Topo

Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A visão de um negro americano sobre o Dia da Consciência Negra

Casey (KC) Frost - Arquivo pessoal
Casey (KC) Frost Imagem: Arquivo pessoal

20/11/2021 15h16

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Texto de Casey (KC) Frost, gestor esportivo, atleta e treinador de futebol americano, escritor, ator e roteirista, especial para a coluna

A consciência pode ser definida como o estado de alerta e percepção dos seus arredores. E estar ligado no que acontece à nossa volta é o estado constante e permanente do povo preto. Fomos condicionados à hiperconsciência de nossa negritude, como fonte de orgulho, resiliência e autoexpressão, mas também como fonte de desconfiança, desconforto e sensação de perigo para os outros. Como alguém que cresceu frequentando escolas privadas em Los Angeles, depois uma faculdade da Ivy League (as de maior prestígio nos Estados Unidos), e seguiu carreira no esporte, em gestão, patrocínio e hospitalidade no Brasil, estou acostumado ao sentimento diário de ser "o outro".

Muitos de nós nos acostumamos a isso. Até no futebol americano, como quarterback, estou sempre hiperalerta à minha raça, dono de uma posição predominantemente ocupada por brancos. Assim como no futebol daqui, em que o meio-campo é lugar de quem demonstra grande liderança, raciocina bem sob pressão e é capaz de processar uma tonelada de informação em segundos. Por alguma razão, porém, meu sucesso nesta posição é frequentemente atribuído às minhas qualidades físicas, mesmo que meu controle do jogo e tomada de decisões sejam os verdadeiros responsáveis pelas minhas vitórias - muito mais do que correr rápido ou pular alto. É comum vermos jogadores brancos definidos como inteligentes, ótimos líderes, fáceis de treinar, enquanto aos pretos elogiam por sermos aberrações da natureza, grandes espécimes físicos.

Tá, e daí? Se nós, o povo preto, somos lembrados todos os dias do nosso lugar na sociedade, então para que precisamos de um Dia da Consciência Negra? Em uma sociedade que constantemente te conta que sua aparência, seu jeito de agir e como você se veste não são o padrão, é importante se lembrar e ser lembrado de que eles estão errados. O que é considerado normal, bonito e aceitável é apenas uma questão de referência e perspectiva, não uma verdade infalível.

Mas este dia é, também, para o resto de vocês! Hein? Como pode o Dia da Consciência Negra existir para não-pretos? Bom, para aqueles de vocês que não veem nada de errado com reuniões de conselho sem uma única pessoa preta, ou mesmo com uma. Uma? Se isso lhe parece certo, cheque sua consciência! Para aqueles de vocês que não se incomodam com esportes dominados por atletas pretas e pretos, mas com as posições de liderança tomadas por brancos. É lógico ter técnicos, olheiros, gestores, diretores, a administração em geral praticamente toda branca? Cheque sua consciência! Se você vê sentido em ter atletas de pele clara e cabelo liso como porta-vozes de seus times, sendo os melhores exemplos para as crianças e merecendo mais patrocínios do que seus colegas de pele escura e cabelo crespo, baseado exclusivamente na aparência, cheque sua consciência!

Um dos meus maiores dilemas trabalhando com esporte no Brasil é a escancarada falta de representatividade no ambiente profissional, reuniões de negócios, clientes e convidados de programas de hospitalidade. Enquanto, na outra ponta, é preta a maioria dos faxineiros, copeiras e pessoas prestando serviços deste tipo. Permitem que cheguemos perto o suficiente para ver o que nunca teremos: um lugar à mesa.

Há algo de cruel em ver campos, quadras e pistas recheados majoritariamente de atletas pretas e pretos, com um público majoritariamente branco torcendo loucamente a favor ou contra, lucrando e se entretendo com eles. Isso me remete à dolorosa realidade capturada nas cenas de lutas de escravizados do filme Django. Como se fôssemos bons o suficiente para vocês como espetáculo, mas não para nos juntarmos como tomadores de decisão, estrategistas, convidados nobres. Por quê?

Ao fazer essa pergunta, o objetivo não é necessariamente chegar a uma resposta concreta, afinal isso seria fácil demais e não nos levaria à raiz do problema. Eu os desafio, leitoras e leitores não-pretos, a pensar se um time tivesse comissão técnica e conselho inteiramente pretos, vocês ainda torceriam por ele? Se entrassem em um camarote lotado com 200 convidados pretos, se sentiriam deslocados? Ficariam lá? Se participassem de uma reunião com 90% de pretos, ainda se sentiriam confortáveis para compartilhar suas opiniões? Quem disse sim faz parte de uma minúscula minoria. Ou está delirando.

Não digo isso para atacá-los, mas para que compreendam que esta é a posição em que frequentemente as pretas e pretos que venceram as adversidades se encontram. Devemos acreditar que este cenário é normal e aceitável. Mas não é. Não é aceitável e não é representativo do mundo lindamente diverso e multicolorido em que vivemos.

Então, neste Dia da Consciência Negra, reflitam sobre a sua consciência. Reflitam sobre seus preconceitos, inclusive os menos óbvios. E, para cada preta e preto que me lê: tire o dia de hoje e todos os dias para se lembrar de que você é capaz! Você é resiliente! Você é incrível! Nós somos incríveis!

Se precisarem de uma forcinha, aqui vão só alguns exemplos da excelência preta em várias áreas de atuação: Joaquim Barbosa. Elza Soares. Daiane dos Santos. Anderson Silva. Djamila Ribeiro. Carlinhos Brown. Maju Coutinho. Lázaro Ramos. Preta Ferreira. Bia Ferreira. Dr. Fred Nicácio. Uma demonstração simples e clara das nossas capacidades excepcionais. O que falta nunca foi capacidade, apenas oportunidade.

*Casey (KC) Frost é gestor esportivo, atleta e treinador de futebol americano, escritor, ator e roteirista