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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não haveria Ellen DeGeneres sem Anne Heche

Ellen Degeneres e Anne Heche no Golden Globe Awards em 1998 - Jeff Kravitz/FilmMagic
Ellen Degeneres e Anne Heche no Golden Globe Awards em 1998 Imagem: Jeff Kravitz/FilmMagic

Colunista do UOL

12/08/2022 19h51

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Em abril de 1997, a revista Time chegou às bancas nos Estados Unidos com uma de suas mais bombásticas capas até hoje. A comediante e atriz Ellen DeGeneres, que na época era a protagonista de um seriado televisivo chamado "Ellen", aparecia sozinha e agachada com a chamada: "Sim, eu sou gay".

Foi um escândalo. Ellen era uma atriz relativamente famosa, comediante renomada, mas não era ainda tão comum que uma celebridade desse porte saísse do armário.

O popular seriado "Ellen", que seguia o estilo das comédias de situação tão famosas por lá e agora por aqui, criava uma dramaturgia em torno da vida de Ellen, envolvendo situações reais e ficcionais.

Nele, Ellen - ainda longe de ser a apresentadora famosa que se tornaria depois - era heterossexual e passava os dias atrás de um romance para chamar de seu.

Havia rumores de que a comediante seria lésbica, mas Ellen não tocava no assunto. Até que Anne Heche entrou nessa história.

Ellen e Heche se apaixonaram depois de um encontro em uma festa. Heche, destemida e bastante jovem, caiu de cabeça na relação sem nada a perder ou a esconder. Ellen, mais velha do que ela, aceitou se jogar nas ondas da paixão e decidiu sair do armário: na Time e em seu seriado.

A capa e a saída de armário da personagem, que aconteceu em um episódio assistido por milhões de pessoas e altamente promovido no país inteiro, se deram na mesma época.

Foi um alvoroço. A parte conservadora do país se rebelou, a parte progressista aplaudiu. O barulho foi alto e durou por meses e meses.

Eu morava em Los Angeles na época e imediatamente me senti impactada.

Eu ainda era uma lésbica no armário e a coragem de Ellen me encorajou. Pouco depois, estreava minha coluna na revista Tpm, escrita a partir do ponto de vista de uma mulher assumidamente lésbica. Os ventos que Ellen fez soprar foram sentidos longe.

Tudo parecia um grande sonho sapatão, a indicação de que finalmente estávamos na moda, até que a ABC, rede que exibia Ellen, decidiu encerrar o seriado abruptamente.

Ellen foi ao fundo do poço. Deprimida, excluída, contou com Heche para enfrentar os anos que viriam.

Demorou para que ela se reerguesse e se reinventasse como apresentadora. Heche foi a mulher que esteve ao lado dela nos piores anos de sua vida.

Mas a história delas não teria um final feliz.

Heche seria acusada de traidora, voltaria a ficar com homens (alô, bissexualidade, essa identidade tão maltratada e ignorada) e rumores deram conta de que as duas romperam nos piores termos.

Seja como for, da forma como eu vi a história acontecer, não haveria Ellen sem Heche.

Aliás, um dos melhores filmes de Anne Heche se chama "Mera Coincidência", uma comédia política ácida e atual, ainda que tenha sido lançada em 1997: Robert de Niro, Dustin Hoffmann, Kristen Dunst e grande elenco.

Vai em paz, Anne Heche. E obrigada pela luta.