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Estatuto do São Paulo é feito para evitar mudanças

Bandeiras e faixas do São Paulo estendidas no Morumbi - Divulgação/Torcida Independente
Bandeiras e faixas do São Paulo estendidas no Morumbi Imagem: Divulgação/Torcida Independente
Luís Roberto Demarco

Para o UOL

03/05/2023 16h20Atualizada em 03/05/2023 18h24

O futebol brasileiro vive hoje um grande debate sobre diferentes modelos de gestão na transição dos modelos de clubes sociais prevalecentes no Brasil para o modelo profissional empresarial que se pratica no futebol europeu, onde muitos clubes têm ações listadas em bolsas de valores.

O expoente máximo da decadência do modelo de gestão de clubes sociais é o São Paulo Futebol Clube, que há 15 anos agoniza ladeira abaixo. Dentre os grandes clubes brasileiros, somente São Paulo e Atlético-MG têm a diretoria eleita por voto indireto do Conselho Deliberativo, sendo que o Atlético, na verdade, tem um dono virtual que financia o clube. Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Athletico e Bahia escolhem os dirigentes com o voto direto dos sócios e sócios-torcedores. Palmeiras, Corinthians e Santos têm a participação de todos os sócios do clube. Botafogo, Vasco e Cruzeiro, depois de rebaixados, viraram empresa.

Há 15 anos o São Paulo troca de técnico, mas o futebol não melhora. E a razão é que o clube está aprisionado em uma estrutura decadente, que concentra o poder nas mãos de poucos, dos mesmos 260 conselheiros, sendo 61% deles vitalícios. Eles são os "donos" do São Paulo, sem fazer qualquer investimento para isso.

Pelo contrário, a estrutura monolítica de poder faz com que a gestão se direcione aos privilégios desses conselheiros e aos conchavos políticos, em sobreposição aos interesses do clube. Assim, o São Paulo escolhe um diretor de futebol ou de marketing ou o chefe do departamento médico muito mais por este dominar um grupo político do que pela competência para administrar a função designada.

Isso obviamente cria um terreno fértil para negócios pouco transparentes ou até mesmo escusos. O São Paulo distribui ingressos gratuitos a conselheiros, leva-os em viagens, paga comissões a empresários na compra e renovação de contratos de jogadores etc., em um círculo vicioso que onera as finanças do clube e reflete naturalmente nos resultados pífios dentro de campo. O balanço de 2022 mostra mais de R$ 100 milhões pagos em comissões que, pelos maus negócios feitos e salários superfaturados, mereceriam uma investigação minuciosa para entender os reais interesses por trás de cada transação feita.

Mas como mudar o São Paulo sem um evento trágico como um rebaixamento? Uma alteração estatutária no clube para se transformar em empresa ou mesmo para ter o voto direto dos sócios, sem passar pelo conselho, exigiria a convocação de uma Assembleia Geral. Para essa convocação acontecer é necessária a assinatura de pelo menos 20% de todos os sócios titulares em condições de voto, ou 1248 associados. E para aprovar a mudança, o artigo 145 do estatuto do SPFC exige a maioria de todos os associados, 3121 votos, e não a maioria dos que comparecerem ao pleito (como aconteceria se a assembleia fosse convocada pelo conselho ou pela diretoria). Para se ter a dimensão da dificuldade, as duas AGEs do São Paulo em 2022 tiveram em média 1466 sócios comparecendo para votar, menos da metade do que seria requerido para aprovar uma mudança estatutária à revelia do conselho.

Feito para não mudar, o São Paulo continua a focar nos interesses e vaidades de seus conselheiros, que silenciam face à decadência inexorável que é causada pela dinâmica da sua própria estrutura falida. Nesse contexto, se a Angela Merkel for presidente ou o Guardiola for o técnico do São Paulo, os resultados continuarão os mesmos.

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