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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Formiga, a atleta que ofereceu a uma geração inteira o direito de sonhar

A volante Formiga, da seleção brasileira feminina de futebol e do Paris Saint Germain, em Bougival, na França - Pete Kiehart/The New York Times
A volante Formiga, da seleção brasileira feminina de futebol e do Paris Saint Germain, em Bougival, na França Imagem: Pete Kiehart/The New York Times

Colunista do UOL

05/06/2021 15h09

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A história de Formiga se confunde com a história da resistência do futebol feminino no Brasil. Aos 43 anos, essa lenda do esporte brasileiro anuncia que vai voltar para casa depois de quatro anos jogando no PSG. Deve encerrar aqui sua carreira vestindo a camisa do São Paulo, time que já defendeu entre 1997 e 2000. Mas, antes disso, tem sua sétima Olimpíada pela frente. Formiga é a atleta, entre homens e mulheres, com mais participações em Copas do Mundo: desde 1995 serve à seleção brasileira.

Muita coisa mudou desde sua primeira convocação há 26 anos. Ainda que a falta de incentivo e o preconceito sigam vivos, hoje o futebol feminino é televisionado, tem campeonatos oficiais e ídolos que ficarão, como Formiga, para a eternidade. A atleta testemunhou toda essa revolução político-esportiva de dentro das quatro linhas, fazendo aquilo que ama, e sabe, fazer. Por tudo o que já fez pelo futebol feminino talvez a gente devesse falar dela sempre no plural, tipo: "Formiga revolucionaram o futebol brasileiro", ou: "Formiga estão voltando ao Brasil".

Qualquer mulher que se proponha a ser uma jogadora profissional de futebol sabe que a batalha vai ser duríssima. Nem todas nós conseguimos reunir forças e condições para seguir nessa luta, e por isso a história de Formiga é tão comovente. É bastante possível que, quando ela era criança e precisava jogar bola com os meninos (porque meninas que há alguns anos gostassem de jogar bola precisariam jogar entre os garotos) não tivesse sequer sonhado em virar profissional e ídolo do esporte. Não nos era permitido sonhar esse tipo de sonho e deveríamos nos contentar em sermos aceitas pelos meninos para entrar em campo na pelada daquele dia; nossa participação na próxima pelada não estava garantida e dependia da aprovação deles.

Além disso, era preciso lidar com desconfianças, preconceitos e abusos. Mas o mundo, muitas vezes aos trancos e barrancos, vai mudando e grupos de pessoas que não desistem de lutar por justiça e direitos acabam, com muito suor e às vezes algum sangue, conquistando vitórias que um dia pareciam impossíveis. Só por isso, o futebol feminino, que já chegou a ser proibido por lei, conseguiu começar a sair da ilegalidade e da sombra.

Um apelido como esse não é jamais dado impunemente, e Formiga, que se chama Miraildes Maciel Mota, ganhou o seu porque desde sempre é aquela jogadora incansável, que corre e se entrega e não para jamais.

Formiga ainda vai presentear a torcedora e o torcedor são-paulinos com emoções, certamente. E no dia em que resolver pendurar as chuteiras seria apenas justo que fizesse isso dentro de um estádio lotado, sob aplausos de milhares de nós. Faremos isso em nome da resistência, da persistência, do suor e do sangue que ela deixou nos gramados da vida defendendo nossas cores, e da incrível capacidade de seguir realizando o que parecia impossível. Mas, talvez mais importante ainda, faremos isso porque a história da resistência de Formiga oferece a uma geração inteira de meninas um de nossos direitos mais fundamentais: o direito de sonhar.