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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Como Giannis Antetokounmpo foi das ruas da Grécia para o topo da NBA

Giannis Antetokounmpo ergue troféu de MVP das finais da NBA - Jonathan Daniel/Getty Images/AFP
Giannis Antetokounmpo ergue troféu de MVP das finais da NBA Imagem: Jonathan Daniel/Getty Images/AFP

Colunista do UOL Esporte

23/07/2021 04h00

Em novembro de 2013, uma moradora de Milwaukee estava dirigindo pela cidade quando percebeu algo curioso. Do lado de fora do carro passou um jovem negro, alto e com pernas gigantes, correndo a toda velocidade pela calçada, usando apenas um casaco leve no frio abaixo de zero do inverno no Wisconsin.

Ela reconheceu o rapaz; era o jovem calouro do Milwaukee Bucks, Giannis Antetokounmpo. Encostando o carro, ela perguntou a Giannis se ele queria uma carona. Com dificuldade, Giannis perguntou se eles estavam indo para o Bradley Center, onde em algumas horas os Bucks enfrentariam o Charlotte Bobcats. A moça disse que sim, e o garoto aceitou de bom grado a carona.

Mas por que ele estava correndo pela cidade? Porque tinha acabado de voltar do banco, onde enviou todo o seu salário recém-recebido para ajudar seus pais e seus irmãos, que ainda estavam na Grécia e não conseguiam vir para os Estados Unidos. O problema é que ele só depois percebeu que tinha enviado literalmente todo o seu dinheiro, e não tinha sobrado suficiente para pagar um táxi para o ginásio. Precisando chegar lá rapidamente, a única opção que lhe ocorreu foi essa: ir correndo.

Naquela noite, Antetokounmpo jogou 12 minutos pelos Bucks, anotou 6 pontos e 2 rebotes, e os Bucks perderam para os Bobcats. Na verdade, os Bucks perderam muitos jogos naquele ano; 67, mais do que qualquer outro time na NBA inteira.

Eu gosto dessa história porque ela ilustra bem o quão radical é a mudança na vida de alguém como Giannis assim que entra na NBA. Aos 19 anos, ele precisou ir para um país completamente novo, em uma cidade totalmente diferente do que ele estava acostumado, viver por conta própria sem os pais e os irmãos que sempre estiveram ao seu lado, ganhando milhões de dólares para jogar basquete na liga mais competitiva do planeta contra os melhores jogadores no mundo - e, ainda assim, sua principal preocupação era ajudar a família do outro lado do Atlântico.

Na época, Giannis estava muito longe de ser o MVP devorador de mundos de hoje. Ele tinha acabado de ser escolhido com a escolha #15 pelo Milwaukee Bucks, e a escolha foi encarada com dúvida pela parte do grande público. Prospectos dessa idade vindo da Europa, em geral, tendem a ser incógnitas maiores; a maioria deles está jogando em times menores contra competição inferior, ou então presos em minutos e papéis muito limitados em times maiores, o que torna muito mais difícil de avaliá-los. E, mesmo dentro desse contexto, Giannis era um caso extremo.

Antes do Draft, Giannis estava jogando na segunda divisão grega, e ver os vídeos dele em quadra era uma experiência. Era como se jogasse contra crianças, tamanha a diferença de tamanho e habilidade atlética. Giannis era capaz de jogadas dominantes e espetaculares nos vídeos, sem dúvida, mas quanto disso vinha de estar jogando contra uma competição tão fraca? Até hoje, acho que nunca vi um prospecto mais difícil de se avaliar antes do Draft do que Giannis Antetokoumpo.

Ainda assim, sua combinação de tamanho e capacidade atlética faziam dele um jogador intrigante, que tinha enorme potencial caso conseguisse realizá-lo. Não que ele fosse SÓ físico e mais nada - havia flashes de habilidade bem fora do normal que tornavam ele ainda mais promissor - mas Giannis ainda era extremamente cru e tinha um chão gigante a percorrer antes de conseguir realizar qualquer coisa próxima do seu potencial, um caminho longo e incerto no qual muitos jogadores promissores já tinham se perdido - motivo pelo qual ele caiu para o meio da primeira rodada. Pessoalmente, eu lembro de me apaixonar acima de tudo pelos seus passes - a antecipação, timing e principalmente os ângulos que ele usava eram muito mais avançados do que eu esperaria de um jogador tão cru - mas falar que eu esperava que ele se tornasse algo PERTO do que se tornou seria uma mentira deslavada.

Como calouro, Gianns fez o esperado: só 7 pontos, 4 rebotes e 2 assistências por jogo, claramente ainda com muito por desenvolver, mas com lampejos do potencial que fazia dele um jogador tão intrigante. Seus números deram um salto no segundo ano (13 pontos, 7 rebotes, 3 assistências) conforme seu papel aumentou e ele se estabeleceu como titular, e novamente no terceiro ano (17 pontos, 8 rebotes, 4 assistências). Esse foi o ano que o técnico Jason Kidd decidiu usar Giannis como armador primário da equipe, e embora não tenha dado certo, ofereceu ao grego algumas repetições valiosas para refinar os aspectos de criação do seu jogo.

