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Publicitário de Bolsonaro resiste à tática antissistema do 02 e gera atrito

Duda Lima discursa na Câmara de Mogi (SP) após ser homenageado - Divulgação/Câmara de Mogi
Duda Lima discursa na Câmara de Mogi (SP) após ser homenageado Imagem: Divulgação/Câmara de Mogi

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

02/07/2022 04h00

O trabalho do publicitário Duda Lima à frente da produção de peças de TV e rádio de Jair Bolsonaro (PL) enfrenta fogo amigo dentro do próprio grupo político do presidente e pleiteante à reeleição. O motivo: o perfil moderado, reflexivo e discreto do marqueteiro tem irritado aliados do bolsonarismo raiz, grupo alinhado ao ideário do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho "02" do presidente.

Intocável na campanha, Carlos é o responsável por cuidar exclusivamente das mídias sociais do pai e pensar em táticas para engajar a massiva base bolsonarista nas redes. O vereador defende uma linguagem mais beligerante, com ataques a adversários, ironias, memes e outros conteúdos, e é avesso à ideia de uma estrutura formal de marketing político.

Na visão de Carlos, a empreitada pela reeleição deveria seguir os moldes de 2018 (inclusive na TV e no rádio), quando o atual presidente chegou ao Palácio do Planalto com uma narrativa "antissistema", com ênfase em pautas como o ódio à esquerda e a defesa armamentista.

O fogo amigo contra Duda dentro da legenda ficou ainda mais evidente depois que a primeira inserção de TV do PL foi ao ar, em 2 de junho, com Bolsonaro em destaque em um filmete de 30 segundos. A peça foi criticada por Carlos em postagem no Twitter: "Vou continuar fazendo o meu aqui e dane-se esse papo de profissionais do marketing". A reportagem tentou contato com o vereador carioca, mas não teve retorno.

Segundo relatos internos, o objetivo de Duda é tentar suavizar a imagem do chefe do Executivo sem abrir mão de valores conservadores como "Deus", "pátria" e "família".

A primeira peça comandada por ele já dá sinais dessa postura: começa com Bolsonaro num diálogo morno sobre valores familiares com um grupo de jovens e termina com um novo slogan ("Sem pandemia, sem corrupção e com Deus no coração seremos uma grande nação") que, segundo avaliações internas, sugere moderação maior do que o clássico "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

A ideia é vendê-lo ao público como um candidato marcado por realizações de governo nos últimos quatro anos, e não por brigas, polêmicas e xingamentos.

"Eu sempre digo isso para ele [Duda], o grande talento dele é enxergar um pouco fora da caixinha desse universo mais politizado que a gente vive. É um cara muito criativo e que entende bem as pessoas também, sempre busca material e a forma de se comunicar de maneira com que as pessoas tenham fácil compreensão. De forma até simples, como pode parecer muitas vezes, mas a simplicidade às vezes é o que tem mais efetividade", comenta o prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), que foi eleito em 2016 e reeleito em 2020 com o trabalho de Duda.

Apesar da hostilidade de um dos filhos do presidente, o publicitário foi bem avaliado pela cúpula do PL em seu primeiro teste como marqueteiro de Bolsonaro para o rádio e para a TV. Durante o primeiro turno, a expectativa é que o candidato dê mais espaço a temas como a criação de programas assistencialistas (Auxílio Brasil e auxílio emergencial), a implementação do Pix, a titulação de terras para assentados, entre outros.

"Duda tem uma coisa engraçada porque ele tem o dom de ir aos poucos convencendo, construindo... Ele vai mostrando, ele vai com calma, ele tem condição de chegar até o final da eleição, sim, e ser exitoso nessa campanha", diz o deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), que trabalhou com o marqueteiro na candidatura a prefeito de São Paulo em 2016. Ele não conseguiu avançar ao segundo turno.

Diferença entre "eleitor" e "seguidor"

Um dos métodos que Duda Lima costuma utilizar desde 2016, ano em que participou de campanhas a prefeituras do ABC Paulista, é a definição de "personas" na formulação de estratégias eleitorais. Para ele, há dois tipos de público a perseguir: o "eleitor" e o "seguidor".

