Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Matematicamente desagradável
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Quando a hipervalorização das estatísticas foi popularizada alguma coisa no futebol morreu. Foi mais ou menos na mesma época em que passamos a chamar estádio de Arena, torcedor de sócio e passe aprofundado em direção ao gol adversário de assistência. Eu adoro a evolução da língua e entendo que estamos todos em constante transformação - e isso inclui o futebol. Mas nem toda mudança é boa ou adequada ou necessária.
Durante o jogo Corinthians e Vasco eu aprendi que o Vasco tem, até o final da penúltima rodada, 7,6 finalizações por jogo. O que seria 0,6 de uma finalização? Números não contam a história de uma partida e nunca contarão porque o futebol é esporte cheio de subjetividades - e justamente por isso é delirante e apaixonante. Claro que números podem ajudar a entender muitas coisas, mas quantas vezes o time com mais posse de bola perde a partida?
O Vasco é um time que, a despeito de ter entrado em campo à beira do rebaixamento, não jogava com ganas de quem tenta evitar a queda. E o Corinthians, com chance de vaga na Libertadores, parecia estar disputando o 13º lugar do Campeonato do bairro. Um jogo disputado na intermediária durante o primeiro tempo, e, no segundo, através de chutões e ataques destrambelhados. Torcedores desses dois times merecem mais, o futebol merece mais, o telespectador merece mais.
Corinthians e Vasco fizeram um desses jogos que testam nossos fígados; e jogo bom é aquele que testa o coração.
Ao final, o prêmio de melhor jogador da partida precisava ser entregue a alguém porque tem patrocinador envolvido e, portanto, não há como adiar o mico. Mas diante do que vimos durante os 90 minutos, como escolher alguém? A comentarista da Globo, Ana Thais Matos, foi certeira ao dizer que entregaria o prêmio ao torcedor. É quem mereceria, de fato.
O Flamengo é hoje, com alguma folga, o melhor time do Brasil. Um time que calibrado para atacar, que troca passes rápidos, que joga junto e lembra a gente o que o jogo tem a capacidade de ser, e o que ele pode nos fazer sentir; sensações que vão além do tédio, da sonolência, da desesperança. Pode não ser campeão, claro, mas terá dado ao torcedor, durante um período triste de nossas existências, o maior dos presentes: a chance de se emocionar e o direito de sonhar.
A vida aqui fora anda suficientemente difícil; a gente esperava que, pelo menos, o futebol fosse uma janela para que pudéssemos esquecer, ainda que por 90 minutos, tantas perdas, tantas despedidas, tanta negligência de um governo genocida que nos expõe a um vírus mortal sem se importar em comprar vacinas. O futebol — não é pedir muito — como um portal para que a gente pudesse ter alguma esperança de dias melhores.
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