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Robinho mais próximo da cadeia: vi de perto a vitória sem a nossa voz

Assisti ao julgamento de Robinho no Superior Tribunal de Justiça na primeira fileira da corte especial, ao lado da procuradora-geral federal Adriana Venturini. Com meus ombros cobertos, como exige o regimento. De calças, como hoje é permitido.

Pé direito alto, brasão da República, telão, cadeiras giratórias simples para os ministros, cadeiras vermelhas para os assessores, togas pendurados à minha frente. Decoro e decência.

Tudo como se esperava. Inclusive a ausência gritante de mulheres. Apenas uma ministra: Isabel Gallotti. Algumas assessoras. A PGF, eu e mais duas mulheres nas primeiras fileiras.

Quatro sustentações orais por advogados, quatro homens brancos.

O representante da União Brasileira de Mulheres era homem. Sim. Homem. Repito: foi considerado estratégico colocar um advogado homem para falar em nome das mulheres. Como se não pudéssemos falar por nós mesmas com propriedade. Falar da lei, de estupro, de direitos. Citando a liberdade provisória concedida hoje a Daniel Alves e a lógica de fuga, o causídico apontado pela UBM pediu a prisão de Robinho.

O da Associação da Advocacia Criminal (Anacrim), homem. Fazendo um absoluto papelão em suposta defesa da democracia, defendeu que executar a pena aqui seria um desvio da legalidade constitucional. Reserva de mercado que chama?

O advogado de Robinho também bateu na tecla da constituição. Segundo ele, o Tribunal deveria ser duro na garantia dos direitos individuais dos seus cidadãos. "A Itália nem sempre trata bem os brasileiros", a sentença foi confusa, melhor julgá-lo aqui.

O subprocurador-geral da República falou claro e falou bem. O que a defesa de Robinho sustenta criaria uma lógica perversa: a possibilidade de fuga ao seu país natal como garantia de impunidade. Estupra, volta para casa e está tudo certo. Mata, pega um avião e fica tudo bem. Em um dos momentos mais emocionantes da tarde, leu trechos dos áudios interceptados pela polícia italiana (reproduzidos no fundamental podcast do UOL). Robinho riu da condição da vítima. Debochou dela e do processo, em que acabou condenado.

Os ministros começaram a votar. E o meu coração, a palpitar. Na minha traqueia. As mãos suadas. Um nó no estômago. Feridas reabertas.

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O voto do relator foi longo, mas didático. Para o ministro Francisco Falcão, o julgamento na Itália seguiu o devido processo legal. Robinho não poderia ser julgado novamente pelo mesmo crime. O atual tratado com a Itália prevê a execução penal aqui, aplicável de forma imediata.

Em resumo: aceitar o argumento da defesa seria garantir a impunidade do ex-jogador.

Tentaram assegurar a liberdade de Robinho ressaltando seu direito como cidadão brasileiro. Pois a Justiça o tratou como um brasileiro. Um brasileiro condenado por estupro. Protegeu-o da extradição, dando-lhe o direito de cumprir a pena por seu crime no seu país. Por extensão, protegeram a vítima, evitando que "sua dignidade fosse novamente ultrajada". E a nossa.

Falcão recomendou sua prisão. Imediata.

O ministro Raul Araújo, com histórico de decisões pró-bolsonarismo, divergiu. Por muito tempo. Um homem atrás do outro.

Já haviam se passado quase quatro horas de sessão quando ouvimos a voz de uma mulher pela primeira vez. A ministra Isabel Gallotti votou com o relator.

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Enfim, maioria formada: 9 a 2. Entre Robinho e a cadeia só restam um habeas corpus e o Supremo Tribunal Federal.

A conclusão possível é apenas uma: nossa voz não importa. Até quando é a nossa vida que está em risco. Ou o nosso corpo em debate. Quem fala são os homens. Quem decide são homens. Quem tem razão são os homens. A nós cabe apenas torcer para que estejam do nosso lado.

Hoje, a maioria deles estava. Hoje, um estuprador ficou mais próximo de pagar por seu crime. Não com dinheiro, mas com tempo de vida na cadeia.

Apesar do placar largo, a vitória é magra. Uma vitória que ainda pode ser revogada — como aconteceu agora no caso Daniel Alves. Uma vitória sem a nossa voz. Mas uma vitória. Por enquanto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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