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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Detalhes sobre o fracasso do amistoso contra o racismo promovido pela CBF

Colunista do UOL

17/06/2023 18h27Atualizada em 18/06/2023 14h29

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O slogan que tem sido promovido pela Fifa e pela CBF diz assim: com racismo não tem jogo.

Pois teve.

Logo na entrada no estádio escolhido para o amistoso Brasil x Guiné na Espanha a equipe de Vini Jr. foi recebida por um dos fiscais com uma banana.

Tudo testemunhado por muitas pessoas e registrado em imagens.

Dava tempo de sobra para cancelar o jogo e honrar o slogan.

Cancelaram?

Não.

Com racismo tem jogo. Tem muito jogo.

O pequeno estádio escolhido, mais vazio do que cheio, refletia o que a seleção brasileira é hoje para o mundo: não muita coisa.

Será que isso não deveria preocupar patrocinadores? A imagem já representa em si um fracasso bastante deprimente.

Mas teve mais.

Na narração da Globo, Roger Flores e Luis Roberto exaltavam a força física do time africano.

Mas não seria o time alemão, para citar apenas um dos europeus, fisicamente muito mais forte do que esse time de Guiné?

Por que não escutamos esse tipo de análise quando a Alemanha entra em campo?

A resposta passa por uma necessária educação do que é o racismo e das múltiplas formas como ele se manifesta. Não é apenas com bananas sendo ofertadas.

Djamila Ribeiro e Silvio Almeida têm ótimos livros que ajudam a educar a branquitude na qual me incluo.

Lê-los me fez perceber como eu reproduzia o racismo sem nem sequer me dar conta do que fazia.

Durante todo o jogo o racismo foi colocado em pauta como um "horror" destacado da sociedade civilizada e das pessoas decentes. E Vini Jr. tratado com todo o paternalismo e condescendência que reservamos a vítimas. Elogios em exagero, tentativas desmedidas de emocionar.

Não é assim que as coisas são.

O racismo é parte das sociedades ditas civilizadas e nós o reproduzimos diariamente. Sem que nos impliquemos nesse horror não sairemos dele.

Se racismo fosse apenas um desvio de caráter seria muito simples eliminá-lo da face da terra.

Isso dito, vamos seguir martelando em rede nacional de TV esse conceito preconceituoso e limitante de que pessoas negras são fortes e têm aptidão física?

O que esse pensamento sugere é que corpos negros existem para o trabalho, corpos brancos para o saber. Negros correm, brancos pensam. Essa ideia é a base de uma série de práticas que colabora para que bananas sejam oferecidas a pessoas negras nos estádios.

Vamos seguir com essa preguiça de analisar técnica e taticamente as seleções africanas para além do preconceito?

Queria lembrar que na cerimônia de abertura da Copa do Qatar Roger Flores disse que o Emir era muito querido por lá, o que faz sentido se a gente pensar o que acontece com quem não quer bem a um líder absolutista totalitário.

Mas essa parte não foi contextualizada. Minha mãe, por exemplo, ficou com a impressão de que o Emir era um fofo.

TV é concessão pública. Educar é função.

A luta contra o racismo não é um teatro, não é uma festa, não comporta protocolos.

E não vive de slogans. Será preciso aplicar o que se diz. E se educar nessa batalha.

Frases vazias como "somos todos iguais" não servem mais.

Não somos iguais.

Eu, por exemplo, não sou seguida pelo segurança do shopping quando vou às compras. Quem não vê raça não vê racismo.

Não há, claro, raça no sentido biológico mas há sim no sentido social.

Somos diferentes. Somos tratados de modos diferentes.

Bolar campanhas publicitárias pedindo respeito com musiquinha inspiracional de fundo não funciona a não ser para departamentos de marketing.

Encarar essas batalhas pode ser bom caminho para devolver à seleção a potência perdida.

Colocar a camisa preta como oficial e aposentar temporariamente a amarela sequestrada pelo fascismo bolsonarista desde o golpe em Dilma é um começo.

Precisamos fazer mais. Punição não basta. Educação é o caminho. Mas estamos longe. Muito longe.

O resultado do amistoso? Honestamente, tanto faz.