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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Buenos Aires em transe: "Haja hoje para tanto ontem"

Obelisco, em Buenos Aires, virou palco da festa dos torcedores após título da Argentina - Agustin Marcarian/Reuters
Obelisco, em Buenos Aires, virou palco da festa dos torcedores após título da Argentina Imagem: Agustin Marcarian/Reuters

Colunista do UOL

21/12/2022 11h05

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Quando Paulo Leminski escreveu a frase do título não falava de Messi, de futebol, de copas do mundo. Mas a beleza da boa poesia é justamente a capacidade de refletir a condição humana a despeito do sujeito, da época e do lugar. Todos nós já vivemos um dia de haja hoje para tanto ontem.

Ontem, na Argentina, houve tanto demais.

Talvez tenha sido o maior contingente de pessoas nas ruas em uma manifestação. Quem sabe? É possível.

Faríamos o mesmo? Arrisco um palpite: não.

Não faríamos primeiro porque essa seleção não representa nossa identidade nacional e sabemos disso nem que seja a nível intuitivo.

Haveria, claro, multidões nas ruas caso o Brasil vencesse a Copa.

Mas não em transe, não em catarse, não em estado de alucinação e desvario. E não em cerca de cinco milhões numa só cidade.

O que nos difere deles nessa trama?

O entendimento de que futebol é política.

Entendimento que se aprofundou na Copa de 1986 quando, pouco tempo depois da Guerra das Malvinas, disputaram jogo histórico com a Inglaterra e venceram de forma arrebatadora.

Ali ficou bastante evidente todas as dimensões que o futebol oferece. A Argentina de Maradona foi à forra contra o poderio imperialista - e triturou o adversário.

A música tema que jogadores e torcedores cantaram juntos nessa Copa evocava os jovens que morreram na Guerra das Malvinas. Eis aí o absoluto entendimento de como política e futebol estão irremediavelmente misturados.

Em crise econômica, a Argentina tenta se reerguer e a genialidade de Messi veio emprestar auto-estima para a batalha.

Por isso foram às ruas desse jeito insano: por suas próprias vidas.

Para virar o jogo social. Para se reerguerem emocionalmente. Pelo alargamento do campo dos possíveis.

Messi, Scaloni e grande elenco mostraram como se faz e lembraram à população da força que esse país sul-americano - que luta contra resíduos coloniais, como todas as nações exploradas e saqueadas - tem.

Haja hoje para tanto ontem porque é inundado dessa imensa força que começamos a se reescrever a história do amanhã.

É exatamente nesses momentos que o futebol fica maior do que a vida.