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Na contramão: ela comprou uma igreja e transformou em centro cultural no RJ

Em Valença (RJ), uma igreja virou centro cultural - Divulgação
Em Valença (RJ), uma igreja virou centro cultural Imagem: Divulgação

Luciana Cavalcante

colaboração para Ecoa, em Belém (PA)

01/03/2023 06h00

Estamos acostumados a ver igrejas cristãs comprando cinemas e transformando em templos, mas em Valença, no Rio de Janeiro, essa história foi diferente. A musicista carioca Juliana Maia, 38, fez o caminho inverso e transformou uma igreja em centro cultural para atender crianças em situação de extrema pobreza no sul do estado fluminense. Tudo em menos de quatro meses, graças à ajuda de fãs e amigos. Hoje ela conta com doações para manter o trabalho.

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A casa onde funcionava uma igreja evangélica em Valença (RJ) e, hoje, fica o Centro Cultura Juliana Maia
Imagem: Divulgação

A ideia surgiu em maio de 2022, após Juliana conhecer de perto a realidade da comunidade que vive às margens da linha do trem em Pedro Carlos/Linha, como é chamado o local onde há anos existe apenas uma ferrovia abandonada na região serrana do Rio.

A situação é de pobreza extrema, sem nenhuma estrutura, sem saneamento, as pessoas não têm sequer o que comer. É tudo muito difícil. Muitas não recebem qualquer auxílio porque não têm nem documentos. Além do risco de violência, o pior é a falta de oportunidade. Juliana Maia

Atuando como empreendedora social há mais de dez anos, ela conta nunca ter visto situação como esta. Segundo projeções de uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, demoraria sete gerações para que uma comunidade com características semelhantes conseguisse ascensão social, devido ao altíssimo nível de pobreza.

Mesmo sem dinheiro para começar o projeto, Juliana Maia procurou saber sobre uma casa na região. onde funcionava uma igreja evangélica e que estava abandonada havia quatro anos.

"Quando conversei com o pastor ele disse que só queria vender se fosse para uma igreja, mas depois cedeu quando contei da ideia da ONG. Daí começamos a correr atrás dos recursos", diz.

Em pouco tempo, a musicista organizou um verdadeiro mutirão para conseguir pagar a compra do imóvel e as reformas de adaptação, contando com ajuda de fãs, amigos e até da própria comunidade local.

"Eu digo que é uma coisa que tinha que ser porque muita gente ajudou. Fizemos uma vaquinha virtual, mas muita gente ajudou por fora, fãs, amigos. A comunidade ajudou. Como é uma região de serra, com 800 metros de altura e não entra caminhão, a gente levava os materiais de pampa, de carro, carregava até de carrinho".

Entre o sonho e a sua concretização foram apenas quatro meses. Em setembro o centro cultural foi inaugurado.

Centro replica projeto de sucesso de Conservatória

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'A música, a arte, a cultura reverbera na comunidade'
Imagem: Divulgação

O centro cultural recebeu o nome da fundadora e replica outro projeto social criado por ela na cidade vizinha de Conservatória, o "Harmônicos de Conservatória". Ele nasceu em 2015, a partir de experiências de Juliana Maia, quando morou em países como Argentina e Japão.

"Criamos uma escola de base musical onde as crianças aprendem instrumentos de iniciação como flauta, trompete, trombone e formamos uma orquestra que já se apresentou no Teatro Municipal do Rio e recebeu até convite para tocar na Europa", orgulha-se.

Em oito anos, o Harmônicos de Conservatória atendeu mais de seiscentas pessoas, sendo crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos.

Em Valência, a ideia é replicar o mesmo projeto, mas com adaptações para a realidade local. Juliana explica que não há estatísticas oficiais sobre quantas pessoas vivem na região de Pedro Carlos/ Linha, mas há uma estimativa de que haja pelo menos 100 famílias.

"São pessoas que vivem sem rede de saneamento básico, em ocupações irregulares, sem qualquer apoio. Por isso o modelo do projeto deve ser diferenciado lá?.

Inicialmente, explica a musicista, setenta crianças já estão cadastradas para participar das atividades. Lá a faixa etária é de 5 a 14 anos. O espaço terá, além da iniciação musical, um ponto de leitura e aulas de judô.

Outro objetivo do centro é fomentar a economia criativa para ajudar as mulheres que vivem na região.

"É preciso ajudar as mães, com atividades que não precisem sair de casa, já que a região não tem creche. Queremos investir na economia criativa com cursos como artesanato e culinária".

Eu acredito que a cultura é a maneira mais rápida e eficaz de criar oportunidades e novos horizontes. A música, a arte, a cultura reverbera na família, na comunidade, no estado e no país e a economia criativa muda um ciclo, cria um mais sustentável, menos insalubre e mais igualitário. Juliana Maia.

"Entrei em um teatro pela primeira vez graças a minha filha"

1 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Isadora e Lorena
Imagem: Arquivo Pessoal

A recepcionista Josiane Dias Gouveia, 40, tem duas filhas no "Harmônicos de Conservatória", orquestra do projeto que inspirou o centro cultural de Valença. Isadora, 15, toca violencelo e Lorena, 12, violino.

A mãe conta que elas começaram bem cedo e já pensam em seguir carreira na música. "Elas são muito interessadas, procuram vídeos na internet. Pesquisam opções de como podem trabalhar com música, onde podem se apresentar", orgulha-se.

Morando em uma cidade pequena e com nenhuma oportunidade no ramo, para Josiane, o projeto era a única forma de suas filhas descobrirem esse talento. "Apesar de sermos considerados como a cidade da seresta, não tinha nenhum curso aqui. É uma verdadeira bênção que o projeto seja gratuito", diz.

Josiane faz parte de uma parcela da população que não migrou para os grandes centros e diz que permanecer na cidade a privou de muitas coisas. Uma delas foi nunca ter ido a um teatro. Desde que entraram na orquestra, Isadora e Lorena já se apresentaram em vários lugares, entre eles o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde a mãe foi pela primeira vez.

"Eu nunca tinha tido a chance de entrar em um teatro na minha vida e hoje eu tive através das minhas filhas. Me emocionei muito por elas terem oportunidades que eu não tive".

A professora de educação física, Noemi Pereira, 56, tem uma história semelhante. Mas o filho Fábio Pereira, 11 anos, namorava o projeto desde cedo, quando passava pela porta do teatro. Até que, aos 7 anos, a mãe o matriculou . Após a iniciação musical, ele se apaixonou pelo violino e por Pixinguinha. "Ver meu filho tocando Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga é sensacional!", diz.

Eu noto que ele trouxe isso da música, a disciplina, a concentração. Ele se tornou mais observador e eu vejo isso refletido nos estudos, no dia a dia dele na escola. Noemi Pereira

Centro Cultural Juliana Maia

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Contatos:
centroculturaljulianamaia@gmail.com
(21) 98134-1910