Julio Gomes

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Choro de Vini Jr expõe esgotamento grave e que ninguém conhecia

Ninguém esperava. Nem a CBF nem o presidente da CBF nem os jornalistas presentes e nem a psicóloga que recentemente iniciou o trabalho com a seleção principal - Marisa Lúcia Santiago. O choro de Vinícius Júnior pegou todo mundo de surpresa na sala de coletivas do CT do Real Madrid. E mostrou um ser humano muito mais esgotado emocionalmente do que poderia parecer.

Esta coluna apurou que a histórica entrevista de Vinícius já gerou conversas internas na CBF no sentido de ajudar o jogador.

Vinícius não tem jogado bem na seleção brasileira, mas é justamente na seleção que ele se sente mais à vontade. No Real Madrid, não haverá gol ou título grande o suficiente para compensar uma frase tão forte quanto "tenho cada vez menos vontade de jogar".

Em alguns momentos dos 40 minutos de entrevista nesta segunda-feira, Vini deu declarações conflituosas. Como conflituosos são os sentimentos constantes e onipresentes para todos nós, seres humanos. O mesmo cara que admite estar perdendo a vontade de jogar já avisou que não pensa em deixar o Real Madrid- "seria uma vitória dos racistas, é o que eles querem", disse. O mesmo cara que disse se sentir sozinho na luta antirracista na Espanha agradeceu aos outros jogadores espanhóis que mandam mensagens de apoio. O fato é que Vinícius abraçou uma causa que é simplesmente secular, tão complexa que faz transbordar a capacidade de lidar com ela.

Estamos falando, afinal, de racismo em sua essência, a falta de oportunidades, a horrorosa transição - se é que houve alguma - que as sociedades ocidentais fizeram a partir do fim de séculos de escravidão. Para qualquer líder, é um fardo e tanto. É uma luta necessária, mas impiedosa, cheia de barreiras que muitas vezes parecem intransponíveis. Imaginem agora para um garoto de 23 anos que veio da pobreza de São Gonçalo e saltou diretamente para a fama e a glória. Como lidar com tudo isso? "Estou sempre sorrindo, mas nem sempre estou feliz."

A trajetória de Vinícius não é incomum. O que foge do script é o mergulho de cabeça em um mundo que não é o dele - mas agora é. Ele não quer sair e sente que não pode sair. A entrevista de hoje mostrou um esgotamento emocional impressionante e preocupante. Vinícius precisa de ajuda. Ajuda pessoal, pelo mesmo ótimo caminho que nos mostrou Richarlison, e ajuda em outras esferas.

Será que o Real Madrid está fazendo o suficiente? Será que La Liga faz o suficiente? Será que o governo espanhol faz o suficiente? Como pode um país tão desenvolvido, no centro da Europa, seguir considerando que racismo não é crime, apenas um delito de ódio?

A Espanha é muito mais evoluída que o Brasil, por exemplo, em questões de igualdade de gênero, tolerância e direitos da comunidade LGBTQIA+. Só que aqui ninguém vai preso por racismo.

Quanto mais Vinícius externa sentimentos e expõe o racismo impregnado em parte da sociedade espanhola, mais ele sofre. Mais gente sai dos esgotos para atacá-lo. Imaginem a frustração de quem tem o poder para expor o problema, mas não sente devidamente apoiado para combatê-lo.

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O choro de Vinícius não é o choro de todos nós. Essa seria uma frase bonitinha. O choro de Vinícius é dele. É de quem sofre com uma missão de mudar a vida de outras vidas pretas. Não é sequer justo que o fardo esteja com o garoto. Hoje, ele mostrou estar disposto a seguir. Mas mostrou também que, por trás de tantos gols e sorrisos, está um ser humano angustiado. Até quando conseguirá aguentar?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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