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Renúncia de Leite acende alerta de crise no PSDB e deixa Doria atento

Os governadores Eduardo Leite (PSDB-RS) e João Doria (PSDB-SP) em encontro após as prévias - Divulgação
Os governadores Eduardo Leite (PSDB-RS) e João Doria (PSDB-SP) em encontro após as prévias Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

29/03/2022 04h00

O tom do anúncio de renúncia de Eduardo Leite (PSDB) ao governo do Rio Grande do Sul ontem (28) deixou tucanos sob alerta de uma nova crise interna na disputa pela candidatura ao Planalto. Depois de diversas rusgas durante a campanha das prévias presidenciais no ano passado, a avaliação é que uma nova briga pública pode ser prejudicial a todos dentro do partido.

Em coletiva, Leite anunciou que não sairá do PSDB e deixará o governo a partir de quinta (31) em respeito à legislação eleitoral. Assim, ficaria à disposição para "compor um projeto nacional". Vencedor das prévias em novembro, o governador paulista João Doria (PSDB) diz que sua candidatura segue "inabalável" e chamou uma tentativa de mudar o resultado das prévias de "golpe", mas tem feito movimentos para minar ambições do gaúcho.

Embora o anúncio de Leite fosse esperado, o tom chamou a atenção dos tucanos pela ênfase com que disse estar aberto a assumir uma candidatura nacional. Também afirmou que, embora respeite as prévias —que chamou de "formalidade" —, há "novos atores" no jogo, fazendo referência ao advento da possível aliança com MDB e União Brasil, além da federação com o Cidadania.

Um dos principais argumentos do grupo que quer manter a disputa em aberto é a estagnação de Doria atrás nas pesquisas de intenção de voto. De acordo com o último Datafolha, divulgado na quinta (24), o atual governador paulista marcou apenas 2% das intenções de votos —situação semelhante aos levantamentos de outros institutos, em que chega, no máximo, a 3% —enquanto a rejeição segue na faixa dos 30%,.A de Leite ficou com 14%.

Com o fantasma de 2018 —quando Alckmin teve menos de 5% dos votos nas eleições presidenciais— ainda sondando o partido, a aposta para o grupo é que o nome de Leite, mais desconhecido, tem mais chance de atrair o eleitor indeciso e unir a almejada "terceira via" que rejeita o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), os dois melhores colocados nas pesquisas.

Partido rachado

Há, no entanto, a questão da legitimidade das prévias. Para muitos tucanos, a insistência pelo nome de Leite pode macular ainda mais a imagem do PSDB como partido rachado e que não respeita resultados de urnas. Para tantos outros, a pecha de mau perdedor poderia atrapalhar Leite em uma possível campanha.

Embora, oficialmente, o partido não tenha tratado do assunto, segundo interlocutores, a insistência de Leite em concorrer, desta forma, teria desagradado em especial o presidente do partido, o ex-deputado Bruno Araújo, entusiasta e fiador do processo eleitoral interno no ano passado.

A opinião é compartilhada por alguns outros tucanos que também disputarão cargos eletivos em outubro. A avaliação é que o candidato à presidência pode até perder —seja quem for— desde que não atrapalhe as disputas locais. Uma nova briga em praça pública poderia resvalar em todos e não ajudar ninguém.

Pré-candidato?

Eu atendo ao que a legislação eleitoral exige: renunciar ao mandato de governador para estar na política atuando nessa eleição, que é decisiva, buscando dar toda a a colaboração que eu puder para ajudar o país nesse momento crítico."
Eduardo Leite (PSDB)

Segundo as regras da Justiça Eleitoral, qualquer comandante do Executivo deve entregar o cargo para se candidatar a outro cargo até o sábado (2).

Fontes tucanas ouvidas pelo UOL relataram que o principal grupo de aliados a Leite nas prévias seguem apoiando a ideia de ele continuar como pré-candidato pelo partido. Este grupo é liderado:

  • Pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG),
  • Pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e
  • Pelo ex-senador José Aníbal (PSDB-SP).

