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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milly: Acabou o encanto, acabou a magia. Que pena, Flamengo

Gabigol comemora um dos gols da goleada do Flamengo por 5 x 0 sobre o Grêmio na Libertadores de 2019 - Alexandre Vidal/Flamengo
Gabigol comemora um dos gols da goleada do Flamengo por 5 x 0 sobre o Grêmio na Libertadores de 2019 Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Colunista do UOL

09/11/2021 13h28

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Meu grande amigo Edson Rossi outro dia me disse que quando ele era mais jovem, achava que gostava de esportes em geral. Com o tempo descobriu que não era bem isso: ele gostava de futebol. E, mais recentemente, Edson finalmente entendeu que nem de futebol ele gosta; ele gosta mesmo é do Palmeiras. Acho que muitos de nós podemos compreender esse sentimento.

Gostamos de futebol ou gostamos de uma camisa e de tudo o que ela representa em nossas vidas? Falando francamente, se não gostamos mais tanto assim de futebol talvez a culpa seja menos nossa e mais do futebol, esse jogo que passou a ser tedioso, medroso, defensivo, acovardado, recuado, violento, faltento, apequenado.

Mas aí, no meio dessa terra arrasada, teve um Flamengo. Um Flamengo que, mesmo que no silêncio de nossas raivas não-flamenguistas, tínhamos que admitir que era diferente de tudo o que vimos em anos recentes. Um Flamengo cuja ousadia e beleza do jogo os deuses do futebol premiaram com uma vitória impossível, absurda, bizarra diante do River na final da Libertadores. Mas esse Flamengo, ao que tudo indica, acabou.

Claro que o time ainda é um dos mais fortes do Brasil, mas já não encanta mais. Cedeu ao pragmatismo, ao tédio, à falta de ideias, ao amontoado de gente correndo sem nenhuma criatividade atrás de uma bola. Nesse cenário, o esforçado, acelerado e driblador Michael é rei.

O que houve? A resposta não é simples, mas cometerei o crime da simplificação.

Houve uma diretoria que desprezou Jesus. E não falo apenas do homem, muito pelo contrário. Falo dos ensinamentos. Falo de como Jorge Jesus construiu um time compactado na defesa e alargado no ataque. De como organizou a equipe para atacar a despeito de estar vencendo ou perdendo. De como acelerou o jogo mesmo no interior dos espaços pequenos, alternando o posicionamento dos jogadores a todo o instante. De como se recusou a fazer um gol e se fechar. De como acabou formando um Flamengo memorável.

Cabia ao corpo diretor entender o que fez Jesus e perpetuar mesmo com comissões técnicas diferentes. Chamar o esquema deixado por Jesus de filosofia de jogo, de conceito, de "é assim que queremos existir em campo". Não fizeram nada disso e, jogo a jogo, ainda que lentamente, fomos testemunhas do desmonte de um sonho.

Um sonho que para nós que não somos flamenguistas podia até ser chamado de pesadelo, mas que para quem, como Eduardo Galeano, gosta do jogo bem jogado e anda pelos campos da vida mendigando uma jogadita linda de se ver, teria que admitir que se tratava sim de um sonho secreto. Afinal, se a moda pega, quem sabe nossos times também poderiam voltar a entender o futebol como magia e encanto e não apenas como negócio.

Mas o sonho acabou. E agora, entregues outra vez à criatividade que acontece apenas por espasmos, respiramos em alguns momentos isolados, e que normalmente acontecem no time de Abel Ferreira ou no de Cuca.

Fica difícil gostar de um futebol jogado assim, e, ainda que jamais deixemos de amar a camisa que chamamos de nossa, alguma coisa de eterna e de misteriosa se perde, talvez para sempre.