00

A Medida Provisória 984, assinada na quinta (18) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), obriga o Congresso a voltar a discutir tema abordado tanto no Senado quanto na Câmara na legislatura passada, quando ambas as Casas propuseram que os direitos de imagem deveriam seguir pertencendo às duas equipes envolvidas em uma partida. Hoje ministro do governo Bolsonaro, Rogério Marinho (PSDB-RN) foi relator do projeto da Câmara e se colocou contra ser "intervencionista em excesso" na relação entre emissoras e clubes.

Diretamente interessada, a Globo foi convidada a debater nas duas casas e, no Senado, se furtou a opinar sobre um tema tão "espinhoso". O debate aconteceu no final de 2016. "Eu pessoalmente não me sinto muito confortável para falar sobre isso. Eu acho que os clubes e os esportistas é que realmente precisam ser consultados. É preciso entender efetivamente qual o impacto econômico que isso traria", afirmou Fernando Tranjan naquela reunião. Ele também participou de um encontro sobre o tema na Câmara em 2015, mas não existem registros da reunião na íntegra.

Os direitos de imagem sobre competições esportivas são um recorte pequeno perante as discussões amplas de revisão de toda legislação esportiva, que saiu da pauta das duas Casas na atual legislatura. Entre os temas esquecidos estão punições a dirigentes esportivos corruptos e a delimitação do papel da União, dos estados e dos municípios na política do esporte.

Pautas vieram de cima

Em agosto de 2015, em meio à quada de braço com o governo Dilma (PT), o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB) criou uma Comissão Especial na Câmara destinada a discutir uma ampla revisão em toda a legislação esportiva, o que incluía alterar a Lei Pelé e o Estatuto do Torcedor. A comissão tinha 26 membros titulares e era presidida por Andres Sanchez (PT-SP), hoje presidente do Corinthians. O principal posto da comissão, do relator, ficou com Rogério Marinho (PSDB-RN), hoje ministro do Desenvolvimento Regional.

Meses depois, ainda em 2015, então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL) encomendou a uma comissão de juristas um projeto de lei sobre o mesmo assunto. Essa comissão de juristas fez diversas reuniões temáticas e apresentou em março de 2017 um projeto de lei, que ganhou o nome de Lei Geral do Esporte (PLS 68/2017), assinado pela Comissão Diretora do Senado Federal. Tal projeto está parado desde então.

Na Câmara, onde a comissão era formada por deputados, e não juristas, o debate foi ainda mais extenso, tomando três anos de discussões em Brasília e em diversos estados. O PL 10.319/2018, porém, morreu jovem. Um mês depois da apresentação do relatório por Marinho, em junho de 2018 o já presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) assinou ato criando uma comissão de 34 deputados que deveria proferir parecer sobre o projeto. A comissão nunca foi formada, vieram as eleições e, com o encerramento da legislatura, o PL foi arquivado.

Rogério Marinho liderou debate na Câmara sobre direitos de TV - Agência Câmara - Agência Câmara
Imagem: Agência Câmara

Propostas do Senado e da Câmara são contrárias à MP do Flamengo

Tanto a comissão do Senado, formada por juristas, quanto da Câmara, por deputados, muitos dele da Bancada da Bola, a proposta que saiu das discussões era, com pequenas modificações e correções, manter o que diz a Lei Pelé sobre direitos de transmissão. Compare:

Lei Pelé - "Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem."

Lei Geral do Esporte, do Senado - "Pertence às organizações esportivas que se dedicam à prática esportiva em competições o direito de exploração e comercialização de difusão de imagens, consistente na prerrogativa privativa de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de evento esportivo de que participem."

PL 10.319/2018, da Câmara - "Pertence às entidades de prática de futebol os direitos desportivos audiovisuais, consistentes na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, retransmissão ou a reprodução de imagens ou sons, por qualquer meio ou processo, das partidas de futebol"

MP do Flamengo - "Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo".

