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É um erro acreditar em acordo com a direita, diz pré-candidata comunista

Sofia Manzano, pré-candidata do PCB à presidência - Luiza Magalhães/PCB RJ
Sofia Manzano, pré-candidata do PCB à presidência Imagem: Luiza Magalhães/PCB RJ

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

10/05/2022 04h00

Industrialização, reestatização de empresas, controle da taxa de câmbio, revogação das reformas e organização do estado em torno da classe trabalhadora. Se, ao ler essas propostas, a palavra comunista vier à mente, a associação está correta.

A formação de um Estado que possibilite o fim das diferenças entre classes sociais é o centro do pré-candidatura da economista paulistana Sofia Manzano ao Palácio do Planalto pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Para ela, "é um erro" partidos de esquerda acreditarem em qualquer tipo de aliança com direita.

No ano do seu centenário, o Partidão de Jorge Amado e Carlos Marighella viu novamente a necessidade de lançar candidatura própria à presidência e tem investido em pré-candidaturas a governos estaduais, incluindo Pernambuco, com o produtor de conteúdo Jones Manoel (PCB).

É a primeira vez que Manzano se lança a um cargo majoritário. Em 2014, compôs a chapa de Mauro Iazi (PCB) como vice, mas acabou em décimo lugar, com 0,05% dos votos, à frente apenas do PCO. Economista com doutorado na USP (Universidade de São Paulo), é professora da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) em Vitória da Conquista (BA) e produz pesquisas sobre mercado de trabalho e desigualdade social.

Ao UOL, ela explica parte do seu plano de governo, defende o modelo comunista "voltado à classe trabalhadora" e a revogação "de todas as reformas", reavalia os erros da esquerda desde que chegou ao poder, com Lula (PT), em 2002, e explica por que o partido mais uma vez não aderiu à aliança coordenada pelo PT.

Os erros da esquerda

Filiada ao PCB desde 1989, quando tinha 18 anos, Manzano participou de todas as eleições presidenciais junto ao partido desde a redemocratização. Em três momentos, apoiou e foi às ruas pela candidatura do PT e de Lula: em 1994, 1998 e 2002, quando veio a vitória.

Com a ascensão do ex-presidente, o PCB tornou-se crítico ao então governo petista (tanto que apoiou o PSOL em 2006 e 2018), em especial por causa da "aliança com a centro-direita". Este foi, para Manzano, um dos principais erros da esquerda no governo.

É um erro acreditar que é possível fazer algum tipo de aliança mais orgânica com a direta, que representa seus próprios interesses --por mais variados que sejam --e que estes acordos serão cumpridos.
Sofia Manzano, pré-candidata do PCB

"É só estudar um pouco da história do Brasil que vemos que a direita brasileira é extremamente autoritária. Quando seus interesses não são atendidos na integralidade, ela ou dá um golpe como o de 1964, ou derruba o presidente —ou a presidenta", completa, referindo-se ao golpe que implantou a ditadura militar no Brasil (1964-1985) e ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Isso, ela avalia, segue acontecendo na pré-campanha petista —e não só na figura da escolha do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), ex-tucano, mas de outras alianças que Lula tem costurado na sua pré-candidatura.

"Todas essas possíveis costuras, a conversa com o MDB, essa procura de coalizão que chamo de centro-direita, estão muito mais voltadas a reproduzir uma relação de classe mais rebaixada ainda do que era em 2003 [quando Lula assumiu]", critica.

Esse foi um dos motivos pelos quais o partido comunista mais uma vez decidiu seguir crítico às propostas petistas e não se juntar ao partido.

"Acreditamos que essa polaridade que está se consolidando, de uma candidatura de extrema-direita e outra que representa centro-esquerda, mas também setores da direita, não está colocando em debate questões centrais da vida trabalhadora. [Devemos colocar,] em primeiro lugar, a classe trabalhadora, e não os interesses de estabilidade político-eleitoral de manutenção de cargos", afirma a candidata.

Ela ainda não fala em apoio a Lula num eventual segundo turno com Bolsonaro por argumentar que isso cabe a "uma decisão coletiva", mas diz que é preciso impedir a reeleição do presidente "de qualquer jeito".