O quarto ano de Giannis na NBA foi o que ele finalmente se consolidou como estrela em ascensão, sendo eleito para seu primeiro All Star Game, ganhando o prêmio de Jogador que Mais Evoluiu e indo ao segundo Time de Defesa da Temporada com 23 pontos, 9 rebotes e 5 assistências e finalmente começando a entender a melhor forma de usar suas capacidades físicas para se tornar um devastador defensor. A essa altura, era impossível ignorar o que estava acontecendo em Milwaukee; não só pelo que Giannis estava fazendo em quadra, mas porque a sua trajetória de crescimento exponencial começou a se tornar real demais para ignorar. Por três anos seguidos, Giannis tinha melhorado a cada temporada suas médias de pontos, rebotes, assistências, roubos, tocos E aproveitamento nos arremessos, adicionando novas habilidades enquanto cada vez refinava as que já tinha. Todo mundo sempre soube que Giannis tinha um potencial gigantesco, mas ver ele realizando esse potencial a passos largos e com tanto ainda pela frente de repente fez todo mundo perceber o quão devastador esse rapaz ainda seria nos próximos anos.

E eles estavam certos, pois depois de ir ao seu primeiro time All-NBA em 2018, Giannis finalmente atingiu o topo com o biênio 2019-2020, no qual venceu dois prêmios de MVP e um de Defensor do Ano, com médias surreais de 29 pontos, 13 rebotes, 6 assistências. Em apenas seis anos, aquele rapaz tímido, cru, magrelo e comprido que tentou correr do banco até o ginásio por ter esquecido de guardar dinheiro para o táxi estava no topo da NBA.

A sua coroação como superastro e MVP também serviu para elevar as expectativas sobre si e seu time, e por esse motivo as eliminações precoces em pós-temporada contra Raptors e Heat acabaram pesando tanto sobre a percepção de Giannis ao redor da NBA; não que ele tenha sido ruim nessas séries, mas não esteve no nível dominante habitual, e logo as narrativas se voltaram contra ele: que ele era um jogador de temporada regular, que não era um jogador habilidoso e que só "corria e enterrava", e que alguém suas limitações de arremesso e lance livre jamais poderia ser peça central de um campeão da NBA.

Talvez por isso tenha sido tão delicioso ver Giannis não só conquistando um título de NBA, mas fazendo isso com uma das maiores performances que o basquete já viu em toda sua história: 50 pontos, 14 rebotes, 2 assistências e 5 tocos para garantir o título dos Bucks, maior pontuação da história da NBA (empatado com Bob Pettit) para um jogador no jogo decisivo do título. E honestamente? Mesmo essa linha estatística digna de museu não faz jus o quão bom foi o Jogo 6 de Giannis.

O gold standard de performance individual da história da NBA é o Jogo 6 de Michael Jordan nas Finais contra o Utah Jazz em 1998, no qual - com Pippen machucado - Jordan anotou 45 dos 87 pontos de Chicago, incluindo todas as jogadas decisivas E a cesta da vitória nos segundos finais, para conquistar seu sexto título de NBA. Eu não estou dizendo que o jogo de Giannis foi NESSE nível, mas teve muito em comum com a obra-prima de Jordan: quando o jogo começou e os dois times nervosos erravam tudo, Giannis foi quem deu ordem ao caos e fez os Bucks abrirem 13 pontos de vantagem. Quando os Suns viraram o jogo no segundo quarto com seus companheiros arremessando 2-15 de quadra, Giannis foi quem impediu a vantagem de estar maior. E no terceiro quarto, com os Suns fazendo 49-42 e ameaçando arrancar com a vantagem, foi quando Giannis simplesmente resolveu colocar o jogo no bolso e decidir por conta própria, centralizando as ações do time e anotando surreais 20 pontos com o repertório mais variado possível - enterradas, bandejas acrobáticas, até chutes de meia distância que não costumam fazer parte do seu jogo - para não só impedir que os Suns disparassem, mas recolocar os Bucks no jogo e empatar a partida.

Quando o quarto período chegou, Giannis tinha imposto total controle sobre o jogo dos dois lados na quadra. Seus tocos espetaculares fecharam o garrafão para os Suns ao ponto de que os jogadores de Phoenix literalmente deixavam de fazer bandeja para evitar desafiar o grego. No ataque, ele continuou fazendo cada jogada, conectando os pontos, decidindo sozinho quando precisava, e novamente mostrando que Phoenix simplesmente não tinha resposta para ele. Até mesmo as jogadas que não apareceram no placar foram espetaculares, um testamento ao jogo mais completo, cerebral e dominante que Giannis Antetokounmpo já jogou. E, em 27 anos de basquete, eu posso afirmar que foi o melhor, mais dominante jogo que eu já vi alguém jogar. Nada mal para aquele garoto cru da segunda divisão grega.

E como Giannis comemorou esse título? Pedindo 50 nuggets no fast food ao lado da namorada, depois brincando com seu próprio lance livre na parada do título pelas ruas de Milwaukee. E isso talvez seja a parte mais legal de Giannis: apesar da trajetória insana que ele viveu como jogador, apesar de todos os títulos e conquistas, por dentro ele ainda é aquele garoto inocente e autêntico que precisou correr para o ginásio porque enviou todo o dinheiro que tinha para ajudar os pais e irmãos na Grécia.

Ninguém merecia mais um final feliz.