Na coletiva, Leite ressaltou que não está se despedindo "mas se apresentando". Fiando-se em possíveis alianças partidárias, ele afirmou que deverá rodar o país para ouvir eleitores e acompanhar as decisões do PSDB.

"Há uma conversa bem adiantada entre MDB, União Brasil, PSDB e federação com Cidadania. Então, tem novos atores nesse processo no qual o PSDB discutiu a sua candidatura presidencial", afirmou. "As prévias não perdem a legitimidade, mas elas não têm a exclusividade na medida que novos atores se envolvem. Isso vai ser discutido no momento que a política proporciona."

O então governador gaúcho chegou a ser sondado por Gilberto Kassab, presidente do PSD, para se tornar o nome do partido, mas negou o convite no final da semana passada, dissuadido por caciques tucanos. Em seu discurso, ele agradeceu nominalmente o convite.

Naturalmente nós temos nossas inspiração de forma individual, a vontade de estar protagonizando naquele caminho que escolhemos atuar. É claro que desejo dar minha contribuição como presidente da República."
Eduardo Leite (PSDB)

O revide de Doria

Oficialmente, a campanha de Doria diz que sua pré-candidatura segue "inabalável" e sua agenda não sofrará alterações. Ele deverá passar o cargo para o vice, Rodrigo Garcia (PSDB), na próxima quinta (31), para "se desprender" e, conforme anunciado, rodar o país. A primeira viagem deverá ser para o Nordeste na semana que vem.

À imprensa, em evento em São Bernardo do Campo (SP), após o anúncio de Leite, o governador paulista disse apenas que ficou feliz com a permanência do gaúcho no PSDB. Nos bastidores, entretanto, Doria trabalha para garantir que o "Dia do Fico" de Leite não vire contra ele.

No último fim de semana, quando as articulações do anúncio de Leite estavam a mil, Doria falou em evento que não respeitar as prévias seria "uma tentativa torpe, vil, de corroer a democracia e fragilizar o PSDB" e foi à casa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, que se pronunciou em prol do respeito ao resultado do pleito.

As alianças com outros partidos, tão citadas por Leite na coletiva, também estão na mira do paulista. Antes de começar a circular pelo Nordeste, Doria vai a Brasília para conversar com lideranças políticas.

A seu favor, ele tem o apoio da federação com o Cidadania, chefiado pelo ex-deputado Roberto Freire; do presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (MDB-SP); e da aula paulista do União Brasil, encabeçada pelo vereador paulistano Milton Leite (União Brasil-SP).

No partido recém-formado, no entanto, ele tem a resistência do ex-prefeito soteropolitano ACM Neto (União Brasil-BA), pré-candidato ao governo da Bahia. Também não é muito próximo do deputado Luciano Bivar (União Brasil-PE), que preside a legenda.

Abertamente, pessoas próximas ao paulista dizem desconhecer qualquer movimento de deslegitimação da sua candidatura, mas sabem que vão ter de seguir com articulações internas e externas em torno do seu nome.

Bruno Araújo, Doria e Eduardo Leite após anúncio da vitória do governador de de SP nas prévias - Reprodução - Reprodução
Bruno Araújo, Doria e Eduardo Leite após anúncio da vitória do governador de de SP nas prévias
Imagem: Reprodução

Prévias conturbadas

As prévias do PSDB, realizadas em novembro de 2021, foram marcadas por confusões. Com problemas no aplicativo de votação, o pleito foi suspenso por uma semana e o resultado, previsto para uma superconferência no dia 20 de novembro, só saiu 27, com direito a troca de farpas entre as campanhas nesse intervalo.

Leite chegou a denunciar, sem provas, uma suposta compra de votos por parte de Doria e sugeriu a suspensão da votação para retomada só em fevereiro deste ano.

No fim das contas, o partido divulgou que:

  • Doria ficou com 53,99% dos votos,
  • Leite registrou 44,66% e o
  • Ex-senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) marcou 1,35%.

Após o anúncio do resultado, os três candidatos se reuniram ao lado de Bruno Araújo, presidente da legenda, para pregar a união do partido, mas ficou notório entre os tucanos que o grupo de Leite não estava satisfeito com a condução da votação.