Projetos apresentaram novas ideias

Relator da Lei Geral do Esporte, o advogado Wladimyr Camargos se declarava favorável ao direito de transmissão pertencente ao clube mandante. Mas, depois de a comissão ouvir diversos interessados, o relatório apresentado por ele seguia na linha oposta. O especialista vê fatores positivos na MP assinada por Bolsonaro, mas propõe melhoras.

"Considero que a MP 984 trouxe avanços no que concerne a definir o direito do clube mandante em comercializar a transmissão de suas partidas. Porém, deixa de lado todos os limites, princípios e responsabilidades na negociação de direitos de TV que hoje constam do art. 205 do PLS 68/2017. Por isso mesmo, do modo como a MP está escrita, prevejo muitos conflitos e desnecessária judicialização das negociações de TV", disse ao Olhar Olímpico.

O artigo citado por ele trata dos princípios que devem reger a comercialização de direitos de transmissão. São eles: "o interesse público na difusão dos eventos esportivos do modo mais abrangente possível; o direito do torcedor de acompanhar a organização esportiva, a competição e os atletas de seu interesse; a liberdade de comunicação; a liberdade de mercado; a livre concorrência e a prevenção às práticas de mercado anticompetitivas; a integridade do esporte, a igualdade entre os competidores e a solidariedade esportiva; e a proteção da empresa nacional e da produção de conteúdo próprio local".

Os projetos da Câmara e do Senado entram num tema não abrangido pela MP de Bolsonaro: o uso jornalístico das imagens. Hoje ministro do governo, Marinho propôs que os direitos de transmissão não valessem para "fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educativos", limitando as filmagens a três minutos por jogo.

No Senado, os juristas foram além. A detentora dos direitos de televisão seria obrigada a liberar até 3% de uma partida para utilização com fins jornalísticos até duas horas após o final do jogo. Mas esses trechos não poderiam ser exibidos mais de uma vez por programa (afetando mesas-redondas de emissoras concorrentes) e expirariam depois de um ano.

Projetos passaram por audiência pública

Diferente da MP do Flamengo, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro sem discussão com a sociedade, a Lei Geral do Esporte foi formulada a partir de discussões com os mais diferentes interessados. Para a reunião sobre "Direitos de Transmissão" foram convidados representantes de Globo, Record, Band, Fox Sports, Esporte Interativo, Facebook, Twitter e Google, além da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Só esta última, a Globo, a Band e o Esporte Interativo enviaram representantes.

Perguntado sobre a posição da Globo no assunto, Tranjan disse que o assunto era "espinhoso". "Pessoalmente, eu não sei se é melhor ou pior. Acho que os clubes e os atletas podem estar envolvidos nisso, precisam ser consultados. Acho que é muito mais uma questão deles, porque, se você vai dar o direito de mandante para um clube muito menor do que o outro, não sei como fica esse equilíbrio. Acho isso um pouco complicado", opinou.

"Eu tenho um pouco de medo, porque isso foi feito na Espanha, no início, e foi um dos motivos da concentração de receita em apenas dois clubes. Realmente não sei. Acho que isso precisa ser avaliado melhor, estudado melhor, ver que tipo de impacto isso teria nessa cadeia toda", continuou.

O representante da Band, Juca Silveira, foi mais incisivo, se posicionando contra o modelo que acabou sendo adotado na MP do Flamengo. "Eu sou favorável - e represento aqui, sim, a opinião da Rede Bandeirantes - a que ambas as entidades de desporto sejam as detentoras do direito igualmente", disse.

Na Câmara, não existe transcrição completa de uma reunião realizada em novembro de 2015, convocada pelo próprio Marinho, com a presença da Globo, do Esporte Interativo e da CBF. Não há transcrição dessa reunião no ite da Câmara, nem gravação em áudio ou vídeo. Mas a Agência Câmara registrou fala de Marinho: "A nossa expectativa é ter o cuidado de não sermos intervencionistas em excesso, porque não nos cabe nos imiscuir numa relação entre entes privados, como os clubes de futebol e as emissoras de televisão, mas nos cabe fazer o equilíbrio do processo. Se há distorção, isso precisa ser dirimido."