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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem critica precisa aceitar ser criticado

Torcida do Palmeiras acompanha chegada do ônibus ao Allianz Parque - Flávio Florido/UOL
Torcida do Palmeiras acompanha chegada do ônibus ao Allianz Parque Imagem: Flávio Florido/UOL

Colunista do UOL

01/02/2023 08h17

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Um texto recente que escrevi sobre Abel Ferreira gerou engajamento polarizado. Entre elogios e críticas temos que saber navegar.

Sobre as críticas, descarta-se as que carregam violência, ignorância e delinquência e leva-se a sério as feitas sobre as ideias e devidamente argumentadas.

Pega-se essas e toma-se um tempo.

Fiz isso e, ao estilo Salvador Hugo Palaia, conselheiro palmeirense inventor da autoentrevista, vou tentar elaborar sem saber muito onde vamos dar.

Convido os mais aventureiros a virem comigo.

Abel é realmente um gênio?

Na minha opinião, sim.

É o maior treinador que o Palmeiras já teve?

Sim.

É o melhor do Brasil?

Sim.

É um dos melhores do mundo?

Sim.

Queria ele no seu time?

Sim, mil vezes sim.

Por quê?

Porque ele é genial. Ele está nos lembrando do que podemos ser em campo. Une seriedade com entrega, paixão e um tipo de beleza tática que talvez seja inédita. Constrói solidariedade e mentalidade inflexível nos jogadores.

O que ele está fazendo pelo Palmeiras para além dos títulos?

Está alargando o campo emocional do que significa ser palmeirense. Está mostrando ao Brasil e à América do Sul, principalmente, que ser palmeirense é um estado de espírito, um conceito de vida. Todos os times refletem em sua torcida um conceito de existir, mas é raro que um treinador seja capaz de perceber, sentir e comunicar tudo isso. A identidade do palmeirense ganhou asas com Abel.

Quem fez isso antes dele?

Numa comparação rápida, Telê no São Paulo. Mas precisou de mais tempo.

O comportamento fora de campo incomoda?

Até certo ponto não, e muito pelo contrário. Gosto de ver a paixão, o destempero, o inconformismo com erros de arbitragem. Disse isso algumas vezes nos últimos dois anos.

O Palmeirense devia se incomodar?

O Palmeirense vê apenas beleza nesses gestos. É um dos nossos, pensam. É o que fariam à beira do gramado. Não vão se incomodar. A cada novo surto, mais se identificam, mais amam, mais veneram.

Isso é um problema?

Do ponto de vista da paixão e da construção de um ídolo, não. Abel é treinador e é amado como se fosse um craque em campo.

Quando passa a ser um problema?

Quando rompe com um certo limite entre paixão e fúria. Chutar microfone, por exemplo. Ir pra cima do juiz, outro exemplo.

Por que isso é problemático?

De modo geral, porque é uma linguagem violenta; deixa a arena da paixão e vai para a da fúria. Quando se trata de um ídolo com a força de Abel, porque inspira comportamentos similares.

Que diabos a violência de gênero tem a ver com tudo isso?

Pesquisa apresentada em 2022 diz que em dias de jogos de futebol, a violência de gênero aumenta 30% na cidade daquele time. Futebol e violência de gênero estão tristemente alinhados. Acho que todos devem se implicar na luta para que ela acabe. Ídolos deveriam se implicar ainda mais. Homens que, como Abel, tenham linha direta para o coração de marmanjos, ainda mais. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Tenho medo que que comportamentos que sugiram violência em campo possam inspirar alguns a agirem mais violentamente fora dele.

Você acha que exagerou na associação?

Ainda não sei. Tenho dúvidas. Talvez sim. Se a reflexão for tirada do contexto de sua totalidade, sim, certamente terei exagerado. Por que diabos falar de violência de gênero depois de uma conquista tão simbólica? Verdade. Não tem sentido. Mas se a gente levar em conta essa pesquisa que é chocante e que fala de como a violência contra corpos femininos aumenta em dias de jogos, pensar que a violência contra a mulher é uma epidemia nesse país, que são números de uma guerra, que o futebol naturaliza e potencializa esse horror e que deveríamos fazer um chamamento para que todos se impliquem, talvez não seja exagerado. Ainda não sei responder.

Mas por que só criticar Abel?

Seria um erro só criticar Abel. Todos estão sujeitos à crítica. Mas Abel está em evidência, está no centro do debate público, faz circular mais afetos do que nenhum outro. Acho natural que seja mais elogiado e também mais criticado. Não somos monodimensionais e todos temos pontos para transformações.

Chegou a alguma conclusão?

Algumas. Abel está provocando uma revolução ética e estética em nosso futebol. Ver uma das filhas do jornalista Bruno Vicari - uma criança - comemorando um dos gols do Palmeiras num transe que quem ama esse jogo sabe bem qual é, e com o livro de Abel em mãos como se fosse um livro sagrado, me comoveu. Abel não tem muita comparação com nada antes dele. Vai impactar nosso futebol de forma definitiva. Por tudo isso, seus comportamentos à beira do campo valem muito para todos nós - palmeirenses, não palmeirenses, amantes do futebol e até, pela importância que o futebol tem nessa sociedade, para quem não está nem aí para o jogo

Errata: este conteúdo foi atualizado
Difrentemente do que foi informado, Salvador Hugo Palaia está vivo. O erro já foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL