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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Obrigado, Hamilton! Pelo que fez no domingo e tem feito sempre.

16/11/2021 04h00

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Andrei Kampff

Prepare-se para uma verdade indiscutível: esporte não se separa da vida. Ele é uma manifestação cultural, presente no dia a dia de todos. Resumir esporte aos limites do campo, da quadra, ou da pista é não entender o verdadeiro o tamanho que ele tem. Lewis Hamilton nos mostrou isso mais uma vez.

No último domingo (14), ao vencer o GP Brasil de F1 e abraçar a bandeira brasileira, o piloto inglês fez mais do que uma homenagem a Ayrton Senna. O gesto que emocionou o Brasil é repleto de simbolismo.

Primeiro, ele resgata um símbolo que é de todos os brasileiros. A bandeira verde, amarela, branca e azul é de todas as cores, raças e orientações. Segundo, pelo personagem que é, Hamilton mostra mais uma vez que esporte e política nunca se separam.

E não se fala aqui da política de maneira restritiva, partidária. Mas se fala da política de maneira extensiva, como postura social. A política na linha do pensamento de Aristóteles, essencialmente unida à moral, porque o fim último tem que ser a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos.

Hamilton é um dos principais atores do esporte na defesa de direitos humanos. Luta permanentemente por igualdade, combatendo todo tipo de preconceito. Levanta sem freios a bandeira que é a do esporte. Afinal, direitos humanos não se separam do movimento esportivo. Pelo contrário, são um auto-limite dentro da autonomia que o movimento carrega.

O piloto inglês não nos deixa esquecer de como o esporte se relaciona com a política e com a vida. Ele afeta economia, humor das pessoas, catalisa transformações sociais. Ele cria conceitos, e se torna exemplo.

E sempre foi assim.

O papel transformador do esporte

O esporte sempre foi um catalisador de transformações sociais pelo mundo. Ele ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática brasileira durante os anos da ditadura.

Passadinha por alguns momentos históricos:

- em 1936, nas Olimpíadas de Berlim, Adolph Hitler usou os jogos como uma estratégia de propaganda do regime nazista, a do discurso da "supremacia ariana". Mas ele não contava com o negro Jesse Owens que conquistou 4 medalhas de outro e foi o grande nome dos jogos na Alemanha. No pódio, Owens sequer olhou para o ditador, que deixou o estádio olímpico antes do fim da cerimônia.

- a história do Start FC também é fantástica. O time formado por jogadores ex-jogadores do Lokomotiv e do Dínamo de Kiev, muitos deles ex-prisioneiros na Segunda Guerra Mundial, começou a se destacar. Isso incomodou os nazistas. O time da Força Aérea Alemã desafiou o Start. Vencer poderia significar a morte. Eles sabiam disso. Mesmo assim, honraram a pátria, a dignidade e as chuteiras e venceram o jogo. Os jogadores foram presos e quatro deles foram assassinados.

- em 1968, os americanos Tommie Smith e John Carlos ganharam medalhas de ouro e bronze nos Jogos Olímpicos do México. No pódio, protestaram contra a discriminação racial nos EUA. Em silêncio, um gesto que foi sentido em todo o mundo. Eles subiram ao pódio e ergueram os punhos fechados com luvas pretas, a saudação dos Panteras Negras. Eles foram expulsos da Vila Olímpica.

- uma lenda do boxe também usou o esporte para se posicionar na defesa de causas sociais. Muhammad Ali se tornou um símbolo de luta contra o racismo. Em 1967, já campeão mundial de boxe, ele foi convocado para lutar no Vietnã. Ele se recusou, alegando que o confronto estava deixando de lado negros dentro dos EUA. Ele perdeu o cinturão, foi multado em 10 mil dólares e condenado a 5 anos de prisão. A Suprema Corte o absolveu, mas ele ficou proibido de lutar por 3 anos. Voltou aos ringues em 1970 e se tornou um mito do esporte.

- um exemplo no Brasil, a democracia corintiana. Na década de 80 o Brasil ainda vivia sob ditadura militar. Foi nessa época que alguns atletas politizados do Corinthians decidiram criar um movimento político pela volta da democracia e maior participação dentro do clube. Com líderes como Sócrates, Wladimir e Casagrande, os jogadores passaram a fazer parte de discussões importantes, como contratações, premiações, concentração. Essa democracia interna se tornou um símbolo de luta pela democracia no Brasil, e muitos desses atletas participaram ativamente da campanha pelas Diretas Já em 1984.

Teria ainda a fantástica história do Rugby na África do Sul, que ajudou a unir um país fraturado pelo Apartheid. Ou a história de Colin Kaepernick na NFL, e tantas outras...

A transformação de hoje

Nos últimos tempos, temos a defesa coletiva dos atletas e do esporte contra o preconceito. FIFA, COI e Ligas independentes já tiveram que ceder na análise de seus regulamentos internos e passaram a não punir atletas que levantam a bandeira política da defesa de Direitos Humanos.

Um dos protagonistas desse movimento esportivo é Lewis Hamilton. Herói inglês e, por que não, brasileiro.

Hamilton é dos grandes do esporte a mostrar que a força de um atleta vai muito além de uma pista ou quadra ou campo, e que eles podem ser agentes importantes na construção de uma sociedade melhor, menos excludente e mais humana. E o primeiro passo para atacar o problema é se posicionar.

Obrigado, Hamilton. Pelo que tem feito sempre e pelo que fez no domingo.

Direitos Humanos e esporte não só andam juntos. Eles correm juntos também.

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