Topo

Lei em Campo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ação dos times russos pedindo ressarcimento por empréstimos não deve vingar

Gabriel Coccetrone

04/08/2022 08h45

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Como era de se esperar, a Guerra da Ucrânia trouxe diversas consequências também para a Justiça Desportiva. Os principais clubes da Rússia entraram com um recurso no CAS (Corte Arbitral do Esporte), sediada na Suíça, pleiteando o fim da regra imposta pela FIFA que suspende o contrato de jogadores estrangeiros unilateralmente devido à preocupação com a segurança em meio ao conflito militar. Além disso, eles também pedem o ressarcimento da entidade máxima do futebol e dos times de outros países que estão com atletas emprestados, conforme antecipou o 'UOL Esporte'.

Especialistas consultados pelo Lei em Campo não acreditam que os clubes russos terão sucesso em seus pedidos na instância máxima da Justiça Desportiva mundial.

"Os clubes russos alegam que os clubes brasileiros estariam induzindo os jogadores que atuam na Rússia a quebrarem o contrato em vigor, se valendo das regras do anexo 7 do RSTJ (Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores) para suspenderem o contrato unilateralmente e se transferirem. No entanto, as chances de êxito são baixas, posto que os atletas e os clubes brasileiros estão agindo em conformidade com o que foi estabelecido pela FIFA, pese o aspecto punitivo aos clubes russos, que seguem em atividade, ou não", avalia João Paulo di Carlo, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

"Entendo que os clubes brasileiros e os estrangeiros que contrataram jogadores cujos contratos com clubes russos foram suspensos por força da guerra dificilmente serão condenados pelo CAS a ressarcir os clubes russos, afinal, o fizeram amparados pela circular 1787 emitida pela FIFA, que os permitia realizar as contratações sem pagar valores aos clubes russos e ucranianos. Na melhor das hipóteses para os clubes russos que agora recorrem ao CAS, o tribunal arbitral poderia condenar a FIFA a indenizá-los pelos prejuízos que a regra os trouxe, mas entendo que essa possibilidade é igualmente remota em razão do próprio precedente existente no CAS, relacionado à participação da Rússia na Copa do Mundo", afirma o advogado especialista em direito desportivo Marcel Belfiore.

"Os clubes russos não concordam com a regra e vão enviar cartas notificando os clubes de que serão responsabilizados se usarem os jogadores. É como você comprar um carro, você paga pelo carro, ou paga pelo aluguel de um carro, mas qualquer um pode dirigir", declarou o advogado Mikhail Prokopets, representante de oito clubes da Rússia no pedido, em entrevista para a coluna do jornalista Marcel Rzzo.

De acordo com uma apuração da coluna, dois clubes brasileiros deverão receber as cartas dos russos: o Corinthians, pela contratação do zagueiro Balbuena após suspensão do contrato; e o Flamengo, pela aquisição do lateral Varela, ambos jogadores do Dínamo de Moscou.

Nas situações em que houve negociação entre russos e brasileiros, como do Corinthians com o Zenit por Yuri Alberto, do Flamengo com o Spartak por Ayrton Lucas, e do Internacional com o Krasnodar por Wanderson, a tendência é de que não sejam enviadas as notificações.

"Um exemplo de compensação que poderia ser feita: se um clube pagou 5 milhões em um jogador, por um contrato de cinco anos, se ele ficar fora um ano o ressarcimento será de 1 milhão. A Fifa está roubando os clubes russos, que investiram muito nos atletas e agora estão perdendo dinheiro", disse Prokopets.

O advogado que representa os russos entende que a regra estabelecida pela FIFA foi muito dura. No final de junho, a entidade estendeu por mais um ano, até 30 de junho de 2023, o anexo 7 do RSTJ, que prevê que profissionais que atuem em clubes da Ucrânia e Rússia possam suspender seus vínculos e se transferirem com qualquer outra equipe.

"A regra procura problema onde não existe. Entendemos essa exceção a clubes ucranianos, com o conflito dentro do país e questão de segurança dos jogadores. Mas na Rússia, não. O campeonato russo está ocorrendo normalmente, há segurança para os jogadores. Há brasileiros no Zenit, por exemplo, que permaneceram, estão bem (casos de Wendel, Claudinho e Malcom)", acrescentou Propekts.

Importante destacar que no caso dos ucranianos é preciso de um aval do clube, mas no dos russos a decisão pode ser unilateral. Um problema em relação a essa liberação está acontecendo um time do futebol brasileiro, o Internacional. O Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, notificou o Colorado e solicitou o retorno imediato do zagueiro Vitão.

O Shakhtar, que ameaça tomar medidas judiciais caso não seja cumprida a determinação, alega que houve descumprimento das regras para suspensão de contrato impostas pela FIFA. O clube ucraniano entende que o zagueiro e o Internacional não respeitaram a determinação de que, clube detentor e o jogador, precisam negociar antes do vínculo ser suspenso, ou seja, Vitão não teria tentado um acordo prévio com os ucranianos antes de assinar com o Colorado.

O Internacional entende que não houve descumprimento de qualquer regra. Vitão já estava no clube, emprestado pelo Shakhtar Donetsk, e renovou o vínculo baseado na suspensão de contrato após o prazo, ao final de junho.

Agora, especialistas lembram que o contrato entre jogador e clube russo também tem direitos e deveres dentro do ordenamento jurídico da Rússia. isso quer dizer que um rompimento unilateral, mesmo que com o caminho criado pela Fifa, pode trazer risco jurídico ao atleta: "Todos os Estados membros da OIT se comprometeram a respeitar e promover o direito fundamental a um ambiente de trabalho seguro e saudável. A Rússia é um desses 187 países. Logo, na medida em que não há condições de assegurar um trabalho digno aos atletas, seria inconcebível o ajuizamento de ações trabalhistas na Rússia. Contudo, caso haja a adoção dessa medida, muitas serão as linhas de defesa, inclusive invocando a intervenção de organismos internacionais, sem que haja prejuízo para os atletas que celebraram contratos com clubes brasileiros", diz Maurício Corrêa da Veiga, advogado especializado em direito trabalhista e colunista do Lei em Campo.

Para Andrei Kampff,, advogado especializado em direito desportivo, jornalista e autor dessa coluna, "esse caso mostra bem os permanentes diálogos entre ordens jurídicas distintas. Um contrato de trabalho desportivo precisa conversar com as regras privadas do esporte e com ordenamento estatal. Se há caminho para a suspensão do contrato no movimento jurídico privado do esporte, esse caminho talvez seja mais complicado dentro do ordenamento jurídico do país. Portanto, o caminho mais seguro é sempre o do diálogo, do entendimento entre clube russo, atleta e o clube que quer ter o vínculo temporário do atleta".

Apesar de não ter sido confirmado quais clubes russos apresentaram o recurso ao CAS, a coluna apurou que eles são: Zenit, Dínamo de Moscou, CSKA, Lokomotiv, Spartak, Krasnodar, Rostov e Rubin.

Não há um prazo para o CAS julgar o recurso.

Nos siga nas redes sociais:@leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!