Enquanto nas redes sociais, sob comando de Carlos Bolsonaro, a campanha postulante à reeleição deve continuar focando no engajamento da base (seguidores), os materiais de rádio e TV devem mirar eleitores propensos ao voto em candidatos de direita ou até mesmo de centro-direita, mas que estariam dispostos a ouvir argumentos e questionamentos para posteriormente construir respostas (na visão do marqueteiro, isso seria "obedecer a estímulos").

Há um entendimento que esse tipo de indivíduo tende a ser cativado na última semana da eleição, também em função do chamado "voto útil". O convencimento na reta final se daria na esteira de um processo de aceitação. O eleitor não vê determinado candidato como uma solução perfeita, mas busca justificativas para anular eventuais resistências e, dessa forma, privilegiar qualidades e ficar em paz com a sua própria consciência.

Natural de Mogi das Cruzes (na Grande São Paulo), Duda é dono de duas agências de publicidade: a F.A.R.O e a RP Propaganda. Entre os trabalhos realizados na última década, ficou famoso por tocar campanhas eleitorais e institucionais no interior de São Paulo e, de acordo com os comentários de ex-clientes, por "quebrar" o clima de polarização por meio de questionamentos, reflexões e peças de cunho propositivo. Uma das propagandas que renderam fama ao publicitário foi desenvolvida para a Prefeitura do Guarujá, em 2012, para divulgar a inauguração de um centro de reabilitação em fisioterapia.

Crítica à gestão exclusiva de redes sociais

Segundo ex-colaboradores que trabalharam Duda, o publicitário já se manifestou contrário a uma gestão segregada de redes sociais dentro de campanhas eleitorais, tal como ocorre hoje no contexto da disputa de poder com Carlos Bolsonaro.

Na visão dele, isso seria um erro porque os recursos digitais fazem parte da rotina das pessoas, principalmente com o sucesso do WhatsApp (ferramenta fundamental para a vitória de Bolsonaro em 2018). Uma estratégia integrada e multimídia (TV, rádio, internet e outros meios) facilitaria, portanto, a criação de conexões emocionais com os eleitores e potenciais eleitores.

No entanto, para se juntar a Bolsonaro na pré-campanha da eleição deste ano, Duda foi obrigado a aceitar condição imposta pelo próprio candidato: o controle das redes sociais cabe ao filho, mais ninguém.

Carlos Bolsonaro - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
Carlos Bolsonaro ao lado do pai, o presidente Jair Bolsonaro (PL), durante viagem à Rússia
Imagem: Alan Santos/PR

Apesar da resistência do "02", Duda conta com o endosso do chefe do PL e cacique do centrão, Valdemar Costa Neto — que tem o publicitário como um homem de confiança —, e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), escalado pelo pai para coordenar a campanha em Brasília e estabelecer pontes com aliados no Congresso.

Publicitário ajudou a eleger a irmã

Um outro feito na carreira de Duda Lima foi ajudar a eleger a própria irmã, Odete Sousa, ao posto de vereadora em Mogi. Filiada ao antigo PR (hoje Partido Liberal), ela ocupou uma cadeira na Câmara Municipal por 12 anos e decidiu sair da vida pública em 2016. Ao UOL, ela afirmou que o marqueteiro foi decisivo para a vitória nas urnas, porém só "na última semana".

Duda Lima - Divulgação/Câmara de Mogi - Divulgação/Câmara de Mogi
Em foto registrada em 2012, Duda Lima é homenageado na Câmara de Mogi e posa ao lado da irmã, a então vereadora Odete Sousa
Imagem: Divulgação/Câmara de Mogi

"Ele sempre me disse que campanha se decide na última semana. E, na última semana, realmente ele veio e foi maravilhoso. O Duda é uma pessoa extremamente comprometida e deu tudo muito certo", disse ela.

"Eu era muito inexperiente nessa situação, eu não tinha essa visão. E o Duda, sim, uma pessoa que, dentro de casa, na família, sempre teve um diferencial e uma valorização muito grande. Ele tinha a maneira dele. Mas ele realmente veio só para a última semana e eu fui fazendo o que ele pediu para fazer", completou.