Uma coisa nós [do PCB] temos: responsabilidade política em relação ao momento que nós vivemos e temos a certeza de que, nesse processo eleitoral, a principal questão é derrotar Bolsonaro, [o vice-presidente Hamilton] Mourão, [o ministro da Economia Paulo] Guedes e toda essa quadrilha.
Sofia Manzano, pré-candidata do PCB

Um governo voltado à classe trabalhadora

Esta é a quarta vez desde a redemocratização que o PCB aponta candidato próprio à presidência (antes, em 1989, 2010 e 2014). Após quase quatro anos de um governo de direita e conservador, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e com taxa de desemprego acima dos dois dígitos, Manzano diz que é o momento mais propício para retomar a empreitada.

Para ela, o Brasil precisa, mais do que nunca, pensar na organização de um estado "em torno da classe trabalhadora".

Se a classe trabalhadora não estiver organizada a partir dos seus próprios interesses, independente das estruturas do Estado, ela não alcança os objetivos mínimos, e, por mais que o Estado possa fazer alguma política de auxílio, quando ela não está organizada, esses direitos são rapidamente desmontados, como vimos em todas as reformas.
Sofia Manzano, pré-candidata do PCB

Como base central da candidatura, Manzano prega a revogação de todas as reformas realizadas no governo Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018, e a reversão do processo de desindustrialização do Brasil.

"[As reformas] precarizaram não só as condições da classe trabalhadora, mas da própria estrutura produtiva nacional. O Brasil passa a ser exportador de produtos com baixo valor agregado", argumenta.

De acordo com uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) publicada em março de 2021, o Brasil acentuou o processo de desindustrialização a partir de 2015. Em seis anos (2015-2021), o país fechou 36,6 mil fábricas — equivalente a 17 unidades por dia. "Um país desse tamanho, que já teve parque industrial significativo, com população urbanizada, voltar a ser exportador de commodities simplesmente, é fazer uma regressão social com empobrecimento brutal da população."

Como reverter, então? Estímulo ao processo de industrialização por meio do estado, com nacionalização de indústrias de setores-chave, e controle da taxa de câmbio, sugere a economista.

"Tradicionalmente, o Estado foi o grande impulsionador da industrialização [no Brasil]. Somos completamente favoráveis à reestatização de setores estratégicos: petróleo, energia, utilização do subsolo. O Estado precisa investir e dinamizar esses setores", afirma.

Também diz ser preciso controlar a taxa de câmbio. "Todo país da América Latina que fez processo de industrialização intensa o fez. Se ela fica totalmente livre e, principalmente, vinculada ao capital estrangeiro especulativo, sempre vai prejudicar o investimento interno, tendo como prioridade apenas os interesses desse mercado."

Desigualdade e concentração de renda 'provam que capitalismo não deu certo'

Fundado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro nasceu à luz da Revolução Bolchevique, na Rússia, sob o objetivo de trazer a mesma revolução para cá. Cem anos depois, se algumas demandas mudaram, Manzano argumenta que a concentração de renda e a desigualdade social em grande parte do globo "são a prova de que o capitalismo, de fato, não deu certo".

"Temos uma quantidade gigantesca da população não só excluída do processo produtivo [empregadas] como excluída de condições de vida minimamente dignas. O comunismo é o projeto que nunca foi experimentado —o que tivemos foram experiências socialistas —, que é acabar com a desigualdade fundamental da nossa sociedade, que é a sociedade de classes", afirma a presidenciável.

"O meu governo pretende colocar as políticas econômicas, públicas, sociais, de desenvolvimento, de meio ambiente, a serviço de uma estruturação de uma classe trabalhadora que entenda a necessidade desse processo revolucionário", diz a economista.

Ela reconhece, no entanto, que não se transforma uma sociedade capitalista em comunista por meio de uma eleição. "Mas por meio eleitoral pode se chegar a prioridades que levem em consideração, em primeiro lugar, os interesses da classe trabalhadora e não os interesses da classe dominante."